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A grande paródia…
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A grande paródia…
Artista genial e multifacetado, Rafael Bordalo Pinheiro ilustrou a capa do primeiro número do jornal satírico A Paródia, em Janeiro de 1900 – que ficaria famosa –, desenhando a traço forte a política como «a grande porca».
Essa capa e a figura do Zé Povinho, que Bordalo Pinheiro também criou, resistiram até aos nossos dias quando se celebra o centenário do museu com o seu nome.
Mais de um século volvido, faz-nos falta alguém com a acutilância de Bordalo para caricaturar os atores que desfilam na passadeira da política à portuguesa. Pelas falas, percebe-se que tratam o Zé Povinho como tolo, incapaz de raciocinar fora do perímetro dos soundbites debitados pelos media.
Assiste-se a uma paródia dividida em episódios, que vão do burlesco ao surreal, incluindo o PCP levar ao poder o seu «adversário quase mítico» – o PS. «Um milagre de Fátima», na versão mordaz de Eduardo Lourenço.
As histórias sucedem-se. Uma das mais espirituosas foi a «boa notícia» confiada, generosamente, por António Costa ao ministro Mário Centeno, durante uma entrevista à SIC, para anunciar a descida de um cêntimo no imposto sobre os combustíveis.
É impossível não ficar rendido ao humor subtil do primeiro- -ministro, que validou , ainda, na mesma entrevista, a existência do «anexo secreto» ao orçamento enviado a Bruxelas, pormenor mais tarde atribuído a um «equívoco» no debate parlamentar. Uma boa piada.
Anexo à parte, o certo é que o prometido foi cumprido – e o ministro das Finanças arregaçou as mangas, aliviando, magnânimo, o bolso dos automobilistas. Só por ressentimento algumas boas almas não agradeceram a bondade.
Outro concorrente sério na stand-up comedy em cena é Mário Nogueira, o atual titular-sombra da Educação, que ocupa o Ministério da 5 de Outubro em regime de comodato e em acumulação com a Fenprof.
Numa entrevista a este jornal declarou, aparentemente sem se rir, que «quando acabar aqui na Fenprof o meu trabalho a única coisa que vou ser é professor». Recorde-se que suspendeu a sua atividade docente há cerca de 25 anos, mais do dobro do tempo que ocupou nessa cansativa missão de ensinar.
Reeleito para o quarto mandato, Nogueira tem lugar garantido por mais uns anos, o que transforma este militante comunista num dos mais longevos dirigentes sindicais. Se não abona a imaginação dos professores que o reelegeram, ao menos compensa-nos com a incorrigível graça de prometer o regresso às aulas. Um ponto.
Um talento também notável para a arte de fazer sorrir é o açoriano Carlos César, que veio de trouxa aviada para uma auspiciosa carreira no continente, não enjeitando sequer, bem humorado, o título de ‘coordenador geral’ da ‘geringonça’, em entrevista ao Expresso.
Sabe-se, agora, que tem a família próxima devotada – decerto por mérito – ao serviço público, e concede que «governar é esticar a corda ao máximo», secundando, sem-cerimónia, o luminoso pensamento estratégico de Catarina Martins.
Mas ao «esticar a corda» previne, impagável, que «este trabalho tem de ser feito nos limites de uma situação herdada no plano financeiro de grande gravidade».
O lado irresistível da boutade é que César não se referia à herança do país quase falido em 2011, quando o PS, então liderado por José Sócrates, assinou, em desespero, o memorando e a vinda da troika, com a receita da austeridade.
Não menos bem humorado é o solitário deputado do PAN, eleito em nome da nobre causa dos animais. Alheio a bagatelas, o novo partido já reflete sobre o estatuto jurídico dos animais de companhia, para que estes deixem de ser ‘coisas’, propondo o seu livre acesso a restaurantes e a outros espaços comerciais. Um caso.
Fechamos com outra capa. Foi publicada na semana passada pela Visão e justificou que a revista antecipasse o seu dia de saída. O protagonismo coube a uma jornalista do DN, aureolada pela invulgar notoriedade de ser conhecida como ‘ex-namorada de Sócrates.
Com este enquadramento, a Visão ofereceu aos seus leitores ‘em exclusivo’ o «esclarecimento público» da jornalista sobre Sócrates, o Processo Marquês e Eu, ficando a saber-se, ao longo de nove páginas densas, entre outras pérolas, que «se fizesse ideia da relação pecuniária entre Santos Silva e Sócrates teria feito perguntas por considerar a situação, no mínimo, eticamente reprovável».
Distraída, a jornalista esqueceu-se de fazer perguntas óbvias. Teve piada e ninguém lhe leva mal. Exceto o visado, que pode não ter apreciado a verve.
A Visão, em concorrência aberta com revistas de ‘social’, deve ufanar-se com a proeza, deixando o jornalismo sério embasbacado. É raro conseguir-se, ‘em exclusivo’, um testemunho tão pungente, feito na primeira pessoa, com «imensa repugnância e tristeza».
Como em 1900, a Paródia continua. Desafortunadamente, sem Bordalo…
Dinis de Abreu | 27/05/2016 09:14
SOL
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