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Destinos
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Destinos
A questão da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos Europa, é a mais grave que Portugal defronta.
Não sou muito da escola dos “projectos nacionais”, que regularmente pergunta qual é o destino nacional, ou que critica o défice desse “projecto”. Entendo que, na maioria das vezes, se trata de uma espécie de redacção mais ou menos laboriosa sobre o “destino” de Portugal, de que não resulta senão uma série de desejos ideológicos ou truísmos vulgares. Para além do mais, sempre pensei que a história não só não tem direcção, como é, na sua essência, imprevisível e, por isso mesmo é, na melhor das hipóteses, inútil.
Mas percebo a tentação de o fazer. Há momentos em que uma espécie de estagnação parece atingir-nos e em que apetece perguntar: mas para onde é que isto vai? quando parece que não vai para lado nenhum. Tenho consciência de que a melhor resposta é “sei lá!”, fugindo da infeliz tentativa de responder à pergunta doutra maneira. Mas, no fundo, para que servem as tentações que não seja para nelas cair…
A gente olha para o nosso país - e eu olho para a minha “pátria amada” – e vê como essa estagnação antecede uma tempestade, e não gosta do que vê. E não gosta do que se espera. Olhamos para o nosso espelho moderno, a comunicação social, e vemo-la nestes dias morna e superficial como habitualmente. É verdade que vive sempre no tempo presente, sem ontem e sem amanhã e, nesse excessivo presente procura a “novidade” que não encontra, entrando por isso num processo bipolar. Uma semana é “horrível”, a outra é calma como um túmulo. Tanto diz que o governo – que trata como “geringonça”, numa clara falha deontológica – está sitiado por crises diversas e sucessivas, como depois diz que a “habilidade” do Primeiro-Ministro mete a oposição num sapato pequeno. Numa semana todos os demónios andam à solta, na outra a santidade desce do céu às catadupas. Como “nada” acontece, qualquer trivialidade sobe ao palco principal: Sejam as bofetadas de João Soares, sejam as “selfies” de Marcelo, sejam os estados de alma de António Costa ou de Catarina Martins. Os sucessivos planos e projectos que o Governo produz, e a logomaquia da oposição sobre eles, ocupam também um espaço excessivo porque a prova dos nove de cada um está por fazer. De intenções está o inferno cheio.
Eu não quero saber desta bipolaridade para nada. Por isso pouco me interessam as bofetadas, as “selfies”, os estados de alma e não dou muita importância à sucessão de documentos e planos que o governo emite por obrigação para a burocracia de Bruxelas.
Não sou sensível a esta mudança semanas de “as coisas estão a correr bem para o Governo” para “as coisas estão a correr mal para o Governo”. Acho que há um problema estrutural, de fundo, com a política actual que impede Portugal de sair da cepa torta. O melhor que o governo fez até agora foram as chamadas “reversões”. Fez outras coisas, muito poucas e em muitos aspectos devia ter feito mais, até porque há muitas que não custam dinheiro. E fez bem em fazer as “reversões” porque a última coisa que as “versões” eram, era “reformas estruturais”. Chamar-lhes assim é quase obsceno. Foram cortes cegos, com os mais fracos e os que “estavam à mão” por alvo; subidas de impostos desiguais e injustas; medidas que acentuaram as disfunções do Estado, agravaram as desigualdades territoriais, ajudaram a aumentar a burocracia e tornam o estado mais autoritário face ao cidadão com menos liberdades. Face à parlapatice de que houve reformas estruturais convém lembrar mais uma vez o que aconteceu.
Sendo assim, “reverter” é uma espécie de trabalho de Hércules, a limpeza da estrebaria, para se criar uma atmosfera mais saudável. Mas, dito tudo isto, a condução da política geral do país, devido às chamadas “regras europeias”, não mudou.
A questão da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos Europa, é a mais grave que Portugal defronta. Começa porque a soberania nacional está seriamente diminuída em aspectos cruciais para a independência de um país. O nosso parlamento está castrado de poderes orçamentais e muito do governo do país é feito de fora, pelo BCE e pela Comissão Europeia, em particular pelo Eurogrupo.
Esta governação alheia, muito para além de qualquer legislação europeia em vigor, assente em práticas abusivas cada vez mais consentidas sem contestação, atenta, como se viu no caso da banca, contra o interesse nacional. A “Europa” actua como um governo federal que não foi eleito por ninguém, que assumiu poderes nos países mais débeis como a Grécia e Portugal e não toca num cabelo dos poderosos. Não é pelos resgates, nem pela dívida, está muito para além disso.
Não quero de todo que Portugal seja Singapura. Nem adianta querer que seja uma das dez economias mais competitivas do mundo. Não quero que Portugal seja a Holanda, porque Portugal não é a Holanda e vice-versa, com vantagens e defeitos.
Mas quero coisas simples para os portugueses. Que os portugueses enriqueçam, que os mais pobres deixem de ser pobres, que acedam aos bens mínimos de consumo, material e espiritual. Que a “classe média” se reforce, cresça, fazendo subir o elevador social. Que as pessoas tenham propriedade e liberdade para terem vidas que não sejam deitadas fora pelo estado e pela sociedade.
