Durão e o país

Durão Barroso gostaria de ser beatificado em Portugal. Ao fim de 30 ou mais anos de atividade política, o zénite para o ex-presidente da Comissão Europeia seria receber este desmesurado reconhecimento pelo lastro de bem comum que terá resultado (resultou?) de tão intensa atividade política nacional e internacional. E no entanto não é isso que sobressai da entrevista que deu ao Expresso. Durão poderia ter falado dessa herança que diz ter deixado ou dos princípios por que lutou, das ilusões que teve no dia em que se estreou em cargos de enorme responsabilidade e de como sentiu a obrigação imediata e inevitável de conjugar os ideais, os que ainda tinha, com a dura realidade, isto é, de procurar compromissos para fazer avançar negociações e conflitos sempre complexos. Poderia até ter ido mais longe, partilhando com os portugueses o conhecimento e a experiência acumulados numa altura em que as dúvidas sobre a Europa e o euro são mais do que evidentes, são penosas e assustadoras, e exigem a todos uma tentativa de resposta, especialmente de quem teve ou ainda tem algum poder de influência para moldar o debate público e as decisões que são tomadas. Durão Barroso diz que saiu da política, mas continua a ser um político - um dos mais hábeis e astutos que o país produziu, inegavelmente um dos com maior êxito. Em vez de perder tempo a limpar o erro da Cimeira das Lajes - um erro que muitos teriam cometido, ainda mais na posição de Portugal e naquelas circunstâncias internacionais -, em vez de polemizar com Jorge Sampaio e culpar George W. Bush, uma desforra e uma desculpa cosmopolitas, poderia ajudar a encontrar saídas para o beco económico e financeiro em que nos encontramos. Seria um enorme serviço público, este sim merecedor do justo reconhecimento a que todos os políticos devem aspirar.

Editorial
08 DE MAIO DE 2016
00:00
André Macedo
Diário de Notícias