Tudo tem um preço

Sou de São Vicente. Meus avós viviam em São Jorge. Pelo que, fiz a viagem pela estrada da Boaventura milhares de vezes, de Verão e de Inverno, primeiro pela estrada de baixo (a da rocha) e depois pela de cima (pelo caminho da antena). O meu trabalho também fazia com que tivesse que me deslocar ocasionalmente à Boaventura. Não tenho dúvida nenhuma de que é prioritário que se arranje uma solução (e está praticamente completa) para que as pessoas que trabalham fora da freguesia, assim como as dezenas de alunos que todos os dias se deslocam a São Vicente à escola Secundária, o façam em segurança. É sempre uma lotaria. Trata-se da vida das pessoas e isso não tem valor. 

A ansiedade dos pais que ficam em casa nos dias mais complicados à espera que os filhos regressem em segurança a casa. E isto é, sem dúvida prioritário. E pessoalmente, até me sinto mais seguro, em tempo de inverno, em seguir pela estrada da rocha. A escarpa está mais consolidada e muitas das pedras que caem, vão directamente para o mar.

Pela estrada da antena (a nova, por cima), a escarpa adjacente à estrada é mais “terrosa”, está menos consolidada e as pedras quando caem vêm todas para a estrada. Mas isto sou eu. Quanto ao anúncio, que é um eco provocado por outro anúncio com mais de dez anos, vem tarde. Mas.. e será que vem? Não me esqueço das tantas promessas que já falharam. Das obras que começavam duas semanas antes das eleições e que paravam dois dias depois das eleições. E as conversas no sítio “é desta que a estrada vai ser acabada”. Estou como São Tomé. Quero ver. Quero saber quando começam e quando acabam as obras. Quando será aberta à circulação. O que falta fazer. quanto custa o que falta fazer. Vão reactivar a britadeira da Fajã da Cinza, dentro da Ribeira e voltar a sujar a água do mar por mais 8 anos?  Existe alguma derrapagem possível nos valores apresentados? A Boaventura tem um plano preparado para aproveitar a estrada? A Ponta Delgada está preparada para perder pelo menos metade dos passantes (que agora passarão pelo túnel sem passar na Ponta Delgada)? 

Não é não acreditar. É desconfiar. Do meu lado a dar-me razão, tenho promessas não cumpridas com mais de dez anos com tentativas de enganar as pessoas do concelho pelo meio. Quanto à prioridade, prioridade maior que a preservação da vida humana, não deve haver, para quem nos governa. Este dinheiro apresentado, vem dos cofres da região. A União Europeia não financia estas obras. Para nós já não. Mas já nos esquecemos porquê. Também nos esquecemos que em média um açoreano recebe o dobro em reembolso de IRS porque nós estamos ainda sob as medidas do PAEF (Plano de Ajustamento Económico e Financeiro) que resultou do excesso de gastos, de dívidas ocultas, de processos imorais mas constata-se que legais (uma vez que ninguém foi preso). Plano esse que já acabou em Janeiro mas que mantem as medidas em vigor. A loucura da marina do Lugar de Baixo, a Lagoa do Santo, as derrapagens absurdas do Museu da Baleia no Caniçal são apenas alguns exemplos. E não gostava nada de voltar a trilhar esse caminho. Fica-nos mal como madeirenses deixar que isso volte a acontecer. Diminui-nos como gente inteligente. Ou não desinsuflámos ainda do brado oco do  “povo superior”?

Se a obra é realmente para avançar e, para que não haja esse risco de repetição, poderia e deveria ser nomeada uma comissão de acompanhamento, com nomeados de todos os partidos na Assembleia Regional, que fiscalizasse financeiramente a obra, que fizesse cumprir na íntegra o caderno de encargos. Que exigisse o cumprimento das normas ecológicas. Com atenção aos lugares de aterro. Com respeito pelas normas de segurança.

 A estrada é precisa mas não a troco pela alma, nem estou disposto a deixar a dívida para os meu bisnetos pagarem (porque os meus netos ainda vão estar a pagar a Marina do Lugar de Baixo).

Para quando o fim das medidas impostas pelo PAEF e que já não são obrigatórias e que nos tiraram o subsídio de insularidade, metade do reembolso do IRS, aumento dos impostos sobre tudo?

É que podemos estar a comprar mais uma dívida, trocada por mais uma promessa que não se cumprirá.

Nuno Drummond
Diário de Notícias da Madeira 
Sexta, 27 de Maio de 2016