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Somos todos emigrantes
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Somos todos emigrantes
Num belo dia de domingo tudo corre habitualmente. Tudo? Não. Já não há essa coisa de habitualmente. Nos dias que hoje correm, tudo é mudança. E essa mudança é uma constante maior que os devires da filosofia grega. Hoje é tudo diferente todos os dias. E a grande novidade é que, agora, para tudo mudar, não é preciso sair do lugar.
O doutor António Salazar, para quem, durante os seus anos de poder, o grande desígnio nacional era viver habitualmente, se agora fosse vivo com certeza ia desejar morrer. Ou desaparecer para sempre.
E o que muda? Fundamentalmente a noção de espaço vital, não no sentido concebido por Friedrich Ratzel, onde toda a sociedade, num determinado grau de desenvolvimento, devia conquistar territórios onde as pessoas eram menos desenvolvidas; mas sim, num novo sentido, contemporâneo e digital, onde a sociedade mais desenvolvida vai despir os territórios de nacionalidades sociais. A colmeia é universal.
A nova emigração é o melhor paradigma disto mesmo. Emigrar é uma coisa que agora se faz temporariamente. É uma condição de que se regressa. É mais suave e ao mesmo tempo, paradoxalmente, um estado permanente. Um novo devir, se quisermos voltar à Grécia da filosofia.
O Mundo ficou tão pequeno que as saudades estão a perder razão de ser. Lá se vai metade do património nacional, enxaguado pelas águas rápidas da globalização.
Se a tese carece de experimentação posso entregar à pipeta e ao bico e Bunsen os meus amigos que não vivem em Portugal. Não é "estar fora" que faz deles emigrantes. Porque se é certo que eles estão longe, nunca estive deles mais perto. Tech. Skype, WhatsApp, FaceTime. Post, chat, like, share. Snap. Lá é aqui. E já.
Sei mais da vida da Ana Machado que agora vive em Copenhaga do que quando vivia no Porto. Sei mais da Sophia agora que mora em São Paulo do que quando vivia na minha casa. Falo ainda mais com a Andreia que hoje trabalha nas Canárias do que quando morávamos na mesma terra. E estreitamos laços, vivemos amizades incríveis que são cheias e belas, mais cheias e belas do que quando respirávamos o ar da mesma cidade.
E os nossos filhos? A geração que vem depois de nós desencarnou totalmente a necessidade da proximidade física. Por isso, talvez para eles, este texto apenas faça sentido para explicar uma certa ideologia, nostálgica e fossilizada, com que os "cotas" tentam explicar coisas que não se percebem.
Ora leia. O Lüve é o melhor amigo do meu filho. Nunca se encontraram porque ele vive na Suécia. Mas se nunca brincaram juntos no parque infantil como é que são os melhores amigos? Perguntei. Mas que dizia eu! Claro que brincaram. Só que o parque deles era numa sala de espera, na antecâmara do nível IV, de um qualquer jogo de PlayStation. Neste verão ele perguntou-me se um amigo o podia visitar. Claro que sim, respondi. Quem é? Chega de comboio às 4 horas, podes ir buscá-lo? E fui. Lá chegou ele, com dois irmãos e a mãe. Depois perguntei-lhe como era ter um amigo à distância. Ele encolheu os ombros sem perceber. O encontro deles não foi sequer o momento mais intenso da relação.
A Zuzanna Kukurenda é aprendiz de fisioterapeuta, nasceu na Polónia e a seguir vai para a Finlândia. Entretanto, está a fazer o estágio na clínica Reequilibra e é estudante na universidade. Não pertence a lugar nenhum. Pertence aos amigos, ao prazer e a um novo estilo de vida.
O Jorge é um português que nasceu e vive em França, em Charleville-Mézières, na terra do champanhe e de Arthur Rimbaud. Está de visita à terra dos pais, naturais de Amarante. É casado com uma francesa e tem duas filhas gémeas, belas como anjos clássicos. Já não fala português. As suas meninas têm nomes de personagens da literatura europeia. À mais traquina, Bérénice, homónima das tragédias de Racine e dos contos de Edgar Allan Poe, espera-a um mundo de literatura universal sem nenhuma das tradicionais fronteiras do passado.
Sairá a amizade fortalecida num contexto onde a ideia de família, território e relação mudam para sempre? Será o ser humano capaz de decidir a seu favor os desafios que agora se colocam?
