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O padre que vota sempre e o gestor que se esqueceu de votar uma vez propositadamente

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Mensagem por Admin Qui Nov 17, 2016 12:38 pm

O padre que vota sempre e o gestor que se esqueceu de votar uma vez propositadamente O padre que vota sempre e o gestor que se esqueceu de votar uma vez propositadamente
Aníbal Vieira, vigário geral da Diocese de Santarém, e Ceia da Silva, presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo

O vigário geral da Diocese de Santarém joga de vez em quando no Euromilhões mas não mudava de vida se lhe saísse um grande prémio. O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo não joga mais do que duas ou três vezes por ano porque não quer ver a sua vida de pernas para o ar. Gostam os dois de matemática e não têm grande jeito para trabalhos manuais. O padre Aníbal Vieira chegou a pensar numa carreira política mas decidiu ir para o Seminário. Ceia da Silva já foi deputado mas ficou vacinado para sempre.

A conversa entre o padre Aníbal Vieira, vigário geral da Diocese de Santarém, e Ceia da Silva, presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, decorreu nas instalações de O MIRANTE no dia seguinte às eleições presidenciais americanas. Um convite para se falar de política, de políticos e de eleitores. 

“Voto sempre. Tenho o princípio de votar sempre e quando não posso escolher o que eu acho que poderia ser o melhor, escolho o menos mau”, confessa Aníbal Vieira. E explica o que entende por “o melhor”. “Considero fundamental que os políticos se coloquem na atitude de cuidar do bem comum. Já votei de várias formas. Não tenho partido político. Tenho uma matriz em que há duas, três alternativas para votar”.

Ceia da Silva é contra a escolha do menos mau. Quando não há nenhum candidato que lhe agrade, como já aconteceu, esquece-se de ir votar. “Só me esqueci de votar uma vez. Esqueci-me propositadamente. O não votar também pode ser uma forma de votar mas eu sou contra a abstenção e por isso digo que me esqueci. Eu acho que quem não vai votar acaba por votar em quem ganha, mas discordo do meu amigo sobre isso de se votar no menos mau”. O vigário geral da Diocese de Santarém revela que quando tinha 18 anos teve a noção clara de que ou ia para o Seminário ou seguiria uma carreira política. “Tomei a minha decisão no dia 9 de Novembro de 1980 e foi um dia marcante. Foi marcante em termos de confiança em Deus, que venceu o desejo da política e o gosto pela vida política. Não me arrependi nunca”, diz.

A tentação de ir para a política não nasceu muito cedo. “Entrei no Liceu em 1976. Na altura havia demasiada conflitualidade ligada a situações radicais o que nunca me encantou”. Foi só quando começou a haver alguma acalmia política que Aníbal Vieira começou a gostar da política mas nunca se inscreveu em qualquer partido político nem participou em qualquer actividade política. E já depois de ter sido ordenado padre também nunca foi convidado ou sondado para integrar nenhuma lista de candidatos. 

O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo costuma dizer que a pior experiência da sua vida foi ter sido deputado. Quando se lhe pergunta se foi convidado a candidatar-se por amigos, diz com ironia que tem que reflectir bem para perceber se eram mesmo amigos. 

Ceia da Silva explica porque não gostou de algo que muitos invejam. “Uma das situações que mais confusão me fazia era quando estávamos a votar. Geralmente era às sextas-feiras e votávamos um conjunto de decisões sobre assuntos que não dominávamos nem conhecíamos. Não há um voto em consciência pessoal. Há um voto de consciência política de um determinado partido e isso não é a minha praia”.

E o ex-deputado podia acrescentar que não gosta de praia nenhuma. “Estar ali na praia sem fazer nada complica-me os nervos. E não gosto daquela água fria. Mas atenção, há muitas praias fantásticas na costa alentejana”, diz. Já o padre Aníbal Vieira só quando não pode é que não se estende ao sol à beira-mar. “Tenho familiares no Algarve que me recebem e eu gosto muito de lá estar. Convivemos, durmo, como e tudo ao crava”, diz a sorrir.

Há outra coisa de que o presidente da Entidade Regional de Turismo não gosta que é vinho tinto. “Não bebo tinto. 
Confesso que briguei com o tinto mas não foi por causa de nenhum episódio traumático. Aprecio muito o rosé, que é um vinho dentro de um certo espírito de equilíbrio”. O seu companheiro de conversa bebe moderadamente às refeições mas não tem qualquer garrafeira. “Moro no Seminário, tenho alguns objectos pessoais e também uma ou outra garrafa que me vão dando mas não sou coleccionador de nada. Só tenho aquilo que é para usar”, afirma. 

