As aves altas

Os falcões que conseguiram permanecer desenham as nossas mais antigas curiosidades.

Temos tido a sorte, ultimamente, de ver alguns falcões e algumas águias. Pode ser que sejam só um falcão-peneireiro e só uma águia-de-bonelli. Apenas sonhamos que sejam mais do que dois animais.

O coração levanta-se quando vê um animal dito selvagem que vive de matar outros animais selvagens. De onde vem esta crueldade? Será da miséria de um utilitarismo elementar?

"Desaparecer" é a maneira fantasmática e metafórica de dizer que estão a morrer sem deixar descendência. Não faltam presas, apesar dos passarinhos e dos ratinhos também serem cada vez menos, por causa do egoísmo e do totalitarismo humanos serem cada vez maiores.

Os falcões são maus, limitados e obsessivos. São um elogio da loucura. São obstinados e fiéis. Pairam e caem como bombas tal e qual como se todos os séculos desde o primeiro nunca tivessem acontecido.

Existe até, por cima da Praia Grande, um bom restaurante que tem uma esplanada bonita de onde se pode observar esse falcão a pairar e descender magnificamente, enquanto se almoça muito bem. Leve binóculos. Ou apenas os olhos com que nasceu. Prepare-se para se pasmar.

Chama-se Nortada, está aberto todos os dias e o número de telefone é 219.291.516. O segredo é chegar muito cedo e apanhar a melhor mesa de todas: é aquela de onde não só não se vê ninguém mas de onde só se vê o mar e a maravilha da Praia Grande.

Os falcões que conseguiram permanecer desenham as nossas mais antigas curiosidades. As águias mantêm a nossa pequenez.

MIGUEL ESTEVES CARDOSO 
17/05/2016 - 00:10
Público