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Uma política de remendos

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Mensagem por Admin Qua Out 19, 2016 10:28 am

Em 1968, Samuel Huntington publica um livro, que ficou clássico, intitulado Political Order in Changing Societies, no qual autonomizou o fenómeno político, independente, como sintetiza o seu discípulo Fukuyama, "de outras dimensões da modernização", numa época em que o fim do Império Euromundista, e a Carta da ONU, firmavam a convicção de a democracia ocidental ser o modelo que poderíamos chamar do fim da história. Não foi seguramente por estes textos serem transformados em evangelhos que a palavra foi substituída por um acumular de erros, em que se distinguem de exemplo o Iraque e a Síria, que avultam na política de remendos com que os ocidentais tentam remediar os inesperados consequencialismos. Uma das evidências é que, com frequência acelerada, o consequencialismo é a regra que substitui os princípios legais e éticos da estrutura normativa internacional, a violação das normas é um abuso justificado pelos resultados úteis em função do projeto. Quando os resultados não se perfilam com essa generosidade, a política dos remendos entra em ação. Um dos primeiros recursos traduz-se em mobilizar as técnicas de comunicação, de modo a cobrir de aparência aceitável o processo da responsabilidade, criando uma crónica que embaraça a tentativa de reorganizar a história. O caso do Iraque está, por exemplo, a transformar-se num caso de estudo, que tende para uma espécie de quadratura do círculo. Isto porque se "os países não estão aprisionados pelo seu passado" é todavia difícil tornar coerente a tarefa de participar na construção de novas nações dispensando a própria experiência, como os EUA procuraram em vão no Afeganistão, na Somália, no Haiti, na Serra Leoa, na Libéria, procurando implantar modelos ocidentais sem cuidar de os aferir pelas histórias locais nem avaliar da credibilidade afetada pelas intervenções baseadas em erros continuados e denunciados pelos resultados. Talvez a evidente incapacidade até agora demonstrada no sentido de racionalizar a ordem internacional, obrigando a uma política de remendos para cada uma das ruturas múltiplas que até aqui semeiam a história real das organizações supranacionais, tenha chegado a um ponto crítico de tal ameaça que se justifica o grito desesperado que proclamou "ser tarde para o homem e cedo para Deus". Mas que não justifica a quebra de confiança na capacidade de reorganizar o percurso que não obedeceu a nenhum saber de caminho único, foi antes tributo da incapacidade de respeitar valores acumulados pelo património comum da humanidade, se compararmos a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948,com a teoria de abusos que estão em curso, dando origem ao que Charles Derber chamou "a maioria deserdada", e mais expressiva se não excluirmos, na comparação, a Declaração Universal dos Deveres Humanos de 1 de setembro de 1997, proclamada pelo Inter Action Council, e nunca subscrita. A primeira das organizações responsável pelos valores em causa é a ONU, Carta escrita e assinada para "preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes durante uma vida infligiu à humanidade sofrimentos indizíveis", incluindo agora a "guerra por toda a parte", as carências alimentares, a conflitualidade religiosa, o facto de os pobres morrerem mais cedo, e a crescente lista de Estados falhados. Estamos a viver uma data em que, visto e sabido tal avolumar de desvios, a ONU dá mostras de se aproximar do mundo real e libertada da proeminência dos interesses das potências que, na data da fundação, julgaram ter ganho a última guerra de 1939-1945, e apenas não a tinham perdido. Agora, numa data em que a multiplicação das espécies de engenhos da violência permitem o triunfo do fraco contra o forte; a impossibilidade de uma política militar americana de "mortes zero", querendo referir a imunidade dos seus; quando uma pequena potência, como a Coreia do Norte, consegue dispor de um poder atómico muito superior ao que foi usado, com terror mundial, para fazer ajoelhar o Japão: estamos talvez na última hora de evitar que "seja tarde para o homem e cedo para Deus". E não se trata tanto de começar pela reforma da ONU, que é apenas uma necessidade instrumental. Trata--se de conseguir que o primeiro sintoma de transparência das decisões, e que foi a eleição do novo secretário-geral, seja a primeira pedra de um novo caminho a seguir, para evitar o desastre. Trata--se enfim da autenticidade da fidelidade aos princípios, sem lugar para a política de remendos. Não é possível deixar passar em claro que a União Europeia, que tenta manter, com escasso êxito, o antigo título de Luz do Mundo, seja, sem a natureza de Estado e por isso devendo estar empenhada em renovar o conceito dessa invenção política, a primeira a dar sinal de que não consegue ao menos evitar ter de recorrer a uma tradicional "política" de remendos, quando a ONU dá o primeiro sintoma de querer adotar a transparência como nova forma de agir no mundo. Foi tão esperançoso e histórico, o modelo de eleição do novo secretário-geral da ONU, que ficará na história uma sombra dispensável com o apagar mais uma vela da Europa chamada Luz do Mundo. De uma vez, para salvar a paz, e chamar-lhe desenvolvimento sustentado, é necessário que a União reflita sobre o que é, no mundo em mudança, a necessidade de reinventar o Estado, e a responsabilidade de o dirigir. A substituição do modelo a que chegamos de "um mundo de desigualdades", não diz respeito apenas a questões económicas. Na data em que celebramos a Utopia e o santo autor Thomas Morus, não é oportuno manchar a celebração com velhas conceções de uma diplomacia que pode mudar mesmo sem encontrar a ilha.

19 DE OUTUBRO DE 2016
00:00
Adriano Moreira
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