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Imaginar um país sem medo e sem lixo
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Imaginar um país sem medo e sem lixo
Temos de recusar a desistência de pensar e o conformismo lógico como condições da realização humana. Só conseguiremos tornar Portugal numa sociedade bem-sucedida se reinventarmos a política com capacidade crítica e solidária.
Pensar a política portuguesa nos próximos 25 anos implica dois exercícios paralelos. Em primeiro lugar, é preciso conceber o mundo político português além dos limites do possível. Isto é, não podemos deixar que o fatalismo inerente às condições socioeconómicas actuais distorça a nossa imaginação. A política, mesmo a portuguesa, é uma invenção humana e, portanto, não se rege pelas leis fundamentais da física. Em segundo lugar, é preciso conceber o mundo político português dentro de um contexto particular: vivemos uma transição paradigmática. Ela é inevitável e, dado o estado do País, desejável. Portugal não é uma sociedade bem-sucedida. É uma sociedade injusta e iníqua. Para que isso mude, serão precisas três alterações fundamentais.
Em primeiro lugar, é preciso colocar a justiça - não o aparelho judiciário, mas a própria ideia de justiça - no centro do nosso destino colectivo. Isso implicará o abandono do culto cego e fanático ao mercado. A justiça distributiva não poderá depender de mecanismos tradicionais, como a nacionalização ou a regulação de baixa intensidade (embora devam ser usados, se necessário). É preciso socializar a economia e re-socializar a sociedade. Bens fundamentais de primeira ordem, como a água, devem ser protegidos como bens comuns e inalienáveis. Bens fundamentais de segunda ordem, como o dinheiro ou a informação, devem ser protegidos sob a mesma égide. A justiça deverá ser reposta no centro do nosso debate público - na medida em que pudermos, enquanto sujeitos políticos individuais e sujeito político colectivo, inventar um debate público democrático.
Em segundo lugar, devemos recusar uma tendência dominante na sociedade portuguesa - a desistência de pensar aliada ao conformismo lógico. A desistência de pensar é um dos pilares da astrologia austeritária: Hannah Arendt identificou-a, há meio século, ao observar Eichmann em Jerusalém. Enquanto portuguesas e portugueses, devemos recusar-nos a desistir de pensar. Nos próximos 25 anos, só poderemos transformar o País se usarmos as nossas faculdades cognitivas, se recusarmos dogmas e se compreendermos que a imaginação acorrentada é a primeira causa dos autoritarismos bem-sucedidos. O conformismo lógico é o corolário da desistência de pensar: afirmamos que o País está "assim" porque sempre foi "assim" e será sempre "assim". Sabemos que isso não é verdade. Pierre Bourdieu afirmava que o novo imperialismo neoliberal, um imperialismo das consciências, produzia esse conformismo para estabilizar relações desiguais de poder. É preciso inventar um inconformismo crítico. A participação cívica portuguesa precisa de uma tenacidade crítica que a variedade portuguesa da democracia capitalista não admite. Recomeçar a pensar, inconformada e criticamente, é a única forma de conceber um paradigma novo e transformador. Que nos recoloque, desejavelmente, no caminho de uma sociedade florescente e justa. Para que o ciclo multi-secular do medo e da pulsão repressiva, tão perniciosos para Portugal, seja quebrado e definitivamente transformado em matéria para os historiadores.
Em terceiro lugar, é preciso ter a coragem de procurar soluções que rompam com o paradigma actual. Hoje, à esquerda e à direita, em particular as suas instâncias institucionalizadas, essa coragem deixou de existir. Na América Latina, a constitucionalização dos direitos da biosfera é uma dessas experiências de ruptura. No México, o movimento neozapatista utiliza um mantra político que merece consideração: "mandar obedecendo". As estruturas políticas portuguesas, reféns de utensílios mentais datados e desprovidos de rigor, não respondem aos sinais enviados pela sociedade de que fazem parte. Em suma, as instituições são, cada vez mais, impermeáveis às reivindicações e aspirações dos cidadãos e cidadãs. É por essa razão que as manifestações parecem ter pouco resultado. A transição paradigmática não se compadecerá com paliativos: serão precisas novas instituições e, de igual modo, instituições demasiadas vezes desprezadas, como as cooperativas, para responder aos choques, endógenos e exógenos, que afectarão profundamente a estrutura da sociedade portuguesa. Nos próximos 25 anos, a economia social verá o seu papel reforçado e os seus protagonistas serão forçados a rever as suas posturas, demasiado discretas e falsamente neutras perante a catástrofe socioeconómica em curso.
