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Epístola de Brecht aos hipócritas e aos indiferentes
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Epístola de Brecht aos hipócritas e aos indiferentes
O cidadão passeante até suporta a arrogância ou a ignorância de quem decreta a suprema importância do combate ao crime, como se antes de tudo não houvesse que determinar se houve ou não crime
Ele há coisas curiosas, algumas do arco-da-velha. Uma delas é a associação de ideias, a que a psicanálise deu honras de protagonista. É coisa que anda sempre connosco, e para entrar em atividade não é preciso estar deitado no divã - embora esse seja um exercício útil, pelo menos para nos vermos na crua nudez interior que camuflamos com diversos panos. E as ideias associam-se, às vezes, quando menos se espera, por exemplo num simples passeio. Associam-se elas quando um cidadão português anda por Berlim no inverno (que é do contentamento de uns e do descontentamento de outros) e vai mostrar à família o teatro que foi de Bertolt Brecht, lá para os lados onde foi o Leste da cidade - um sítio onde, em nome de amanhãs cantantes, se sacrificou tanta coisa que parecia apenas processual, mas era essencial.
Esse cidadão português lera, no avião para lá, jornais e revistas com opiniões e declarações - umas de “altas e médias individualidades”, outras de opinantes bem- -intencionados, outras dos enraivecidos ou dos engagés do costume, etc. - a desvalorizar as violações da lei em matérias importantes do processo penal (como as garantias ou o segredo de justiça), coisas menores, dizia-se, quando comparadas com o combate ao crime. O cidadão passeante parece já estar refeito de tais leituras, embora a ferida possa lá ter ficado, mal sarada, a remoer por baixo do consciente ou da digestão necessária para vivermos uns com os outros. E o cidadão passeante até suporta a arrogância ou a ignorância (qual delas mais perigosa?) de quem decreta a suprema importância do combate ao crime, como se antes de tudo não houvesse que determinar se houve ou não crime, sendo para isso essencial que as regras processuais sejam respeitadas. Mas, mesmo assim - e quando avista a fachada da casa do Berliner Ensemble (mais escura no inverno), ou a estátua fronteira que mostra um Brecht com expressão ambígua (ou paradoxal, como ele foi em tantas coisas) -, esse cidadão associa aquilo que leu e um poema atribuído a Brecht (há quem diga que erradamente, pois seria um sermão de um pastor sob o jugo nazi). A autoria é o menos importante, e também não interessam aqui as palavras exatas.
O que interessa - na associação de ideias - é que o texto, mesmo com outras palavras ou sujeitos, diz algo assim: primeiro, vieram e levaram um certo tipo de gente, por exemplo negros ou de outra cor, mas o narrador (digamos assim) não se importou, porque ele não era dessa cor; depois, vieram de novo e levaram outro tipo de gente, por exemplo comunistas ou de outro credo, ou sindicalistas ou patrões, mas ele também não se importou, pois não era nada disso; depois, e uma vez mais, vieram para levar outros, desta vez por exemplo os baixos ou os altos, os desempregados ou os infelizes, mas ele era de estatura média, tinha emprego e era feliz, por isso, novamente, não se importou. E, um dia, vieram e levaram-no a ele. Mas aí já era tarde demais para se importar.
Por lapso, este artigo não foi publicado sexta-feira
22/02/2016
Rui Patrício
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Ele há coisas curiosas, algumas do arco-da-velha. Uma delas é a associação de ideias, a que a psicanálise deu honras de protagonista. É coisa que anda sempre connosco, e para entrar em atividade não é preciso estar deitado no divã - embora esse seja um exercício útil, pelo menos para nos vermos na crua nudez interior que camuflamos com diversos panos. E as ideias associam-se, às vezes, quando menos se espera, por exemplo num simples passeio. Associam-se elas quando um cidadão português anda por Berlim no inverno (que é do contentamento de uns e do descontentamento de outros) e vai mostrar à família o teatro que foi de Bertolt Brecht, lá para os lados onde foi o Leste da cidade - um sítio onde, em nome de amanhãs cantantes, se sacrificou tanta coisa que parecia apenas processual, mas era essencial.
Esse cidadão português lera, no avião para lá, jornais e revistas com opiniões e declarações - umas de “altas e médias individualidades”, outras de opinantes bem- -intencionados, outras dos enraivecidos ou dos engagés do costume, etc. - a desvalorizar as violações da lei em matérias importantes do processo penal (como as garantias ou o segredo de justiça), coisas menores, dizia-se, quando comparadas com o combate ao crime. O cidadão passeante parece já estar refeito de tais leituras, embora a ferida possa lá ter ficado, mal sarada, a remoer por baixo do consciente ou da digestão necessária para vivermos uns com os outros. E o cidadão passeante até suporta a arrogância ou a ignorância (qual delas mais perigosa?) de quem decreta a suprema importância do combate ao crime, como se antes de tudo não houvesse que determinar se houve ou não crime, sendo para isso essencial que as regras processuais sejam respeitadas. Mas, mesmo assim - e quando avista a fachada da casa do Berliner Ensemble (mais escura no inverno), ou a estátua fronteira que mostra um Brecht com expressão ambígua (ou paradoxal, como ele foi em tantas coisas) -, esse cidadão associa aquilo que leu e um poema atribuído a Brecht (há quem diga que erradamente, pois seria um sermão de um pastor sob o jugo nazi). A autoria é o menos importante, e também não interessam aqui as palavras exatas.
O que interessa - na associação de ideias - é que o texto, mesmo com outras palavras ou sujeitos, diz algo assim: primeiro, vieram e levaram um certo tipo de gente, por exemplo negros ou de outra cor, mas o narrador (digamos assim) não se importou, porque ele não era dessa cor; depois, vieram de novo e levaram outro tipo de gente, por exemplo comunistas ou de outro credo, ou sindicalistas ou patrões, mas ele também não se importou, pois não era nada disso; depois, e uma vez mais, vieram para levar outros, desta vez por exemplo os baixos ou os altos, os desempregados ou os infelizes, mas ele era de estatura média, tinha emprego e era feliz, por isso, novamente, não se importou. E, um dia, vieram e levaram-no a ele. Mas aí já era tarde demais para se importar.
Por lapso, este artigo não foi publicado sexta-feira
22/02/2016
Rui Patrício
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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