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A verdade a que temos direito
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A verdade a que temos direito
Mesmo na semana que antecedeu as eleições regionais dos Açores, sou capaz de apostar que as eleições norte-americanas tiveram mais espaço mediático que as dos nossos congéneres insulares. Há boas razões para esta obsessão, já que, mais do que em outras ocasiões, existe a possibilidade de o Mundo mudar a partir de 8 de novembro.
A ameaça Trump é a justificável razão para este temor, mas é importante assinalar que ela vem acompanhada de uma série de sinais sobre a nossa vida em sociedade e sobre a forma como vivemos a política que, tomando os EUA como vanguarda mundial, são de molde a serem encarados como ameaças à democracia.
É evidente que o fenómeno do promotor imobiliário tem raízes na história recente do Partido Republicano e que nós europeus também tivemos o nosso Berlusconi, não por acaso também ele promotor imobiliário, homem dos media e mulherengo. Mas Trump, com o seu modo de ser superlativo, torna bem visíveis fenómenos que ultrapassam o contexto das eleições norte-americanas.
Um dos mais perturbantes é a ideia de que vivemos a era da política "pós-verdade", em que os políticos já não precisam de ter qualquer ligação à realidade, desde que digam o que as pessoas acham que é certo. Não é só que Trump minta (muitos políticos o fazem), mas que mostre um absoluto desprezo pela verdade. Os exemplos são imensos, mas basta perceber que a sua popularidade entre os republicanos foi alimentada pela defesa que fez de que Obama não tinha nascido nos EUA (mesmo depois dele exibir a sua certidão de nascimento) ou que a sua principal promessa de campanha, a de construir um muro para evitar a "invasão" de imigrantes, é feita quando não existe nenhum fluxo de migração anormal e o atual presidente foi dos que mais repatriaram imigrantes ilegais.
Isso acontece essencialmente por duas razões: a falta de confiança nos políticos e nas elites e a forma como muitos de nós passaram a receber informação, por outras palavras: redes sociais. A queda de importância dos mediadores (nomeadamente os jornalistas) gerou um mundo em que a procura da verdade foi substituída pelo consumo de "informações" que ajudam a sustentar aquilo em que acreditamos ou sentimos. Se bater certo, OK, se não bater é porque deve ser mentira. Veja-se o caso da negação das alterações climáticas.
Já sabíamos que estes tempos de crise nos deram algumas certezas infelizes, como a de que os nossos filhos dificilmente serão mais ricos do que nós. Não precisamos é de pôr em cima disso a ideia de que serão também mais estúpidos do que nós.
SUBDIRETOR
David Pontes
Hoje às 00:04
Jornal de Notícias
A ameaça Trump é a justificável razão para este temor, mas é importante assinalar que ela vem acompanhada de uma série de sinais sobre a nossa vida em sociedade e sobre a forma como vivemos a política que, tomando os EUA como vanguarda mundial, são de molde a serem encarados como ameaças à democracia.
É evidente que o fenómeno do promotor imobiliário tem raízes na história recente do Partido Republicano e que nós europeus também tivemos o nosso Berlusconi, não por acaso também ele promotor imobiliário, homem dos media e mulherengo. Mas Trump, com o seu modo de ser superlativo, torna bem visíveis fenómenos que ultrapassam o contexto das eleições norte-americanas.
Um dos mais perturbantes é a ideia de que vivemos a era da política "pós-verdade", em que os políticos já não precisam de ter qualquer ligação à realidade, desde que digam o que as pessoas acham que é certo. Não é só que Trump minta (muitos políticos o fazem), mas que mostre um absoluto desprezo pela verdade. Os exemplos são imensos, mas basta perceber que a sua popularidade entre os republicanos foi alimentada pela defesa que fez de que Obama não tinha nascido nos EUA (mesmo depois dele exibir a sua certidão de nascimento) ou que a sua principal promessa de campanha, a de construir um muro para evitar a "invasão" de imigrantes, é feita quando não existe nenhum fluxo de migração anormal e o atual presidente foi dos que mais repatriaram imigrantes ilegais.
Isso acontece essencialmente por duas razões: a falta de confiança nos políticos e nas elites e a forma como muitos de nós passaram a receber informação, por outras palavras: redes sociais. A queda de importância dos mediadores (nomeadamente os jornalistas) gerou um mundo em que a procura da verdade foi substituída pelo consumo de "informações" que ajudam a sustentar aquilo em que acreditamos ou sentimos. Se bater certo, OK, se não bater é porque deve ser mentira. Veja-se o caso da negação das alterações climáticas.
Já sabíamos que estes tempos de crise nos deram algumas certezas infelizes, como a de que os nossos filhos dificilmente serão mais ricos do que nós. Não precisamos é de pôr em cima disso a ideia de que serão também mais estúpidos do que nós.
SUBDIRETOR
David Pontes
Hoje às 00:04
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