Sinais de vida

Até sábado, o público de Lisboa poderá assistir à apresentação da Integral das Sinfonias de Beethoven, no Terreiro do Paço. Anteontem, o DN entrevistou, em trabalho assinado por Marina Almeida, o maestro Pedro Amaral. À frente da Orquestra Metropolitana de Lisboa, ele será o rosto mais visível desta proeza. Algo de semelhante ocorreu em Lisboa no distante ano de 1973, mas só o público era português: o maestro russo Yuri Ahronovitch dirigiu então a Royal Philharmonic Orchestra. Tive o privilégio de assistir ao trabalho de Pedro Amaral e de todos os artistas envolvidos na primeira apresentação da Integral, em Setúbal, há duas semanas, no encerramento das Comemorações Bocagianas, por iniciativa do município sadino. Trata-se de uma experiência estética inolvidável, essa de habitar durante quatro dias, numa intensa proximidade, com os tesouros do maior génio musical de sempre. Por outro lado, tem sido dado um justo relevo ao colossal e inédito projeto de Frederico Lourenço: traduzir a Bíblia grega. Parece uma desmesura, impossível de ser atingida por um homem só. Mas Frederico Lourenço já colocou à disposição dos leitores de língua portuguesa o código genético da alma ocidental, a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Os livros que permitiriam a Alexandre, o Grande, Camões ou Joyce sentirem-se contemporâneos. A Integral de Beethoven e a tradução da Bíblia são sinais vitais do melhor que acontece no país, numa altura em que damos demasiada atenção aos sinais de entropia e vileza. Pedro Amaral e Frederico Lourenço são embaixadores, intérpretes e exemplos corajosos da mensagem da alta cultura: a única coisa que pode justificar a existência da humanidade é a busca do que transcende a mera bestialidade. Quando o crivo da história varrer as escórias, os seus nomes ficarão entre os que melhor honraram Portugal em tempos difíceis.

30 DE SETEMBRO DE 2016
00:01
Viriato Soromenho-Marques
Diário de Notícias