Algumas das condições necessárias a estas alterações fundamentais já existem. As restantes ainda não. Em todas as transições paradigmáticas, surgem novos actores, cujos modos novos e originais de organizar a política e a sociedade parecem implausíveis e utópicos (ou distópicos) aos actores institucionalizados e dominantes. No entanto, o carácter não-institucionalizado destes novos actores colectivos concede-lhes uma amplitude imaginativa e metodológica que parece, a olhares exteriores, uma marca de confusão ou displicência. No contexto de uma transição paradigmática, essa amplitude é uma marca de flexibilidade e adaptabilidade. Embora estes colectivos ainda não tenham uma expressão forte e coerente em Portugal, essa é uma forma, possível e plausível, de inventar novas sociabilidades, estruturas de afecto e solidariedade. Uma economia de partilha, por exemplo, é uma possibilidade cada vez mais interessante. Algumas experiências, em Portugal, mostram que é possível criar novas estruturas produtivas e inventar modos de reprodução social emancipatórios, que destruam relações de poder coercivas e criem relações de solidariedade.
Nos próximos 25 anos, um novo compromisso com o bem comum, a justiça social e a acção colectiva será fundamental para transformar Portugal numa sociedade bem-sucedida. Para que isso suceda, todas as pessoas residentes no País precisam de enfrentar três desafios: recusar a desistência de pensar, recusar o conformismo lógico vendido como condição sine qua non para ter uma vida social, materialmente preenchida. E imaginar novos modos e processos de organização da vida política sem medo das reacções adversas que, inevitavelmente, surgirão. Portugal precisa de um pacto de coragem crítica e solidária.
Luís Bernardo
11/08/2014 00:04 h
Económico
Pensar a política portuguesa nos próximos 25 anos implica dois exercícios paralelos. Em primeiro lugar, é preciso conceber o mundo político português além dos limites do possível. Isto é, não podemos deixar que o fatalismo inerente às condições socioeconómicas actuais distorça a nossa imaginação. A política, mesmo a portuguesa, é uma invenção humana e, portanto, não se rege pelas leis fundamentais da física. Em segundo lugar, é preciso conceber o mundo político português dentro de um contexto particular: vivemos uma transição paradigmática. Ela é inevitável e, dado o estado do País, desejável. Portugal não é uma sociedade bem-sucedida. É uma sociedade injusta e iníqua. Para que isso mude, serão precisas três alterações fundamentais.
Em primeiro lugar, é preciso colocar a justiça - não o aparelho judiciário, mas a própria ideia de justiça - no centro do nosso destino colectivo. Isso implicará o abandono do culto cego e fanático ao mercado. A justiça distributiva não poderá depender de mecanismos tradicionais, como a nacionalização ou a regulação de baixa intensidade (embora devam ser usados, se necessário). É preciso socializar a economia e re-socializar a sociedade. Bens fundamentais de primeira ordem, como a água, devem ser protegidos como bens comuns e inalienáveis. Bens fundamentais de segunda ordem, como o dinheiro ou a informação, devem ser protegidos sob a mesma égide. A justiça deverá ser reposta no centro do nosso debate público - na medida em que pudermos, enquanto sujeitos políticos individuais e sujeito político colectivo, inventar um debate público democrático.
