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Insubstituíveis e hipócritas
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Insubstituíveis e hipócritas
Se os cemitérios estão cheios de insubstituíveis... os funerais andam cada vez mais cheios de hipócritas. Talvez por isso, hoje, até as revistas sociais, habituadas e inventadas para celebrar alguns dos aspetos mais festivos da vida, têm desatado a aparecer nos funerais para depois publicarem reportagens patéticas com fotos e presenças que em alguns casos devem pôr o cadáver às voltas na sepultura.
Aprendi cedo que é em vida que devemos amar as pessoas de quem gostamos e celebrar as vidas das pessoas que nos merecem essa homenagem. Há já dezenas de anos que não vou a funeral nenhum por causa de quem morre, mas apenas por causa de quem sobreviveu. Para além de ter a certeza que ao falecido já lhe é totalmente indiferente a minha comparência, é movido apenas pelo conforto que possa dar a quem perdeu uma pessoa que amava que me arrasto para algumas exéquias.
Aceita-se que dadas as circunstâncias tenha sido com um morto, ou melhor, com um funeral de um ente querido, que eu tenha aprendido esta lição de vida. Há mais de 30 anos, poucos anos depois de 1974, estava eu em Lisboa a estudar (e ainda que emprestado, a viver) quando morreu o meu tio e padrinho, Fernando Serrão de seu nome, na altura professor catedrático de Química, saneado revolucionariamente da Faculdade de Ciências. Embora nunca tivesse perdido grande tempo a falar-me do tema, fiquei a saber que uma das pessoas que mais o tinham desiludido e magoado no processo era um colega que se tinha revelado comunista à pressa depois de Abril, tendo chegado até a diretor da Faculdade ou reitor, já nem recordo bem. Do que me recordo bem e nunca esquecerei é da sua cara de santinho e da "lata" com que apareceu no funeral do meu padrinho, como se a sua morte tivesse ressuscitado a velha amizade e apagado todas as patifarias que lhe tinha feito e foram direta ou indiretamente causa da sua morte. Quem, sendo santo, expulsou os vendilhões do templo, já com certeza me absolveu da fúria que me atacou à porta da igreja da Lapa nesse dia triste do funeral do meu tio. Enquanto esse hipócrita não se afastou do lugar onde se reuniam os familiares e amigos da família, que gostavam dele e de nós como nós gostávamos deles, não lhe dei descanso, nem lhe larguei os ouvidos, sempre a chamar-lhe hipócrita e a ordenar que se retirasse.
As únicas homenagens que só devem ser feitas depois da morte são aquelas que, dado o seu caráter perene, não podem correr o risco de ser desmerecidas pelo próprio em vida. Falo do batismo de ruas ou estádios e lembro-me sempre do Marco de Canaveses, onde um estádio, e julgo que uma rua, já foram batizados e rebatizados com o primeiro homenageado ainda vivo.
Como é sabido, a morte de alguém pouco dado a consensos torna-o logo máximo denominador comum e não conheço exercício mais vergonhoso do que ver alguém que sempre discordou ou atacou outrem em vida vir rabiscar um profundo elogio, misturado com lágrimas de crocodilo, no dia em que o antigo inimigo desaparece.
Apeteceu-me escrever este texto no contexto do dia de hoje, para muitos consagrado ao culto dos mortos. Cada um é como cada qual, mas sou um fervoroso militante do culto dos vivos e é também enquanto estou vivo que quero que os meus amigos me mimem e as minhas amigas me amem, dito isto de forma arrastada e figurada.
Mas também porque morreu ontem uma figura pública da cidade, um ex-vereador, que conheci há muitos anos, com quem sempre me dei bem, mas nunca fez parte do meu núcleo duro de amigos. Como o leitor imaginará, não irei ao seu funeral, mas tenho a certeza de que sobretudo da área da política não faltarão alguns figurões dos que menos o respeitaram em vida. Oxalá o Sampaio Pimentel tenha algum jovem sobrinho e afilhado atento e vigilante à porta da igreja.
EMPRESÁRIO
Manuel Serrão
Hoje às 00:02
Jornal de Notícias
Aprendi cedo que é em vida que devemos amar as pessoas de quem gostamos e celebrar as vidas das pessoas que nos merecem essa homenagem. Há já dezenas de anos que não vou a funeral nenhum por causa de quem morre, mas apenas por causa de quem sobreviveu. Para além de ter a certeza que ao falecido já lhe é totalmente indiferente a minha comparência, é movido apenas pelo conforto que possa dar a quem perdeu uma pessoa que amava que me arrasto para algumas exéquias.
Aceita-se que dadas as circunstâncias tenha sido com um morto, ou melhor, com um funeral de um ente querido, que eu tenha aprendido esta lição de vida. Há mais de 30 anos, poucos anos depois de 1974, estava eu em Lisboa a estudar (e ainda que emprestado, a viver) quando morreu o meu tio e padrinho, Fernando Serrão de seu nome, na altura professor catedrático de Química, saneado revolucionariamente da Faculdade de Ciências. Embora nunca tivesse perdido grande tempo a falar-me do tema, fiquei a saber que uma das pessoas que mais o tinham desiludido e magoado no processo era um colega que se tinha revelado comunista à pressa depois de Abril, tendo chegado até a diretor da Faculdade ou reitor, já nem recordo bem. Do que me recordo bem e nunca esquecerei é da sua cara de santinho e da "lata" com que apareceu no funeral do meu padrinho, como se a sua morte tivesse ressuscitado a velha amizade e apagado todas as patifarias que lhe tinha feito e foram direta ou indiretamente causa da sua morte. Quem, sendo santo, expulsou os vendilhões do templo, já com certeza me absolveu da fúria que me atacou à porta da igreja da Lapa nesse dia triste do funeral do meu tio. Enquanto esse hipócrita não se afastou do lugar onde se reuniam os familiares e amigos da família, que gostavam dele e de nós como nós gostávamos deles, não lhe dei descanso, nem lhe larguei os ouvidos, sempre a chamar-lhe hipócrita e a ordenar que se retirasse.
As únicas homenagens que só devem ser feitas depois da morte são aquelas que, dado o seu caráter perene, não podem correr o risco de ser desmerecidas pelo próprio em vida. Falo do batismo de ruas ou estádios e lembro-me sempre do Marco de Canaveses, onde um estádio, e julgo que uma rua, já foram batizados e rebatizados com o primeiro homenageado ainda vivo.
Como é sabido, a morte de alguém pouco dado a consensos torna-o logo máximo denominador comum e não conheço exercício mais vergonhoso do que ver alguém que sempre discordou ou atacou outrem em vida vir rabiscar um profundo elogio, misturado com lágrimas de crocodilo, no dia em que o antigo inimigo desaparece.
Apeteceu-me escrever este texto no contexto do dia de hoje, para muitos consagrado ao culto dos mortos. Cada um é como cada qual, mas sou um fervoroso militante do culto dos vivos e é também enquanto estou vivo que quero que os meus amigos me mimem e as minhas amigas me amem, dito isto de forma arrastada e figurada.
Mas também porque morreu ontem uma figura pública da cidade, um ex-vereador, que conheci há muitos anos, com quem sempre me dei bem, mas nunca fez parte do meu núcleo duro de amigos. Como o leitor imaginará, não irei ao seu funeral, mas tenho a certeza de que sobretudo da área da política não faltarão alguns figurões dos que menos o respeitaram em vida. Oxalá o Sampaio Pimentel tenha algum jovem sobrinho e afilhado atento e vigilante à porta da igreja.
EMPRESÁRIO
Manuel Serrão
Hoje às 00:02
Jornal de Notícias
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