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A memória e o direito

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Mensagem por Admin Qua Set 23, 2015 10:28 am

Há um facto permanente na vida internacional que diz respeito, na área dos interesses políticos, à permanência da memória para lá dos tratados impostos, por exemplo mais evidente, a perda de uma guerra. A de 1914-1918, chamada apenas Grande Guerra antes da segunda, fez desaparecer os impérios europeus, mas não apagou as memórias de uma passada hegemonia.

A Alemanha, depois de uma proteção ocidental longa, durante a Guerra Fria, acontece-lhe dar frequentes mostras de encenar uma atitude de diretório, ultrapassando as hesitações europeias sobre a adoção de um conceito estratégico de que não tem sequer projeto. Em todo caso, seguindo prática diplomática antiga, a União Europeia em particular e o Ocidente em geral proclamam e defendem o Estado de direito, a democracia, a observância do direito internacional. Acontece que de quando em vez falam mais alto ou interesses emergentes, ou memória preservada, e estas proclamações, que não esquecem nos objetivos a pregação de virtudes, levam a ultrapassar os normativos em favor da eficácia. O direito internacional é interpretado, se necessário, de acordo com as conveniências, preparando-se para os consequencialismos. Lembre-se, quanto a interesses, a invasão do Iraque e a morte de Kadhafi, com esquecimento da regra que manda escolher o mal menor. O drama dos refugiados inclui-se nas sequelas desse esquecimento. Vem isto na sequência da crise da Grécia-Europa pelo facto de a primeira ser um baluarte de fronteira da NATO e da segurança e defesa autónomas da União, se vier a ter existência e consistência, porque tal crise não pode deixar de lembrar a ambição e memória da Rússia sobre a livre e segura passagem para as águas do Mediterrâneo. Depois da queda do Muro de Berlim e do regime soviético, já existem provas suficientes do peso da memória do império que a guerra de 1914-1918 derrubou, que o sovietismo reconstruiu com diferente nome, e violência excessiva, até que a queda do muro de novo o encaminhou para a derrocada. 

Agora, a série de factos relacionados com essa memória talvez se encontre na circunstância de os países bálticos se terem unido aos ocidentais, uma afronta ao princípio de supremacia russa sobre o "estrangeiro próximo", uma doutrina paralela à de Monroe para os EUA. Sem perder tempo, salvo o necessário para se organizar, a Rússia vai usando a força com êxito inegável, e sem reação da União Europeia, para depois de uma preparação mais ou menos diplomática proceder à organização de cimeiras com perícia profissional, visando as posições desejadas. Parece dever-se a Zbigniew Brzezinki, conselheiro de Carter, segundo escreveu no seu The Grand Chessboard (1998), de acordo com a informação do estudioso Montbrial, a melhor definição do projeto dos ocidentais para obterem a adesão da Ucrânia, à qual a Aliança Atlântica na reunião de Bucareste de 2008 proclamara que tinha as condições, tal como tinha reconhecido à Crimeia, com o resultado de a abertura da União Europeia para alargamento sem estudo das fronteiras amigas, ter provocado a intervenção da Rússia com o desembaraço conhecido, andando hoje a Ucrânia à procura de um meio de sobreviver com a forma e independência possível. 

Por muito que Obama tenha classificado a Rússia de potência regional, tudo é posto em causa quando a questão da Grécia implicou conversas daquela com o presidente da Rússia, que, sem ligar importância à classificação de potência regional, de facto proclamou a Rússia como Império do Meio e não deixa seguramente de olhar para o Mediterrânio. Por isso, os europeus, que esqueceram a segurança, somam agora a desumanidade à fraqueza, e por isso espera-se que os americanos, esquecendo os discursos contra o sovietismo porque perderam atualidade, tenham antes atenção à Declaração Universal dos Direitos Humanos, e reanimem a solidariedade ocidental não só para cumprir a Declaração Universal de Direitos Humanos, mas também que esta mobilize os deveres humanitários para com os refugiados.
*Professor universitário

por ADRIANO MOREIRA  
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