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Mensagem por Admin Qui Ago 11, 2016 9:28 am

A sensação do momento é o jogo Pokémon Go, que instantaneamente dominou as atenções dos adolescentes de todas as idades. Muitos se fascinam com a rapidez da epidemia, outros assustam-se com os perigos da actividade, mas tem passado despercebido como esse divertimento constitui uma instrutiva parábola do tempo que vivemos. Pode dizer-se que, em certas dimensões, a nossa vida se está a transformar num grande jogo electrónico free-to-play.

Isso vê-se, antes de mais, na política. Antigamente tínhamos líderes nacionais que se preocupavam em orientar as grandes linhas estratégicas, lidando com os graves problemas do país. Agora existe uma multidão de pokémons em combates virtuais para ganhar poções e pokébolas. Isso vê-se no desvio subtil que acontece em qualquer debate mediático. A conversa começa normalmente com uma questão séria, défice, educação, pobreza, etc. Ao fim de pouco tempo, porém, o tema desvia-se para uma fútil atribuição de culpas, onde cada lado procura não encontrar soluções, mas provar que o adversário ainda é pior do que ele. No final o país fica na mesma, mas há grandes celebrações, com vencedores e vencidos num mundo perfeitamente virtual.

Na economia acontece fenómeno paralelo. Há décadas as empresas contratavam trabalhadores para desenvolverem a sua actividade. Agora andam numa caça a pokémons, colecionando estagiários, contratos a prazo e outras formas precárias de relação, que rodam com a velocidade do jogo. Os locais de trabalho deixaram de ser comunidades, unidas num projecto comum, para ficarem pokéstops, onde algumas pessoas se encontram momentaneamente por interesse ocasional.

Até nas famílias o paralelo com o jogo é evidente. Antes, as pessoas casavam-se para formar uma união indissolúvel que definia a existência e justificava tudo o resto. Agora a cultura recomenda para vida pessoal uma eterna caça a pokémons, com relações efémeras, casuais e contingentes, onde a carreira conta mais que o amor. Nas uniões de facto, casamentos descartáveis ou promiscuidade fútil, o valor está na variedade das experiências e espécies exóticas coleccionadas. Quando em Fevereiro de 2014 a omnipotente rede social Facebook substituiu os dois sexos por algo mais sofisticado, criou uma lista de "géneros" que, na última contagem, ultrapassava as 70 variedades, próximo do número de espécies pokémons no jogo.

Mais relevante é que a razão por que estas evoluções acontecem na sociedade é precisamente a mesma que suporta o jogo: a realidade aumentada. Em todos os casos é o esforço de ultrapassar os limites da existência que gera as transformações.

Os problemas políticos são muitos, graves, exigentes e controversos. Respostas só se conseguem com muito trabalho, inteligência e negociação. Mas as promessas eleitorais criam uma realidade paralela onde as coisas se resolvem facilmente. O resultado disso tem de ser que o sucesso político passa a ser medido não por melhorias sociais, mas por vitórias retóricas em combates de tribunos.

A actividade empresarial é incerta, turbulenta e agressiva, cheia de embates comerciais, novidades tecnológicas e choques económicos. Isso gera terrível instabilidade para trabalhadores e empresários. Até que os políticos criaram uma realidade aumentada onde, através de leis laborais e subsídios sectoriais, se elimina a precariedade. Claro que, como o mundo continua a ser o que sempre foi, o resultado só pode ser a eliminação virtual, para os jovens, dos empregos seguros, criando uma situação ainda mais volátil do que a anterior.

A família tradicional, alegadamente hierárquica, tacanha e patriarcal, estava cheia de tabus, regras e limitações. A libertação de costumes prometia uma realidade aumentada onde a vida em comum não exigiria sacrifícios, compromissos e sofrimentos. Só que, como esses são ingredientes indispensáveis do amor, caiu-se numa futilidade sem sentido, onde o alvoroço tenta esconder a solidão.

O problema básico é que, tal como nos reality shows, a realidade aumentada é realmente uma ficção. No Pokémon Go as pessoas podem andar pelas ruas a jogar, mas realmente tudo se passa dentro do telemóvel, sem que a cidade tenha qualquer impacto na acção. Centrando a atenção no mundo virtual, o jogo danifica a única coisa que realmente existe, a realidade. O pior não é as pessoas atropeladas ou caídas em buracos por andarem grudadas nos animalejos. O maior prejuízo é o vazio de uma vida gasta em futilidades, passando ao lado do que realmente interessa porque, apesar de todos os seus defeitos, existe mesmo.

11 DE AGOSTO DE 2016
00:02
João César das Neves
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