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Mensagem por Admin Ter Jun 28, 2016 10:42 am

O que surpreende mais nisto tudo, por muito pânico, desinformação, demagogia e estupidez que possa ter guiado o voto, é: como podem 17 milhões de ingleses sentir-se representados pelo senhor Farage e pelo senhor Boris?

O que mais entristece no 'Brexit' é a sensação de ingratidão: estávamos nós, ternurentos, a pedir aos ingleses para permanecermos juntos, após 40 anos de razoável felicidade e eles, sem um pingo de compaixão, dizem que não gostam de nós. Claro que, qual amante traído e mais do que isso, desconsiderado, as nossas reacções não poderiam ser outras: perplexidade, ressabiamento e finalmente tristeza. A verdade é que em política e nas relações entre Estados não há lugar para tais sentimentalismos.

Mas que diabo, a União Europeia (UE) é daquelas aventuras nas relações internacionais que mais deve ao que de melhor a natureza humana pode gerar: fraternidade, altruísmo, diálogo. Tudo em nome de dois valores – paz e prosperidade. Só conheço outra gesta idêntica: a da transformação da Confederação americana numa Federação que deu lugar aos actuais EUA. Com os mesmos propósitos, aliás.

Suponho que, nesta altura, muitos ingleses a favor do 'Brexit' estarão já arrependidos do seu voto. Mas a verdade é que foi a geração de 'baby-boomers', os que nasceram em 40/50, que votou esmagadoramente a favor da saída. Os jovens, como defendem o cosmopolitismo, nunca poderiam alimentar um discurso contra a imigração e o fecho das fronteiras. E estão-se nas tintas para a burocracia de Bruxelas e os perigos do fim da soberania dos Estados. Querem é passear e trabalhar livremente pela Europa. Os mais velhos, designadamente os que assistiram ou têm memória da II Guerra Mundial também votaram pelo projecto que, mal ou bem, garantiu 60 anos de paz na Europa.

Sobram, e são muitos, aqueles que nasceram e cresceram no Estado social que a UE garantiu, sobretudo gente que está à beira da reforma. Esses vêem nos emigrantes uma ameaça às suas reformas. Não os vêem como ameaça ao trabalho porque precisam dos emigrantes. Quem em Inglaterra faz os trabalhos que os ingleses não querem? Os polacos. E quem faz os que os ingleses não sabem ou fazem pior? Os portugueses, claro.

E com isto querem afundar a Europa. Não o conseguirão, porque uma boa ideia não morre nunca. Mas o que não deixa de surpreender mais nisto tudo, por muito pânico, desinformação, demagogia e estupidez que possa ter guiado o voto, é o seguinte: como é possível 17 milhões de ingleses sentirem-se representados pelo senhor Farage e pelo senhor Boris? Isso já não é coisa do coração. É matéria da razão... ou da falta dela.

00:05 h
Ricardo Leite Pinto, Professor da Universidade Lusíada
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