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O contrabando dos factos
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O contrabando dos factos
"Mas o que é isso da realidade?", a pergunta caía entre o primeiro momento do café quente e o pousar da chávena. "A realidade é um vício extremo", respondeu enquanto seguia o movimento de arrasto das empregadas na parte mais interior do bar. "Eu conheço estas pessoas, juro que conheço". Os olhos apontavam à chávena e a cabeça abana agora no compasso de uma lentidão aflitiva que pouco contrariava a fixação dos olhos. "Aparentemente as pessoas são todas iguais, sabes? E isso é mais do que suficiente para eu as imaginar nas suas pequenas diferenças".
A expressão "pós-verdade" foi escolhida pelos dicionários britânicos Oxford como a palavra do ano 2016. A nova palavra ganhou enorme relevância enquanto pilar do comentário político pela soma das partes desavindas do Brexit e da eleição de Trump, caracterizando a menor influência dos factos objectivos na formação da opinião pública se comparados com a preponderância dos apelos emocionais e das opiniões pessoais. A realidade dos factos pode não merecer prémio mas uma palavra nova que se aguenta a crescer sem vírgulas de défice há mais de 10 anos merece todo o nosso respeito. Aparentemente nascida em 1992 - no contexto do escândalo Irão-Contras e da Guerra do Golfo - quando a alucinação provou ter ganhado vezes demais à realidade dos factos, importa saber se a ficção não nos protege de tanta má verdade. As baboseiras xenófobas do Brexit ou os cercos para-criminosos de Trump estão à solta para serem livremente interpretados quando a mentira não tem consequências.
A realidade não subsiste sem interpretação. Torna-se fria, magoada, enfadonha. No Mundo da pós-verdade, exige-se que os mais viciados na realidade sejam precisamente aqueles que mais têm a obrigação de a interpretar. A liberdade de opinião aparece daquela representação que nunca se sobrepõe aos factos. É até a forma mais leve de escaparmos sem cadastro à mentira porque nessa opinião ninguém trai verdades. Pelo contrário, evita-se o foi-assim-não-foi-pareceu-me. Para que a ilusão ocupe lugar, muitos jogam a mentira pura e dura, feita de números feitos ou filiações na meia--verdade. A mentira implícita na pós-verdade nasce da banalidade, aguenta-se pelo lugar-comum das frases feitas e acaba na apreensão fácil e simplista da bazófia. O contrabando dos factos é tudo aquilo o que impede que a vida siga em jeito de romance. A demagogia meiguinha é aquela que se impõe pela pobreza.
"E podes não acreditar", levantando os olhos. "Detesto perceber o que dizem enquanto as vejo".
O autor escreve segundo a antiga ortografia
MÚSICO E ADVOGADO
Miguel Guedes
Hoje às 00:00
Jornal de Notícias
A expressão "pós-verdade" foi escolhida pelos dicionários britânicos Oxford como a palavra do ano 2016. A nova palavra ganhou enorme relevância enquanto pilar do comentário político pela soma das partes desavindas do Brexit e da eleição de Trump, caracterizando a menor influência dos factos objectivos na formação da opinião pública se comparados com a preponderância dos apelos emocionais e das opiniões pessoais. A realidade dos factos pode não merecer prémio mas uma palavra nova que se aguenta a crescer sem vírgulas de défice há mais de 10 anos merece todo o nosso respeito. Aparentemente nascida em 1992 - no contexto do escândalo Irão-Contras e da Guerra do Golfo - quando a alucinação provou ter ganhado vezes demais à realidade dos factos, importa saber se a ficção não nos protege de tanta má verdade. As baboseiras xenófobas do Brexit ou os cercos para-criminosos de Trump estão à solta para serem livremente interpretados quando a mentira não tem consequências.
A realidade não subsiste sem interpretação. Torna-se fria, magoada, enfadonha. No Mundo da pós-verdade, exige-se que os mais viciados na realidade sejam precisamente aqueles que mais têm a obrigação de a interpretar. A liberdade de opinião aparece daquela representação que nunca se sobrepõe aos factos. É até a forma mais leve de escaparmos sem cadastro à mentira porque nessa opinião ninguém trai verdades. Pelo contrário, evita-se o foi-assim-não-foi-pareceu-me. Para que a ilusão ocupe lugar, muitos jogam a mentira pura e dura, feita de números feitos ou filiações na meia--verdade. A mentira implícita na pós-verdade nasce da banalidade, aguenta-se pelo lugar-comum das frases feitas e acaba na apreensão fácil e simplista da bazófia. O contrabando dos factos é tudo aquilo o que impede que a vida siga em jeito de romance. A demagogia meiguinha é aquela que se impõe pela pobreza.
"E podes não acreditar", levantando os olhos. "Detesto perceber o que dizem enquanto as vejo".
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