A nova colmeia da civilização não tem limites. Nem conhece fronteiras. Somos todos emigrantes.
* ESPECIALISTA EM MEDIA INTELLIGENCE
José Manuel Diogo*
Hoje às 00:02
Diário de Notícias
O doutor António Salazar, para quem, durante os seus anos de poder, o grande desígnio nacional era viver habitualmente, se agora fosse vivo com certeza ia desejar morrer. Ou desaparecer para sempre.
E o que muda? Fundamentalmente a noção de espaço vital, não no sentido concebido por Friedrich Ratzel, onde toda a sociedade, num determinado grau de desenvolvimento, devia conquistar territórios onde as pessoas eram menos desenvolvidas; mas sim, num novo sentido, contemporâneo e digital, onde a sociedade mais desenvolvida vai despir os territórios de nacionalidades sociais. A colmeia é universal.
A nova emigração é o melhor paradigma disto mesmo. Emigrar é uma coisa que agora se faz temporariamente. É uma condição de que se regressa. É mais suave e ao mesmo tempo, paradoxalmente, um estado permanente. Um novo devir, se quisermos voltar à Grécia da filosofia.
O Mundo ficou tão pequeno que as saudades estão a perder razão de ser. Lá se vai metade do património nacional, enxaguado pelas águas rápidas da globalização.
Se a tese carece de experimentação posso entregar à pipeta e ao bico e Bunsen os meus amigos que não vivem em Portugal. Não é "estar fora" que faz deles emigrantes. Porque se é certo que eles estão longe, nunca estive deles mais perto. Tech. Skype, WhatsApp, FaceTime. Post, chat, like, share. Snap. Lá é aqui. E já.
Sei mais da vida da Ana Machado que agora vive em Copenhaga do que quando vivia no Porto. Sei mais da Sophia agora que mora em São Paulo do que quando vivia na minha casa. Falo ainda mais com a Andreia que hoje trabalha nas Canárias do que quando morávamos na mesma terra. E estreitamos laços, vivemos amizades incríveis que são cheias e belas, mais cheias e belas do que quando respirávamos o ar da mesma cidade.
E os nossos filhos? A geração que vem depois de nós desencarnou totalmente a necessidade da proximidade física. Por isso, talvez para eles, este texto apenas faça sentido para explicar uma certa ideologia, nostálgica e fossilizada, com que os "cotas" tentam explicar coisas que não se percebem.
Ora leia. O Lüve é o melhor amigo do meu filho. Nunca se encontraram porque ele vive na Suécia. Mas se nunca brincaram juntos no parque infantil como é que são os melhores amigos? Perguntei. Mas que dizia eu! Claro que brincaram. Só que o parque deles era numa sala de espera, na antecâmara do nível IV, de um qualquer jogo de PlayStation. Neste verão ele perguntou-me se um amigo o podia visitar. Claro que sim, respondi. Quem é? Chega de comboio às 4 horas, podes ir buscá-lo? E fui. Lá chegou ele, com dois irmãos e a mãe. Depois perguntei-lhe como era ter um amigo à distância. Ele encolheu os ombros sem perceber. O encontro deles não foi sequer o momento mais intenso da relação.
A Zuzanna Kukurenda é aprendiz de fisioterapeuta, nasceu na Polónia e a seguir vai para a Finlândia. Entretanto, está a fazer o estágio na clínica Reequilibra e é estudante na universidade. Não pertence a lugar nenhum. Pertence aos amigos, ao prazer e a um novo estilo de vida.
O Jorge é um português que nasceu e vive em França, em Charleville-Mézières, na terra do champanhe e de Arthur Rimbaud. Está de visita à terra dos pais, naturais de Amarante. É casado com uma francesa e tem duas filhas gémeas, belas como anjos clássicos. Já não fala português. As suas meninas têm nomes de personagens da literatura europeia. À mais traquina, Bérénice, homónima das tragédias de Racine e dos contos de Edgar Allan Poe, espera-a um mundo de literatura universal sem nenhuma das tradicionais fronteiras do passado.
Sairá a amizade fortalecida num contexto onde a ideia de família, território e relação mudam para sempre? Será o ser humano capaz de decidir a seu favor os desafios que agora se colocam?
A nova colmeia da civilização não tem limites. Nem conhece fronteiras. Somos todos emigrantes.
* ESPECIALISTA EM MEDIA INTELLIGENCE
José Manuel Diogo*
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