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A realidade é de direita
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A realidade é de direita
Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade.
Que a realidade é de direita não sou eu que o digo, mas o Alexis Tsipras da era pós-acordo: “Quem tiver uma solução alternativa que avance e diga qual é”, declarou ele numa reunião do grupo parlamentar do Syriza.
Embora seja impressionante e inesperado ver Tsipras rendido ao TINA (There Is No Alternative), a verdade é que só lhe fica bem admitir o óbvio, que é um óbvio que já era óbvio há muitos milénios, e que só deixou de ser óbvio nos últimos anos porque há gente que adora enganar-se a si própria e aos outros: quanto mais endividado estás, menos liberdade tens. E por muito convencido que estejas que a forma como te querem obrigar a pagar as dívidas te prejudica tanto a ti como ao teu credor, isso interessa muito pouco em termos negociais. Os teus argumentos até podem ser óptimos e Paul Krugman estar cheiinho de razão. Só que não tens dinheiro. Não tens poder de decisão. E, portanto, és obrigado a fazer o que te mandam.
É por isso que eu sempre gostei da expressão “protectorado” usada por Paulo Portas para designar o Portugal intervencionado. Muita gente acusava-o de falta de patriotismo, mas a mim sempre me pareceu uma formulação exacta e a mensagem certa a passar ao eleitorado: os países que necessitam de resgates para serem salvos da bancarrota são, de facto, protectorados, que ficam imensamente limitados na sua liberdade de acção, na execução das suas políticas e, em última análise, no exercício da própria democracia. Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade, só possível de entender para quem confundiu a União Europeia com um jardim de infância, onde os mais pequeninos, ou os mais irresponsáveis, ou os mais irrequietos, poderiam fazer o que quisessem porque a mamã Alemanha estaria lá para pagar a conta.
Dizer que a realidade é de direita em 2015 não é o mesmo que dizer que ela é sempre de direita, ou que ela seja de direita em todos os lados do planeta. Mais: a realidade só é de direita na Europa dos nossos dias porque ela foi de esquerda durante todas as décadas da construção do Estado Social e do extraordinário progresso pós-guerra. Mas a partir do momento em que o Estado adquire uma dimensão incomportável e os cidadãos começam a manifestar-se contra o esbulho fiscal, como acontece tanto em Portugal como na Grécia, a realidade passa a ser de direita, na medida em que não há uma alternativa consequente às políticas de austeridade e à diminuição do papel do Estado nas nossas vidas. É a matemática, estúpido. A política tem um poder extraordinário, e eu próprio tenho estado ao lado da Grécia contra aqueles que querem reduzir o projecto europeu à sua dimensão estritamente económica, mas a política não tem o poder de fazer com que 2 + 2 sejam 5.
Tenho imensa pena que a política não seja construída a partir desta premissa, e se perca tanto tempo a tentar derrubar à cabeçada o muro da realidade. Se os partidos de esquerda gregos, portugueses ou espanhóis canalizassem para a reforma dos seus países a energia que gastam a protestar contra decisões europeias que não têm forma de controlar, estou certo que todos estaríamos muito melhores. Agora que Tsipras percebeu isso, esperemos que as esquerdas portuguesa e espanhola também o percebam. Não é possível permanecer no euro sem reformas profundas. E a postura de revolucionários do statu quo é um absurdo: antes de reformarmos a Europa e o mundo, comecemos por nos reformar a nós próprios.
Jornalista, jmtavares@outlook.com
JOÃO MIGUEL TAVARES
21/07/2015 - 01:01
Público
Que a realidade é de direita não sou eu que o digo, mas o Alexis Tsipras da era pós-acordo: “Quem tiver uma solução alternativa que avance e diga qual é”, declarou ele numa reunião do grupo parlamentar do Syriza.
Embora seja impressionante e inesperado ver Tsipras rendido ao TINA (There Is No Alternative), a verdade é que só lhe fica bem admitir o óbvio, que é um óbvio que já era óbvio há muitos milénios, e que só deixou de ser óbvio nos últimos anos porque há gente que adora enganar-se a si própria e aos outros: quanto mais endividado estás, menos liberdade tens. E por muito convencido que estejas que a forma como te querem obrigar a pagar as dívidas te prejudica tanto a ti como ao teu credor, isso interessa muito pouco em termos negociais. Os teus argumentos até podem ser óptimos e Paul Krugman estar cheiinho de razão. Só que não tens dinheiro. Não tens poder de decisão. E, portanto, és obrigado a fazer o que te mandam.
É por isso que eu sempre gostei da expressão “protectorado” usada por Paulo Portas para designar o Portugal intervencionado. Muita gente acusava-o de falta de patriotismo, mas a mim sempre me pareceu uma formulação exacta e a mensagem certa a passar ao eleitorado: os países que necessitam de resgates para serem salvos da bancarrota são, de facto, protectorados, que ficam imensamente limitados na sua liberdade de acção, na execução das suas políticas e, em última análise, no exercício da própria democracia. Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade, só possível de entender para quem confundiu a União Europeia com um jardim de infância, onde os mais pequeninos, ou os mais irresponsáveis, ou os mais irrequietos, poderiam fazer o que quisessem porque a mamã Alemanha estaria lá para pagar a conta.
Dizer que a realidade é de direita em 2015 não é o mesmo que dizer que ela é sempre de direita, ou que ela seja de direita em todos os lados do planeta. Mais: a realidade só é de direita na Europa dos nossos dias porque ela foi de esquerda durante todas as décadas da construção do Estado Social e do extraordinário progresso pós-guerra. Mas a partir do momento em que o Estado adquire uma dimensão incomportável e os cidadãos começam a manifestar-se contra o esbulho fiscal, como acontece tanto em Portugal como na Grécia, a realidade passa a ser de direita, na medida em que não há uma alternativa consequente às políticas de austeridade e à diminuição do papel do Estado nas nossas vidas. É a matemática, estúpido. A política tem um poder extraordinário, e eu próprio tenho estado ao lado da Grécia contra aqueles que querem reduzir o projecto europeu à sua dimensão estritamente económica, mas a política não tem o poder de fazer com que 2 + 2 sejam 5.
Tenho imensa pena que a política não seja construída a partir desta premissa, e se perca tanto tempo a tentar derrubar à cabeçada o muro da realidade. Se os partidos de esquerda gregos, portugueses ou espanhóis canalizassem para a reforma dos seus países a energia que gastam a protestar contra decisões europeias que não têm forma de controlar, estou certo que todos estaríamos muito melhores. Agora que Tsipras percebeu isso, esperemos que as esquerdas portuguesa e espanhola também o percebam. Não é possível permanecer no euro sem reformas profundas. E a postura de revolucionários do statu quo é um absurdo: antes de reformarmos a Europa e o mundo, comecemos por nos reformar a nós próprios.
Jornalista, jmtavares@outlook.com
JOÃO MIGUEL TAVARES
21/07/2015 - 01:01
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