Chega de nos atirarem poeira para os olhos

Discuta-se o que interessa mesmo e escolham-se os mais competentes

1) Foi preciso Manuela Ferreira Leite falar e escrever três vezes sobre o acordo que os norte-americanos e a União Europeia (UE) estão a negociar para que o tema chegasse aos nossos jornais.

Nem uma declaração de Obama a pressionar os europeus e uma tomada de posição do Greenpeace sobre o sinistro acordo (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento) nos tinham despertado cá para as suas consequências.
 
Em traços largos, o acordo multiplica trocas comerciais e investimento entre os dois blocos, favorecendo basicamente as multinacionais, nomeadamente através da criação de instâncias que poderão ultrapassar a legislação europeia e a americana, arrasando direitos laborais, sociais e ambientais.

O acordo interessa, antes do mais, aos americanos, e depois à Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália, ou seja, os Estados da UE que têm grandes multinacionais. Os outros serão peões de um vasto xadrez. Portugal não contará para nada, a não ser para sofrer consequências e ser endrominado com loas aos supostos benefícios para um porto como Sines.

O alerta da ex-ministra das Finanças valeu a pena, embora a parte em que pedia para se saber quem representa Lisboa na negociação tenha ficado sem resposta objetiva. É que ninguém pode acreditar que seja mesmo Margarida Marques, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, criatura que mal se sabe por cá que pertence ao governo. Agora imagine-se o peso que terá em Berlim, Paris, Londres ou Bruxelas, o centro da eurocracia.

2) Luís Filipe Pereira vai deixar a presidência do Conselho Económico Social (CES), a que foi chamado para evitar que, em dada altura, o lugar ficasse vago por falta de acordo entre o PSD e o PS. Pereira não fez um mandato brilhante. Ficou colado ao governo anterior, que foi na prática quem o indicou. Agora vai presidir à Federação de Golfe, o que eventualmente está mais no seu perfil.

O impasse em que está a sucessão é um clássico da nossa política que se repete regularmente com o CES, com o provedor de Justiça, com os juízes do Tribunal Constitucional e outras nomeações que dependem de voto no parlamento.

O problema é que, até se acertarem agulhas, passam-se meses e fazem-se negócios para esses e outros lugares sem olhar aos melhores perfis – até mesmo quando os partidos principais, no caso o PSD e o PS, têm nas suas fileiras gente com provas dadas.

O caso do CES, onde se negoceiam questões económicas e sociais de relevância, é paradigmático. O PSD tem um candidato à medida. Trata-se de Silva Peneda, que já exerceu as funções de presidente daquele órgão, que foi ministro do Emprego e de quem o bispo Saraiva Martins disse um dia ter o “coração do tamanho do país”. Só que Peneda não é passista. Foi preterido para comissário europeu e deu uma bofetada de luva branca ao establishment social-democrata ao ser escolhido por Juncker para trabalhar junto dele na Comissão Europeia. Ultimamente, Peneda mostrou disponibilidade para voltar ao CES mas só com o acordo dos dois principais partidos, o que dificilmente sucederá.

Na área do PS, a alternativa poderia ser Vítor Ramalho, o incansável presidente da UCCLA. Ex-secretário de Estado do Trabalho do PS no tempo do bloco central, foi também secretário de Estado Adjunto da Economia com Guterres, tendo negociado a recuperação de dezenas de empresas, entre as quais a estratégica Lisnave. Ramalho é o grande amigo quotidiano de Mário Soares, tem pontes para todo o lado, é um homem de consensos, bom negociador, sendo reconhecido nos países lusófonos como um sábio (um mais velho, como se diz por lá). Além disso, é membro de mérito do CES indicado pelo próprio Peneda. Foi destratado pelo PSD ao ser apeado de presidente do Inatel, onde deixou uma obra sólida que aos poucos está a ser destruída. A curiosidade é que também Ramalho não parece gozar da simpatia da liderança do seu partido, apesar de a ele se ter recorrido abundantemente para conquistar o poder interno e defender a solução governativa atual.

Como se vê, há duas opções óbvias e pode até haver outras. Mas há uma realidade incontornável: a circunstância de serem penalizadas pessoas que mantêm autonomia de pensamento mesmo face à área ideológica a que estão ligadas. Mas mais vale um Pacheco Pereira, um Lobo Xavier, um Jorge Coelho, um Peneda ou um Ramalho do que dezenas de independentes de pacotilha ou meros capangas partidários. A democracia tem muito a melhorar. Nisso, o Presidente Marcelo pode ajudar muito. Assim o queira.

3) Inopinadamente, a assinatura de Rui Araújo não apareceu no último “Expresso” associado à investigação dos Papéis do Panamá. Entretanto, os nomes dos jornalistas que receberiam luvas do Grupo Espírito Santo continuam a não ser divulgados. Consta que, além do “Expresso”, outros órgãos de comunicação têm a suposta lista, mas nada. Há quem aposte que, a existir, só será publicada quando chegar ao i ou ao “Correio da Manhã”.

Jornalista

11/05/2016
Eduardo Oliveira e Silva 
opiniao@newsplex.pt 
Jornal i