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Da entrevista de Sempé ao relatório da OCDE sobre a infelicidade dos portugueses
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Da entrevista de Sempé ao relatório da OCDE sobre a infelicidade dos portugueses
Talvez seja tempo de voltarmos a questionar a qualidade da vida em função do tempo de que cada um dispõe para si e para os seus
1. Sempé, o conhecido cartoonista francês, concedeu recentemente uma entrevista em que se diz pesaroso pelos tempos que vivemos.
Falou de uma França de outro tempo, agradável e calorosa, que segundo ele já não existe.
Diz da vida que se tornou dura, pois só consiste em trabalhar e consumir, e tudo a grande velocidade.
Talvez esta abordagem mais humana e simples dos problemas da vida possa acrescentar algo às leituras estritamente jurídicas e económicas da questão das 35 horas de trabalho.
2. Vivo num país onde a maioria das pessoas para de trabalhar por volta das cinco da tarde, um país onde, depois dessa hora, faça chuva ou sol, elas procuram esplanadas para beber um copo e conversar um pouco com os amigos antes de regressarem a casa.
Neste país – a Holanda – não é bem visto, nem pelas entidades patronais, alguém continuar a trabalhar para além do horário normal, mesmo que o faça voluntária e gratuitamente.
O cuidado com a vida pessoal e familiar é cultivado como um bem social – e não visto como um egoísmo ou um pernicioso “direito adquirido” – e não consta, contudo, que a produtividade da economia holandesa seja inferior à nossa.
Aqui não se assiste também à marcação de reuniões para o fim da tarde, obrigando os quadros jovens a prolongarem, sádica e tantas vezes inutilmente, o seu dia de trabalho.
Nos parques, em qualquer dia da semana e mal o tempo o permite, veem-se pais e mães jovens – isso mesmo, pais e mães, e não apenas avós – a passear e a brincar com bebés.
Porventura residirá também nesta circunstância o facto de esta sociedade não ser afetada de forma grave pelo problema da redução da natalidade.
3. Talvez seja tempo de politicamente voltar a questionar a qualidade da vida, não apenas em função de conceitos como a produtividade e o consumo, mas também em função do tempo de que cada um dispõe para si e para os seus.
Existem, de facto, diversas abordagens económicas sobre o problema do tempo disponível: uma delas, a da importância da felicidade e segurança dos agentes económicos, designadamente dos que trabalham por conta de outrem ou por conta própria, nem sequer é despicienda para o problema da produtividade.
Quando hoje lemos num estudo da OCDE que os portugueses são dos povos mais infelizes, deveríamos ser chamados a refletir em que medida a sobre-ocupação do seu tempo para reunirem proventos suficientes para aguentarem sofrivelmente as famílias poderá constituir um dos fatores relevantes para tanta insatisfação.
A precariedade dos empregos, a acumulação de outras ocupações miseravelmente remuneradas para ir compensando salários que nem permitem aos casais jovens alugar uma casa decente, mesmo que barata, a permanência forçada dos filhos em casa dos pais – cada vez mais velhos e ansiosos quanto ao futuro deles; tudo isto e as mais injustiças que continuam a martirizar a nossa sociedade só poderia, na verdade, levar aos resultados do relatório da OCDE sobre a infelicidade dos portugueses.
É por isso que, mesmo que com todo o realismo e cuidado na concretização de programas que vão consolidadamente alterando, por pouco que seja, esta realidade, é necessário não prescindir também de uma dimensão utópica e humanista que projete futuro e ambição de uma vida boa.
A não ser que, como reza uma das últimas “Histórias Curtas” de Rubem Fonseca, tenhamos de concluir que só nos resta caridosamente impedir que os pobres melhorem a sua condição económica para que os ricos, para sobreviverem como tal, não se tornem ainda mais gananciosos e mesquinhos.
Jurista. Escreve à terça-feira
07/06/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
1. Sempé, o conhecido cartoonista francês, concedeu recentemente uma entrevista em que se diz pesaroso pelos tempos que vivemos.
Falou de uma França de outro tempo, agradável e calorosa, que segundo ele já não existe.
Diz da vida que se tornou dura, pois só consiste em trabalhar e consumir, e tudo a grande velocidade.
Talvez esta abordagem mais humana e simples dos problemas da vida possa acrescentar algo às leituras estritamente jurídicas e económicas da questão das 35 horas de trabalho.
2. Vivo num país onde a maioria das pessoas para de trabalhar por volta das cinco da tarde, um país onde, depois dessa hora, faça chuva ou sol, elas procuram esplanadas para beber um copo e conversar um pouco com os amigos antes de regressarem a casa.
Neste país – a Holanda – não é bem visto, nem pelas entidades patronais, alguém continuar a trabalhar para além do horário normal, mesmo que o faça voluntária e gratuitamente.
O cuidado com a vida pessoal e familiar é cultivado como um bem social – e não visto como um egoísmo ou um pernicioso “direito adquirido” – e não consta, contudo, que a produtividade da economia holandesa seja inferior à nossa.
Aqui não se assiste também à marcação de reuniões para o fim da tarde, obrigando os quadros jovens a prolongarem, sádica e tantas vezes inutilmente, o seu dia de trabalho.
Nos parques, em qualquer dia da semana e mal o tempo o permite, veem-se pais e mães jovens – isso mesmo, pais e mães, e não apenas avós – a passear e a brincar com bebés.
Porventura residirá também nesta circunstância o facto de esta sociedade não ser afetada de forma grave pelo problema da redução da natalidade.
3. Talvez seja tempo de politicamente voltar a questionar a qualidade da vida, não apenas em função de conceitos como a produtividade e o consumo, mas também em função do tempo de que cada um dispõe para si e para os seus.
Existem, de facto, diversas abordagens económicas sobre o problema do tempo disponível: uma delas, a da importância da felicidade e segurança dos agentes económicos, designadamente dos que trabalham por conta de outrem ou por conta própria, nem sequer é despicienda para o problema da produtividade.
Quando hoje lemos num estudo da OCDE que os portugueses são dos povos mais infelizes, deveríamos ser chamados a refletir em que medida a sobre-ocupação do seu tempo para reunirem proventos suficientes para aguentarem sofrivelmente as famílias poderá constituir um dos fatores relevantes para tanta insatisfação.
A precariedade dos empregos, a acumulação de outras ocupações miseravelmente remuneradas para ir compensando salários que nem permitem aos casais jovens alugar uma casa decente, mesmo que barata, a permanência forçada dos filhos em casa dos pais – cada vez mais velhos e ansiosos quanto ao futuro deles; tudo isto e as mais injustiças que continuam a martirizar a nossa sociedade só poderia, na verdade, levar aos resultados do relatório da OCDE sobre a infelicidade dos portugueses.
É por isso que, mesmo que com todo o realismo e cuidado na concretização de programas que vão consolidadamente alterando, por pouco que seja, esta realidade, é necessário não prescindir também de uma dimensão utópica e humanista que projete futuro e ambição de uma vida boa.
A não ser que, como reza uma das últimas “Histórias Curtas” de Rubem Fonseca, tenhamos de concluir que só nos resta caridosamente impedir que os pobres melhorem a sua condição económica para que os ricos, para sobreviverem como tal, não se tornem ainda mais gananciosos e mesquinhos.
Jurista. Escreve à terça-feira
07/06/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
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