Não temos

Aconteceu-me duas vezes no mesmo dia, o que pressupõe a existência de um padrão: deslocar-me a determinado estabelecimento comercial para adquirir um produto específico desse estabelecimento comercial e não haver. A primeira vez que me vi confrontado com esta singularidade do capitalismo lusitano tive de conter a indignação. Da segunda vez, senti-me um pouco culpado. Primeiro caso: esplanada de café manhoso. Pedi uma lambreta (que é como os portugueses do Sul chamam a 15 cl de cerveja gelada), inspirado pela imagem sexy publicitada na montra. A zelosa empregada voltou dois minutos depois para comunicar com uma desconcertante normalidade: "Não temos lambreta. Só em garrafa, pode ser?" Pode. Pode? Segunda situação: café-bar modernaço. "Boa noite, queria um waffle com chocolate". Não o disse, mas queria um exatamente igual ao do painel gigante junto à entrada. "Waffle não temos. Pode ser crepe?" Mas como não têm? "Não temos massa de waffle", condescendeu o flamejante funcionário. Se faltasse azeite em vez de massa, o penteado às postas e as tatuagens até à maçã de Adão do vendedor de crepes tinham resolvido a questão. Nesse mesmo dia, entrei numa pizaria e pedi dois boiões de creme esfoliante para o rosto. "Desculpe, mas não temos". Virei costas, ar triunfante de bandido, e fui a assobiar o genérico da série "Verão azul" até ao carro.

JORNALISTA

Pedro Ivo Carvalho
Hoje às 00:00
Jornal de Notícias