Em segundo lugar, devemos recusar uma tendência dominante na sociedade portuguesa - a desistência de pensar aliada ao conformismo lógico. A desistência de pensar é um dos pilares da astrologia austeritária: Hannah Arendt identificou-a, há meio século, ao observar Eichmann em Jerusalém. Enquanto portuguesas e portugueses, devemos recusar-nos a desistir de pensar. Nos próximos 25 anos, só poderemos transformar o País se usarmos as nossas faculdades cognitivas, se recusarmos dogmas e se compreendermos que a imaginação acorrentada é a primeira causa dos autoritarismos bem-sucedidos. O conformismo lógico é o corolário da desistência de pensar: afirmamos que o País está "assim" porque sempre foi "assim" e será sempre "assim". Sabemos que isso não é verdade. Pierre Bourdieu afirmava que o novo imperialismo neoliberal, um imperialismo das consciências, produzia esse conformismo para estabilizar relações desiguais de poder. É preciso inventar um inconformismo crítico. A participação cívica portuguesa precisa de uma tenacidade crítica que a variedade portuguesa da democracia capitalista não admite. Recomeçar a pensar, inconformada e criticamente, é a única forma de conceber um paradigma novo e transformador. Que nos recoloque, desejavelmente, no caminho de uma sociedade florescente e justa. Para que o ciclo multi-secular do medo e da pulsão repressiva, tão perniciosos para Portugal, seja quebrado e definitivamente transformado em matéria para os historiadores.
Em terceiro lugar, é preciso ter a coragem de procurar soluções que rompam com o paradigma actual. Hoje, à esquerda e à direita, em particular as suas instâncias institucionalizadas, essa coragem deixou de existir. Na América Latina, a constitucionalização dos direitos da biosfera é uma dessas experiências de ruptura. No México, o movimento neozapatista utiliza um mantra político que merece consideração: "mandar obedecendo". As estruturas políticas portuguesas, reféns de utensílios mentais datados e desprovidos de rigor, não respondem aos sinais enviados pela sociedade de que fazem parte. Em suma, as instituições são, cada vez mais, impermeáveis às reivindicações e aspirações dos cidadãos e cidadãs. É por essa razão que as manifestações parecem ter pouco resultado. A transição paradigmática não se compadecerá com paliativos: serão precisas novas instituições e, de igual modo, instituições demasiadas vezes desprezadas, como as cooperativas, para responder aos choques, endógenos e exógenos, que afectarão profundamente a estrutura da sociedade portuguesa. Nos próximos 25 anos, a economia social verá o seu papel reforçado e os seus protagonistas serão forçados a rever as suas posturas, demasiado discretas e falsamente neutras perante a catástrofe socioeconómica em curso.
Algumas das condições necessárias a estas alterações fundamentais já existem. As restantes ainda não. Em todas as transições paradigmáticas, surgem novos actores, cujos modos novos e originais de organizar a política e a sociedade parecem implausíveis e utópicos (ou distópicos) aos actores institucionalizados e dominantes. No entanto, o carácter não-institucionalizado destes novos actores colectivos concede-lhes uma amplitude imaginativa e metodológica que parece, a olhares exteriores, uma marca de confusão ou displicência. No contexto de uma transição paradigmática, essa amplitude é uma marca de flexibilidade e adaptabilidade. Embora estes colectivos ainda não tenham uma expressão forte e coerente em Portugal, essa é uma forma, possível e plausível, de inventar novas sociabilidades, estruturas de afecto e solidariedade. Uma economia de partilha, por exemplo, é uma possibilidade cada vez mais interessante. Algumas experiências, em Portugal, mostram que é possível criar novas estruturas produtivas e inventar modos de reprodução social emancipatórios, que destruam relações de poder coercivas e criem relações de solidariedade.
Nos próximos 25 anos, um novo compromisso com o bem comum, a justiça social e a acção colectiva será fundamental para transformar Portugal numa sociedade bem-sucedida. Para que isso suceda, todas as pessoas residentes no País precisam de enfrentar três desafios: recusar a desistência de pensar, recusar o conformismo lógico vendido como condição sine qua non para ter uma vida social, materialmente preenchida. E imaginar novos modos e processos de organização da vida política sem medo das reacções adversas que, inevitavelmente, surgirão. Portugal precisa de um pacto de coragem crítica e solidária.
Luís Bernardo
11/08/2014 00:04 h
Económico
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