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O país do medo

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Mensagem por Admin Ter Dez 08, 2015 11:32 am

1. Vós que paris em leito confortável - é assim, paris com p pequeno, nesta frase de verso, num poema de Brecht. O poema é do medo e paris é de parir. Medo em Brecht, paris em Paris, cidade sem luz. Paris com p grande. Paris na penumbra que o medo entretanto criou. Há sentimentos minúsculos na capital de letras maiúsculas.

Le Pen venceu, Marine é xenófoba, o pai criou-a à sua imagem, foi a política que a pariu. A vitória da Frente Nacional em França, nas eleições regionais de domingo, prova que, de todas as paixões, o medo é o que comanda, e de uma forma quase sempre dissimulada, as opções individuais. Marine Le Pen venceu porque os franceses têm medo. A filha do pai, que confunde deliberadamente terrorismo com refugiados, e a estes chama-os de migrantes, teve a capacidade de pegar no medo e provocar uma tremenda viragem política.

Os franceses já tinham trocado terror por dor, a morte por lágrimas, já atacaram quando foram atacados. Nunca tinham traduzido medo em votos. Aconteceu neste domingo e com estrondo: 30 por cento! Quase um em cada três eleitores, nas urnas, deplorou a gigantesca onda migratória, exigiu que o dinheiro dos contribuintes sirva "aos franceses primeiro", aceitou o restabelecimento de fronteiras e pediu a saída do euro.

É verdade que vários partidos de extrema-direita têm crescido e conquistado poder, sobretudo com a grave crise de refugiados, desde a Suíça à Polónia. Agora isso aconteceu, pela primeira vez, num país-motor da União Europeia. Metade das regiões deve cair nas mãos da Frente Nacional na segunda volta - nunca os nacionalistas tinham sequer ganho uma única região. E, com um terço dos votos expressos, a Frente ficou verdadeiramente Nacional, a ultradireita chega a primeira força partidária e a sua líder aspira com legítima ambição tornar-se a próxima Presidente da República.

Não há outra forma de o dizer: a França foi anteontem oficialmente declarada a pátria do medo.

2. O "Poema do Medo", por Bertold Brecht, é a história de uma menina-mãe que tenta em vão abortar, numa estória cheia de angústia. Mas a menina pariu e o poema é afinal uma metáfora: "Vós que paris em leito confortável/ e chamais bendito vosso ventre inchado/ não deveis execrar os fracos e desamparados/ por obséquio, pois não vos indigneis/ toda criatura precisa da ajuda dos outros."

Não há moralismo a rimar com terrorismo, a culpa não é nossa, somos vítimas, não culpados e não é por mudarmos o nosso comportamento que o perigo acaba. Mas populismo e terrorismo, esses sim, combinam, sustentam-se, formam uma simbiose perversa, uma espiral de destruição que, tristes ingénuos, os europeus, todos nós, consideravam problema alheio, coisa de subdesenvolvidos.

Minúsculos com letra grande, não há grandeza na capital das paixões, na cidade-luz capaz de se entregar ao pecado, o pecado capital de confiar ao ódio e à segregação - "muçulmanos talvez, mas franceses primeiro", como se lia num dos slogans desta campanha - a via possível que os tire da aflição.

É esta a outra forma de terror, terrivelmente subtil, que mina tanto as bases da democracia e a "nossa forma de vida" quanto as bombas assassinas de fanáticos islamitas. É aparecer um cretino populista, diante da falta de esperança, na ausência de uma resposta clara e um caminho traçado, e afirmar-se com as fórmulas sedutoras que prometem soluções rápidas e fáceis para a prosperidade.

Marine Le Pen fá-lo com uma eficácia invulgar, que nem o seu próprio pai, e fundador do partido que o acabou por expulsar, conseguiu. E não é apenas em matérias de segurança e imigração. Na frente económica, promete baixar a idade de reforma para os 60 anos, aumentar o salário mínimo em 200 euros e, de um golpe só, tirar a França da união monetária - o que, na prática, significaria a morte do euro. A moeda única, cujo fim já foi tantas vezes anunciado, em várias crises periféricas, não resistiria evidentemente a uma eventual rutura francesa.

3. A Europa não é, pois, uma abstração. E as ameaças existem, são bem reais e bastante assustadoras. O perigo neofascista francês tornou-se, nas últimas 48 horas, mais plausível do que a ameaça independentista da Catalunha - mas não deixam de ser, por razões diferentes e em tempos distintos, motivos de inquietação na nossa vizinhança.

Ou o referendo britânico, que pode resultar na saída do Reino Unido da União Europeia. Ou os colapsos de Angola e do Brasil, que podiam ser novamente o nosso plano B.

Ou a vulnerabilidade da banca. O Estado que está a ser recapturado - antes por banqueiros, agora por sindicatos e outras corporações. Razões não faltam para termos medo. Como as alterações climáticas e a regressão demográfica. O medo dos outros - que é o início do medo que começamos a ter de nós próprios. Não encontro poesia no medo.

Mas o medo inspirou muita poesia: "A coragem que vence o medo tem mais elementos de grandeza que aquela que o não tem. Uma começa interiormente; outra é puramente exterior. A última faz frente ao perigo; a primeira faz frente, antes de tudo, ao próprio temor dentro da sua alma." Fernando Pessoa, antes de Brecht, melhor do que ele. Como o governo de Costa, o medo à esquerda, nada que se compare com aquela Frente dos outros.

08 DE DEZEMBRO DE 2015
00:04
Sérgio Figueiredo
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