Para que isto aconteça não podemos continuar nesta economia de mediocridade, moldada por uma ideologia que serve apenas os poderosos e que escarnece dos mais fracos. Os que não tem offshores, não desbarataram milhares de milhões de euros, não pediram milhões à banca para a deixar “mal parada”, mas estão condenados pela “Europa” a pagar estes custos. Por isso repito: com a “Europa” como ela é hoje, não vamos lá.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
25/04/2016 - 00:01
Público
Não sou muito da escola dos “projectos nacionais”, que regularmente pergunta qual é o destino nacional, ou que critica o défice desse “projecto”. Entendo que, na maioria das vezes, se trata de uma espécie de redacção mais ou menos laboriosa sobre o “destino” de Portugal, de que não resulta senão uma série de desejos ideológicos ou truísmos vulgares. Para além do mais, sempre pensei que a história não só não tem direcção, como é, na sua essência, imprevisível e, por isso mesmo é, na melhor das hipóteses, inútil.
Mas percebo a tentação de o fazer. Há momentos em que uma espécie de estagnação parece atingir-nos e em que apetece perguntar: mas para onde é que isto vai? quando parece que não vai para lado nenhum. Tenho consciência de que a melhor resposta é “sei lá!”, fugindo da infeliz tentativa de responder à pergunta doutra maneira. Mas, no fundo, para que servem as tentações que não seja para nelas cair…
A gente olha para o nosso país - e eu olho para a minha “pátria amada” – e vê como essa estagnação antecede uma tempestade, e não gosta do que vê. E não gosta do que se espera. Olhamos para o nosso espelho moderno, a comunicação social, e vemo-la nestes dias morna e superficial como habitualmente. É verdade que vive sempre no tempo presente, sem ontem e sem amanhã e, nesse excessivo presente procura a “novidade” que não encontra, entrando por isso num processo bipolar. Uma semana é “horrível”, a outra é calma como um túmulo. Tanto diz que o governo – que trata como “geringonça”, numa clara falha deontológica – está sitiado por crises diversas e sucessivas, como depois diz que a “habilidade” do Primeiro-Ministro mete a oposição num sapato pequeno. Numa semana todos os demónios andam à solta, na outra a santidade desce do céu às catadupas. Como “nada” acontece, qualquer trivialidade sobe ao palco principal: Sejam as bofetadas de João Soares, sejam as “selfies” de Marcelo, sejam os estados de alma de António Costa ou de Catarina Martins. Os sucessivos planos e projectos que o Governo produz, e a logomaquia da oposição sobre eles, ocupam também um espaço excessivo porque a prova dos nove de cada um está por fazer. De intenções está o inferno cheio.
Eu não quero saber desta bipolaridade para nada. Por isso pouco me interessam as bofetadas, as “selfies”, os estados de alma e não dou muita importância à sucessão de documentos e planos que o governo emite por obrigação para a burocracia de Bruxelas.
Não sou sensível a esta mudança semanas de “as coisas estão a correr bem para o Governo” para “as coisas estão a correr mal para o Governo”. Acho que há um problema estrutural, de fundo, com a política actual que impede Portugal de sair da cepa torta. O melhor que o governo fez até agora foram as chamadas “reversões”. Fez outras coisas, muito poucas e em muitos aspectos devia ter feito mais, até porque há muitas que não custam dinheiro. E fez bem em fazer as “reversões” porque a última coisa que as “versões” eram, era “reformas estruturais”. Chamar-lhes assim é quase obsceno. Foram cortes cegos, com os mais fracos e os que “estavam à mão” por alvo; subidas de impostos desiguais e injustas; medidas que acentuaram as disfunções do Estado, agravaram as desigualdades territoriais, ajudaram a aumentar a burocracia e tornam o estado mais autoritário face ao cidadão com menos liberdades. Face à parlapatice de que houve reformas estruturais convém lembrar mais uma vez o que aconteceu.
Sendo assim, “reverter” é uma espécie de trabalho de Hércules, a limpeza da estrebaria, para se criar uma atmosfera mais saudável. Mas, dito tudo isto, a condução da política geral do país, devido às chamadas “regras europeias”, não mudou.
A questão da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos Europa, é a mais grave que Portugal defronta. Começa porque a soberania nacional está seriamente diminuída em aspectos cruciais para a independência de um país. O nosso parlamento está castrado de poderes orçamentais e muito do governo do país é feito de fora, pelo BCE e pela Comissão Europeia, em particular pelo Eurogrupo.
Esta governação alheia, muito para além de qualquer legislação europeia em vigor, assente em práticas abusivas cada vez mais consentidas sem contestação, atenta, como se viu no caso da banca, contra o interesse nacional. A “Europa” actua como um governo federal que não foi eleito por ninguém, que assumiu poderes nos países mais débeis como a Grécia e Portugal e não toca num cabelo dos poderosos. Não é pelos resgates, nem pela dívida, está muito para além disso.
Não quero de todo que Portugal seja Singapura. Nem adianta querer que seja uma das dez economias mais competitivas do mundo. Não quero que Portugal seja a Holanda, porque Portugal não é a Holanda e vice-versa, com vantagens e defeitos.
Mas quero coisas simples para os portugueses. Que os portugueses enriqueçam, que os mais pobres deixem de ser pobres, que acedam aos bens mínimos de consumo, material e espiritual. Que a “classe média” se reforce, cresça, fazendo subir o elevador social. Que as pessoas tenham propriedade e liberdade para terem vidas que não sejam deitadas fora pelo estado e pela sociedade.
Para que isto aconteça não podemos continuar nesta economia de mediocridade, moldada por uma ideologia que serve apenas os poderosos e que escarnece dos mais fracos. Os que não tem offshores, não desbarataram milhares de milhões de euros, não pediram milhões à banca para a deixar “mal parada”, mas estão condenados pela “Europa” a pagar estes custos. Por isso repito: com a “Europa” como ela é hoje, não vamos lá.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
25/04/2016 - 00:01
Público
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