Os dois parceiros de conversa fazem os mínimos em matéria de protecção do ambiente. “De há dez anos para cá passei a fechar a torneira enquanto lavo os dentes ou quando estou a fazer a barba. Acho muito importante”, diz Aníbal Vieira. “Tenho alguns cuidados em termos ambientais mas a minha filha tem o triplo do cuidado. Fico muito feliz com isso mesmo quando ela me chama a atenção por ter deitado um papel para o chão, por exemplo. Sinto que os jovens se interessam mais pelas questões ambientais do que pela política”, reflecte.

Há anedotas de padres e anedotas de alentejanos. No final da conversa, o presidente da Entidade Regional de Turismo, alentejano de gema, fez o dois em um e contou uma protagonizada por um alentejano e um padre. E contou-a como se segue: “Um padre novo ia para Aljustrel, enganou-se no caminho e foi parar a Pias. Entrou num café e perguntou ao único cliente se lhe podia indicar o caminho. O alentejano olha para ele e responde secamente: ‘Não sei!’. O padre insiste e o alentejano responde outra vez, curto e grosso: ‘Já lhe disse que não sei’. O padre impacienta-se e ameaça-o: ‘Olhe que o senhor assim não vai para o céu’. E o alentejano, impávido e sereno, responde: ‘E o senhor não vai para Aljustrel!’.


De noite todos os gatos são pardos e todos os caminhos são bons

O padre Aníbal Vieira já fez várias peregrinações, inclusive a Fátima, e se foi ao Santuário uma vez a pé não foi para cumprir qualquer promessa nem para fazer nenhum sacrifício. “Fiz apenas um percurso de vinte quilómetros e foi para fazer companhia a um grupo de pessoas”, explica. 

Considera que a peregrinação que mais o marcou foi a que fez quando foi finalista no seminário, à Terra Santa. Acrescenta que, nessa altura, era melhor caminheiro que agora uma vez que trepou sem qualquer dificuldade e sem perder o fôlego ao cimo do Monte Sinai (um pico com uma altitude de 2285 metros onde, segundo a Bíblia e a tradição judaica, Moisés recebeu as Tábuas da Lei).

“Foi muito interessante. Ficámos na base e saímos pelas duas ou três da manhã. Tínhamos um guia e caminhámos até ao nascer do sol. Subimos por caminhos que não imaginávamos e quando nasceu o sol estávamos lá em cima. Foi só ao descermos que vimos que o caminho que tínhamos feito era ladeado por ribanceiras enormes de um lado e do outro do caminho. Eu subi aquilo porque era de noite e confiei no guia. O senhor imprimiu ao grupo um ritmo óptimo porque ninguém ficou para trás e acho que ninguém teve oportunidade de ver bem por onde seguia. Foi uma das experiências mais interessantes que tive em termos de peregrinações”, declara.

Um candeeiro explosivo e uma caixa de medicamentos de arremesso

O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, Ceia da Silva, diz que não tem jeito nenhum para trabalhos manuais. “Se a minha mulher me pedir para mudar uma lâmpada estou desgraçado”, diz a sorrir.

Para justificar o que diz recua aos tempos de estudante e aos anos em que foi obrigado a frequentar uma disciplina chamada “Trabalhos Oficinais”. O maior desastre aconteceu logo no primeiro ano quando ao seu grupo foi atribuída a missão de fazer um candeeiro.

“Éramos três e andámos o ano todo naquilo. Eu não tinha habilidade e os outros eram meus irmãos gémeos nesse aspecto em particular. Quando acabámos lá fomos nós experimentar o famoso candeeiro. Aquilo fez faísca e o Liceu ficou sem luz”, relata.

No ano seguinte a equipa maravilha juntou-se de novo para um novo projecto. “Tínhamos que fazer uma caixa para medicamentos e metemos mãos à obra. Mais um ano lectivo de grande empenhamento. Serrámos, limámos, colámos...”. 

Ceia da Silva já nem se dá ao trabalho de explicar como é que ficou a obra prima em termos estéticos e de qualidade de acabamentos. Nem sequer explica se a caixa serviu alguma vez para guardar fosse o que fosse. “Só sei que quando íamos apresentar o trabalho alguém largou aquilo e zumba! Caiu em cima dos pés do professor”, conclui. Ao lado dele Aníbal Vieira ri com gosto e Ceia da Silva vê-se obrigado a dar uma explicação: “Como eu tinha 5 a todas as outras disciplinas, também me deram cinco àquela disciplina para não destoar”.

17.11.2016
O MIRANTE
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