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O dever de contemplação
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O dever de contemplação
“Para se ser conservador é necessário ou ter medo da perda ou ter perdido o medo de parecer de outro mundo, de ser desadaptado, de estar fora de moda”.
Levou algum tempo a explicar ao dr. Paulo que o velho Doutor Homem, meu pai, não era um liberal – e o equívoco não tinha apenas a ver com a guerra civil do século XIX, mas sobretudo com uma cuidadosa disposição do meu progenitor para o desejo de conservar a memória das coisas amadas, para ver uma certa ordem na paisagem e para duvidar de quase todas as grandes euforias – quer as ‘do mercado’, quer as do Estado, quer a dos indivíduos isoladamente.
Quando penso na atitude de ‘ser conservador’, fica-me na memória a imagem do meu avô, administrador de quintas do Douro, sentado ao lado de Guerra Junqueiro num muro da sua Quinta da Batoca, no vale de Barca d’Alva, refúgio do antigo ateu e republicano. Era final de Verão e ali estavam duas almas completamente diferentes, fatigadas pelo calor da tarde, contemplando o entardecer nas encostas de Espanha, suspirando por uma ordem no mundo, unidas pelas várias perdas coleccionadas ao longo da vida. O primeiro dever de um conservador é o da contemplação: contemplar as coisas que existem, a ordem das coisas que permanecem, a perda do que desapareceu. Para se ser conservador é necessário ou ter medo da perda ou ter perdido o medo de parecer de outro mundo, de ser desadaptado, de estar fora de moda, de ter crenças que os outros acham absurdas, de não querer estar na dianteira dos que procuram a excitação das novidades. O Tio Alberto, o mais viajado dos Homem, costumava citar (naturalmente, às escondidas da Tia Benedita) um dos seus autores de eleição, Oscar Wilde, que lembrava que ser moderno era o primeiro passo para passar de moda.
No fundo, reconheço, os Homem tiveram sorte: tonificados pela derrota (um bálsamo para a sua tentação permanente para a petulância – em 1820, 1834, 1910, 1926, 1974), dedicaram-se à família, aos negócios, à vida académica, à época balnear e a um ligeiro hedonismo que, a espaços, lhes alegrava a vida durante os almoços de domingo.
No restante, fomos condenados a estar fora do tempo. Nem mesmo o nosso miguelismo é actual. É desses tempos. Só uma grande falta de sentido de oportunidade nos levou a manter o retrato do Senhor D. Miguel até hoje, sob o olhar divertido, respeitoso, irreverente, comovido e derrotado de várias gerações de Homem, inclusive da minha sobrinha, a eleitora esquerdista da família.
Por António Sousa Homem|00:30
Correio da Manhã
Levou algum tempo a explicar ao dr. Paulo que o velho Doutor Homem, meu pai, não era um liberal – e o equívoco não tinha apenas a ver com a guerra civil do século XIX, mas sobretudo com uma cuidadosa disposição do meu progenitor para o desejo de conservar a memória das coisas amadas, para ver uma certa ordem na paisagem e para duvidar de quase todas as grandes euforias – quer as ‘do mercado’, quer as do Estado, quer a dos indivíduos isoladamente.
Quando penso na atitude de ‘ser conservador’, fica-me na memória a imagem do meu avô, administrador de quintas do Douro, sentado ao lado de Guerra Junqueiro num muro da sua Quinta da Batoca, no vale de Barca d’Alva, refúgio do antigo ateu e republicano. Era final de Verão e ali estavam duas almas completamente diferentes, fatigadas pelo calor da tarde, contemplando o entardecer nas encostas de Espanha, suspirando por uma ordem no mundo, unidas pelas várias perdas coleccionadas ao longo da vida. O primeiro dever de um conservador é o da contemplação: contemplar as coisas que existem, a ordem das coisas que permanecem, a perda do que desapareceu. Para se ser conservador é necessário ou ter medo da perda ou ter perdido o medo de parecer de outro mundo, de ser desadaptado, de estar fora de moda, de ter crenças que os outros acham absurdas, de não querer estar na dianteira dos que procuram a excitação das novidades. O Tio Alberto, o mais viajado dos Homem, costumava citar (naturalmente, às escondidas da Tia Benedita) um dos seus autores de eleição, Oscar Wilde, que lembrava que ser moderno era o primeiro passo para passar de moda.
No fundo, reconheço, os Homem tiveram sorte: tonificados pela derrota (um bálsamo para a sua tentação permanente para a petulância – em 1820, 1834, 1910, 1926, 1974), dedicaram-se à família, aos negócios, à vida académica, à época balnear e a um ligeiro hedonismo que, a espaços, lhes alegrava a vida durante os almoços de domingo.
No restante, fomos condenados a estar fora do tempo. Nem mesmo o nosso miguelismo é actual. É desses tempos. Só uma grande falta de sentido de oportunidade nos levou a manter o retrato do Senhor D. Miguel até hoje, sob o olhar divertido, respeitoso, irreverente, comovido e derrotado de várias gerações de Homem, inclusive da minha sobrinha, a eleitora esquerdista da família.
Por António Sousa Homem|00:30
Correio da Manhã
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