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Mensagem por Admin Seg maio 16, 2016 11:41 pm

1 Não é verdade que a banca seja demasiado importante para ser entregue aos banqueiros. Mas é verdade, talvez a nossa verdade mais inconveniente, que os banqueiros foram demasiado importantes, durante demasiado tempo, numa economia que se entregou de corpo e alma à banca. E dela ficámos todos reféns, dos seus humores e louvores, dos seus atores e reguladores. E dos estupores também, como é evidente.

Não é caso único, o português. O subprime foi a pouca-vergonha internacional, o resto veio por arrasto: as cartas do castelo, o baralho e as cartas fora dele, os Estados desmoronados e as dívidas soberanas, as dúvidas cartesianas. Saiu-nos caro o desmame. Pior só o desmando. Ficou caricato falar em reputação e idoneidade num setor em que passaram a ser algemados aqueles que até lá eram idolatrados.

Sei do que falo. Participei num mundo em que, dos jornais aos quartéis, dos ministros aos juízes, todos prestavam vénias. A finança era alta, os financeiros notáveis, casos de sucesso, um exemplo para o mundo, a inovação e o arrojo. A excelência era medida em lucros, sempre altos e sustentados, odiados também por isso, invejados. Sem nunca serem afinal o fundamental: sustentáveis.

Nesta tarde vou questioná-los, estarei sentado diante de cinco banqueiros fundamentais do sistema. Só falta a Caixa Geral de Depósitos, que também é fundamental, mas está provisoriamente sem presidente. De carne e osso, pessoas normais, nem bandidos nem heróis, são hoje os rostos da privação, almas em sobressalto, ícones das dificuldades.

Reencontro-os, assim, em simultâneo e todos juntos, oito anos depois de ter deixado de com eles conviver, de sobre eles escrever. Banca em contexto de mudança - é o mote de um painel composto por cinco banqueiros de sempre, de bancos que mudaram tudo, num negócio com mais osso do que carne.

Conversa dos antípodas, dos lucros crónicos que viraram prejuízos persistentes, de bancos a crescer para bancos a encolher, de agentes de inovação a gentes sem certezas algumas sobre o essencial do seu futuro - o que, de certa forma, também quer dizer o nosso.

2 Wall Street começou a estalar em 2007. Na Europa, quase dez anos depois, subsistem 932 mil milhões de euros de crédito malparado e uma união bancária que cheira a fuga em frente. Não há, portanto, um exclusivo nacional. Mas temos um problema económico invulgar.

O mundo empresarial continua, em toda a Europa, a ser o mais dependente do crédito bancário. A banca tem dinheiro, mas falta capital para financiar as estratégias de crescimento empresariais, os planos de investimento e de expansão de atividade. Se o governo tem, as empresas não - não há planos B para as empresas portuguesas.

Não há capitais próprios suficientes, os empresários não andam pelo próprio pé, as empresas têm fraca capacidade de autopropulsão. Não há bolsa, porque se perderam valores e, em dez anos de crise creditícia, a verdade é que o mercado de capitais foi incapaz de se afirmar como alternativa no financiamento à economia. Pelo contrário, o PSI20, dezanove, dezoito, desapareceu.

E o acesso a financiadores internacionais? Bem, não é fatalidade, mas um dado da equação: não há, nunca haverá, um mercado de capitais global para uma economia sem empresas de dimensão global.

Por isso, quando se discute o que deve acontecer para a banca recuperar rentabilidade e competitividade, é do futuro da economia portuguesa que continuamos a falar. E esta é uma frase que poderia ter escrito algures, até ao ano de 2006. Num dos milhares de editoriais de imprensa especializada, especialmente deslumbrada com os notáveis feitos de um setor que dava cartas, que organizava privatizações, que investia nas empresas privatizadas, que distribuía dividendos aos acionistas e simpatias aos ministros.

Hoje a luta fundamental é pela sobrevivência. Com regras cada vez mais apertadas e cada vez menos por nós controladas. A estabilidade do regime, inclusivamente económico e político, muitas vezes foi na nossa história assegurada pelo Banco de Portugal. O baluarte foi, por vontade própria, reduzido pela união bancária a um balão de ar.

Talvez a banca não seja demasiado importante para ser confiada aos banqueiros. Mas é seguramente demasiado importante para depender de acionistas sem capital, de reguladores que nem sequer respondem ao nosso Parlamento, de comissários europeus que ditam aos governos a sorte dos bancos e a nacionalidade dos investimentos que podem receber.

3 A banca foi um fracasso do anterior governo e um embaraço para o atual. A OPA não consumada no BPI, o Novo Banco para nacionalizar porque se torna cada vez mais evidente a dificuldade em vendê-lo, o Millennium num impasse, a Caixa Geral de Depósitos com um aumento de capital anunciado numa tal dimensão, que não se vê como nem quando irá acontecer.

Nada está, portanto, no seu devido lugar. Mas hoje, em conferência, vão estar todos sentados no sítio certo. Os banqueiros nacionais, os políticos do momento, o governador presente e a sua futura administradora, o Presidente da República e duas senhoras que, juntas, mandam mais do que todos eles: a presidente do Conselho Único de Resolução e a presidente do Conselho de Supervisão do Mecanismo Único Europeu.

Não é publicidade à conferência que a TVI e a Associação Portuguesa de Bancos (APB) organizaram para hoje. É antes um ato de fé, a espera das boas notícias que nos desabituámos de ter. A esperança é o próximo resgate que a banca nos deveria trazer.

17 DE MAIO DE 2016
00:00
Sérgio Figueiredo
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