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Elegia sobre o céu de Ponte de Lima
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Elegia sobre o céu de Ponte de Lima
Na semana passada, a minha sobrinha Maria Luísa decidiu que nos levaria (aos dois) de passeio até Ponte de Lima.
Nos chamados "anos doirados", o velho casarão de Ponte de Lima era conhecido como a sede e arquivo da família, além de constituir – nas palavras do velho Doutor Homem, meu pai – um dos últimos redutos para um ser civilizado julgar-se a viver um século atrás.
Não cuidem os leitores desavisados que a expressão é depreciativa; pelo contrário: "viver um século atrás" seria (sempre nas palavras do velho Doutor Homem, meu pai) o desígnio de qualquer pessoa minimamente letrada, sensata e com algum apreço pela paisagem. Ponte Lima oferecia de tudo um pouco: ruínas, casarões, arvoredos, hortas e um clima ameno. A par disso, boa comida e um céu protector.
O velho Doutor Homem, meu pai, escolhia Ponte de Lima como poiso derradeiro das suas férias. Era lá, naquele casarão de fortes paredes de granito e de muros cobertos de trepadeiras onde despontava o perfume rosas de Santa Teresinha, que ouvia os seus discos de Anna Moffo, a soprano favorita e, mais do que isso, a incarnação da própria Lucia di Lammermoor, da Adina de ‘Elixir de Amor’, da Violetta de ‘La Traviatta’, da pobre Mimi de ‘La Bohème’.
Na verdade, naqueles meses de Agosto e canícula, Ponte de Lima fazia do velho Doutor Homem, meu pai, um cavalheiro inglês em férias na Toscânia, e proporcionava-lhe a sensação de ter recuado ao passado da sua própria felicidade.
Foi a estas lembranças que – na semana passada – eu próprio recuei, cerca de cinquenta anos depois, como se ouvisse ainda a voz da Tia Benedita, como se escutasse as corridas dos meus sobrinhos através dos canteiros dos jardins (mais tarde descobrimos que o velho Doutor Homem, meu pai, os corrompia com moedas de dez tostões a fim de arrancarem os gladíolos, às escondidas da nossa severa matriarca), como se os meus irmãos (éramos cinco) se apresentassem para o almoço de domingo e para a reunião anual da família, onde ainda cabia a jovialidade do Tio Alberto, o nosso gastrónomo e bibliófilo de São Pedro de Arcos.
O Dr. Paulo, que se juntou a nós numa das esplanadas da vila (ele acha que se trata de uma obsessão, dado que em Caminha é também costume visitarmos a esplanada da praça diante da Câmara), contribuiu para a melancolia geral: declarou que Ponte de Lima era como deviam ser as memórias das pessoas felizes.
01.05.2016 01:45
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
Nos chamados "anos doirados", o velho casarão de Ponte de Lima era conhecido como a sede e arquivo da família, além de constituir – nas palavras do velho Doutor Homem, meu pai – um dos últimos redutos para um ser civilizado julgar-se a viver um século atrás.
Não cuidem os leitores desavisados que a expressão é depreciativa; pelo contrário: "viver um século atrás" seria (sempre nas palavras do velho Doutor Homem, meu pai) o desígnio de qualquer pessoa minimamente letrada, sensata e com algum apreço pela paisagem. Ponte Lima oferecia de tudo um pouco: ruínas, casarões, arvoredos, hortas e um clima ameno. A par disso, boa comida e um céu protector.
O velho Doutor Homem, meu pai, escolhia Ponte de Lima como poiso derradeiro das suas férias. Era lá, naquele casarão de fortes paredes de granito e de muros cobertos de trepadeiras onde despontava o perfume rosas de Santa Teresinha, que ouvia os seus discos de Anna Moffo, a soprano favorita e, mais do que isso, a incarnação da própria Lucia di Lammermoor, da Adina de ‘Elixir de Amor’, da Violetta de ‘La Traviatta’, da pobre Mimi de ‘La Bohème’.
Na verdade, naqueles meses de Agosto e canícula, Ponte de Lima fazia do velho Doutor Homem, meu pai, um cavalheiro inglês em férias na Toscânia, e proporcionava-lhe a sensação de ter recuado ao passado da sua própria felicidade.
Foi a estas lembranças que – na semana passada – eu próprio recuei, cerca de cinquenta anos depois, como se ouvisse ainda a voz da Tia Benedita, como se escutasse as corridas dos meus sobrinhos através dos canteiros dos jardins (mais tarde descobrimos que o velho Doutor Homem, meu pai, os corrompia com moedas de dez tostões a fim de arrancarem os gladíolos, às escondidas da nossa severa matriarca), como se os meus irmãos (éramos cinco) se apresentassem para o almoço de domingo e para a reunião anual da família, onde ainda cabia a jovialidade do Tio Alberto, o nosso gastrónomo e bibliófilo de São Pedro de Arcos.
O Dr. Paulo, que se juntou a nós numa das esplanadas da vila (ele acha que se trata de uma obsessão, dado que em Caminha é também costume visitarmos a esplanada da praça diante da Câmara), contribuiu para a melancolia geral: declarou que Ponte de Lima era como deviam ser as memórias das pessoas felizes.
01.05.2016 01:45
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
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