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CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS: Uma lição de democracia
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CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS: Uma lição de democracia
Centeno legislou ad hominem, para nomear esta equipa de administração da CGD. E isentou-a, a seu pedido, da transparência associada ao exercício das suas funções. É grave e tem de haver consequências.
O que dizer de um ministro que introduz alterações legislativas pensadas e redigidas à medida das exigências excepcionais de um gestor público, para benefício do próprio? No mínimo que, por essa acção, esse ministro exibiu pleno desrespeito pelos princípios de um Estado de Direito, moldando a lei à sua vontade. Ora, este não é um caso teórico: foi mesmo isso que fez o ministro das Finanças, Mário Centeno, no dossier da Caixa Geral de Depósitos.
António Domingues, escolhido para assumir a administração da CGD, colocou condições para aceitar o convite de Mário Centeno: que a lei fosse alterada no sentido de não impor tectos máximos para os salários (Domingues quer ganhar tanto na CGD como se ganha no privado) e de não ser obrigatória a entrega de declaração de património ao Tribunal Constitucional (Domingues recusa a transparência que se impõe aos gestores públicos). O problema não está do lado do gestor, que pode fixar as condições que quiser. Está do lado do ministro das Finanças, que aceitou essas condições. E, aceitando-as, promoveu uma alteração legislativa localizada (exclusiva para a gestão da CGD) feita à medida das necessidades de António Domingues. Ou seja, pela mão de Centeno, o governo legislou ad hominem e com o objectivo concreto debaixo de olho de nomear esta equipa de administração para a CGD. Ora, a defesa do interesse público não se pode submeter a conveniências particulares, e não se pode conceber que um ministro isente, a pedido, um gestor público da transparência e do escrutínio associados ao exercício das suas funções. O erro é grave e tem de trazer consequências.
Entendamo-nos. A divergência faz parte do debate público e do escrutínio político. Muitas vezes expressei o meu desacordo perante a estratégia económica e de gestão das contas públicas deste governo. Mas o ponto aqui não é de opções políticas. Num regime democrático, as leis são para cumprir e as instituições para respeitar porque são as leis e as instituições que definem o regime – e não a arbitrariedade de quem ocupa as cadeiras do poder. Centeno quis ultrapassar a lei para ter na CGD a administração que escolheu. Goste-se ou não da geringonça, ache-se o que se achar do desempenho do ministro das Finanças, a forma prepotente como Mário Centeno lidou com o dossier da CGD e expôs o governo não é digna de um alto representante do Estado.
O mal está feito. Para António Domingues, a história ainda não acabou e permanece por desvendar se o gestor ficará ou não na liderança da CGD. Tal como resta por descortinar que consequências poderão daqui surgir para a já ruinosa situação da CGD. Mas, do ponto de vista de Centeno, a história está contada. Nenhum desfecho pode atenuar a gravidade da sua conduta. Ao aceitar o inaceitável – as condições de António Domingues e uma alteração legislativa feita à medida – o seu destino enquanto governante deveria estar traçado.
Deveria estar. Mas não é certo que esteja. Afinal, o país político mantém o mau hábito de desculpar o que não tem desculpa e esperar que as polémicas se extingam por cansaço de quem bate ao longo de dias na mesma tecla. De facto, a melhor forma de sobreviver num governo é fingir-se de morto. Mas, nestes tempos conturbados para quem defende a democracia contra os populismos, já é hora de assimilar que a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas desvigora a cada caso sem consequências políticas, a cada regra quebrada de forma impune, a cada código de valores proclamado nas palavras mas desmentido pelos actos. Centeno precisa de uma lição de política em democracia. E deveria ser o primeiro-ministro a leccioná-la – demitindo-o.
Alexandre Homem Cristo
14/11/2016, 6:45
Observador
O que dizer de um ministro que introduz alterações legislativas pensadas e redigidas à medida das exigências excepcionais de um gestor público, para benefício do próprio? No mínimo que, por essa acção, esse ministro exibiu pleno desrespeito pelos princípios de um Estado de Direito, moldando a lei à sua vontade. Ora, este não é um caso teórico: foi mesmo isso que fez o ministro das Finanças, Mário Centeno, no dossier da Caixa Geral de Depósitos.
António Domingues, escolhido para assumir a administração da CGD, colocou condições para aceitar o convite de Mário Centeno: que a lei fosse alterada no sentido de não impor tectos máximos para os salários (Domingues quer ganhar tanto na CGD como se ganha no privado) e de não ser obrigatória a entrega de declaração de património ao Tribunal Constitucional (Domingues recusa a transparência que se impõe aos gestores públicos). O problema não está do lado do gestor, que pode fixar as condições que quiser. Está do lado do ministro das Finanças, que aceitou essas condições. E, aceitando-as, promoveu uma alteração legislativa localizada (exclusiva para a gestão da CGD) feita à medida das necessidades de António Domingues. Ou seja, pela mão de Centeno, o governo legislou ad hominem e com o objectivo concreto debaixo de olho de nomear esta equipa de administração para a CGD. Ora, a defesa do interesse público não se pode submeter a conveniências particulares, e não se pode conceber que um ministro isente, a pedido, um gestor público da transparência e do escrutínio associados ao exercício das suas funções. O erro é grave e tem de trazer consequências.
Entendamo-nos. A divergência faz parte do debate público e do escrutínio político. Muitas vezes expressei o meu desacordo perante a estratégia económica e de gestão das contas públicas deste governo. Mas o ponto aqui não é de opções políticas. Num regime democrático, as leis são para cumprir e as instituições para respeitar porque são as leis e as instituições que definem o regime – e não a arbitrariedade de quem ocupa as cadeiras do poder. Centeno quis ultrapassar a lei para ter na CGD a administração que escolheu. Goste-se ou não da geringonça, ache-se o que se achar do desempenho do ministro das Finanças, a forma prepotente como Mário Centeno lidou com o dossier da CGD e expôs o governo não é digna de um alto representante do Estado.
O mal está feito. Para António Domingues, a história ainda não acabou e permanece por desvendar se o gestor ficará ou não na liderança da CGD. Tal como resta por descortinar que consequências poderão daqui surgir para a já ruinosa situação da CGD. Mas, do ponto de vista de Centeno, a história está contada. Nenhum desfecho pode atenuar a gravidade da sua conduta. Ao aceitar o inaceitável – as condições de António Domingues e uma alteração legislativa feita à medida – o seu destino enquanto governante deveria estar traçado.
Deveria estar. Mas não é certo que esteja. Afinal, o país político mantém o mau hábito de desculpar o que não tem desculpa e esperar que as polémicas se extingam por cansaço de quem bate ao longo de dias na mesma tecla. De facto, a melhor forma de sobreviver num governo é fingir-se de morto. Mas, nestes tempos conturbados para quem defende a democracia contra os populismos, já é hora de assimilar que a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas desvigora a cada caso sem consequências políticas, a cada regra quebrada de forma impune, a cada código de valores proclamado nas palavras mas desmentido pelos actos. Centeno precisa de uma lição de política em democracia. E deveria ser o primeiro-ministro a leccioná-la – demitindo-o.
Alexandre Homem Cristo
14/11/2016, 6:45
Observador
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