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Keynes e Hayek no mercado imobiliário chinês
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Keynes e Hayek no mercado imobiliário chinês
O Instituto Nacional de Estatística da China revelou que 10 das 70 grandes e médias cidades chinesas analisadas registaram aumentos anuais dos preços superiores a 20% nas habitações recentemente construídas para fins comerciais.
O preço dos imóveis nas maiores cidades da China está a aumentar, gerando previsões contraditórias tanto relativas ao rebentamento de bolhas como a uma reviravolta económica. O que está a acontecer verdadeiramente no quente mercado imobiliário chinês?
O Instituto Nacional de Estatística da China (NBS, na sigla inglesa) revelou há poucas semanas que 10 das 70 grandes e médias cidades chinesas analisadas registaram aumentos anuais dos preços superiores a 20% nas habitações recentemente construídas para fins comerciais. Em cidades da linha da frente como Xangai e Shenzhen, esses aumentos foram ainda maiores: acima de 37%. Na segunda linha, cidades como Xiamen e Hefei tiveram aumentos que excederam os 40%.
Chris Watling da Longview Economics compara os preços actuais no mercado imobiliário chinês à mania das tulipas cujo pico foi atingido em 1637. Ele nota que os preços das propriedades em Shenzhen, em particular, aumentaram 76% desde o início de 2015, elevando o preço de uma casa padrão para 800 mil dólares, acima do preço médio de uma casa em Silicon Valley. Isto, sugere Wating, pode ser o último grito antes de um colapso no mercado.
Liu Shijin, antigo vice-ministro do Centro para o Desenvolvimento e Reforma do Conselho Económico e Social da China, discorda. Em vez disso ele postula que depois de seis anos de baixo investimento em infra-estruturas e construção, o crescimento do mercado imobiliário chinês pode estar a permitir sair do ponto mínimo, e que a liquidez e confiança dos consumidores podem estar a redireccionar-se para as habitações.
Para determinar quem tem razão é importante, em primeiro lugar, reconhecer que nem todos os mercados imobiliários das cidades chinesas estão em ascensão. Em 42 das cidades estudadas pelo NBS – aquelas com sobrecapacidade industrial e excessivos inventários de propriedades – o aumento de preços equivaleu a menos de 5%, com oito cidades a registarem quedas ou estagnação dos preços imobiliários. Este padrão de divergência cria um dilema para os legisladores e investidores chineses, que precisam agora de ponderar cautelosamente as percepções de dois gigantes da economia: John Maynard Keynes e Friedrich Hayek.
Numa altura de abrandamento do crescimento económico, alguns advogam mais medidas keynesianas de estabilização macro, de certa forma como aquelas a que a China recorreu para sustentar o crescimento depois da crise económica global de 2008. Mas em muitas regiões, particularmente em partes do nordeste, ocidente e centro do país, o abrandamento não pode ser resolvido através de estímulos adicionais.
Na verdade, os estímulos nessas regiões iria escoar largamente para outras, junto com o trabalho e capital que estão já a ser impelidos para áreas litorais que beneficiam de tecnologia mais avançada, taxas mais altas de inovação, melhores infra-estruturas e um ambiente empresarial mais amigo do mercado. Portanto, o que as regiões com crescimento mais lento precisam é de tempo para levar a cabo reformas estruturais do lado da oferta, incluindo cortar inventários, reduzir sobrecapacidade e cancelar créditos malparados dos governos locais e empresas detidas pelo Estado.
Entretanto, as regiões com os preços do imobiliário em crescendo tendem a ser aquelas que estão a propiciar ao trabalho e capital maiores crescimentos e melhores oportunidades de trabalho. Um estudo da China Securities International mostrou que, entre 2000 e 2010, as cidades do Leste da China receberam 82,4% do total de influxo migratório. Por volta de 2010, a população migrante em Pequim, Xangai e Tianjin mais do que duplicou, para 34,5%, 37,9% e 21%, respectivamente.
Numa tentativa de controlar o crescimento destas cidades, que enfrentaram uma enorme escassez de terrenos, de inventários de habitações e de infra-estruturas urbanas públicas, o Governo chinês impôs restrições tanto sobre a oferta como sobre a procura de habitações. Mas, como mostra o aumento dos preços das casas nestas cidades, os seus esforços não resultaram.
Os legisladores chineses esqueceram-se de Hayek. De outra forma, teriam esperado que os mercados de trabalho e capital continuassem a desviar-se em direcção ao crescimento e inovação nos centros urbanos. Teriam também reconhecido que os preços de mercado transmitiriam naturalmente os complexos, específicos e variáveis conhecimentos locais, que se distribuem entre indivíduos e empresas e que não são controlados por urbanistas. E teriam percebido que se o objectivo passa por a oferta ser igualada pela procura no curso do tempo, os investimentos imobiliários e em infra-estruturas têm de reflectir esse conhecimento.
Em vez disso, os legisladores chineses criaram inadvertidamente estrangulamentos na oferta local de terras. Transacções de terrenos residenciais em cidades chinesas de primeira e segunda linha continuam a ser muito reduzidas e altamente influenciadas por políticas de planeamento urbano, isto apesar da profundidade e sofisticação dos mercados de propriedades residenciais.
Afortunadamente existe margem para os urbanistas chineses flexibilizarem as restrições à oferta de terrenos e aos rácios de terrenos edificáveis (o rácio de área bruta face à dimensão do lote em que o edifício assenta). De acordo com um estudo da China International Capital Corp, a área urbana construída em Xangai é de apenas 16%, valor que compara com os 44% em Tóquio e os 60% em Nova Iorque. Em Xangai apenas 36% dessa área é destinada a funções residenciais, comparando com 60% em Tóquio e 44% em Nova Iorque.
Por outras palavras, a terra residencial disponível para venda em Xangai é consideravelmente mais pequena do que em Nova Iorque ou mesmo em Tóquio, o que representa um factor determinante para o aumento dos preços das propriedades nestas cidades. E, na verdade, se a oferta de terra e área útil de construção não aumentou, uma maior despesa em infra-estruturas locais públicas vai levar os preços dos espaços já existentes a subir ainda mais.
A observação de Liu de que as famílias estão a ficar cada vez mais confiantes no mercado imobiliário também parece correcta. O recente aumento da procura de casas pode reflectir o desejo dos agregados familiares em salvaguardar as suas poupanças da inflação ou, mais fundamentalmente, o sentimento de que necessitam assegurar casas urgentemente tendo em conta a oferta limitada. De qualquer forma, eles parecem agora convencidos de que o investimento em imobiliário é uma aposta relativamente segura.
Se é esse o caso, o risco de uma bolha imobiliária na China está provavelmente a ser sobrestimado. Mas isso não significa que o sector imobiliário chinês está bem. Se o Governo ignora os sinais dos preços de mercado, podem surgir discrepâncias entre a oferta e a procura, enfraquecendo as dinâmicas de crescimento das regiões enquanto se sobrecarrega com excesso de capacidade e maus activos as regiões com menores crescimentos.
A boa notícia é que existe ainda uma margem de manobra considerável para implementar políticas. A questão agora é se as autoridades chinesas vão realmente reconhecer e responder efectivamente os sinais do mercado.
Andrew Sheng é membro do Fung Global Institute e do Conselho Consultivo de Finanças Sustentáveis da UNEP. Xiao Geng é Director de Investigação no Fung Global Institute.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: David Santiago
Andrew Sheng e Xiao Geng
24 de Novembro de 2016 às 20:00
Negócios
O preço dos imóveis nas maiores cidades da China está a aumentar, gerando previsões contraditórias tanto relativas ao rebentamento de bolhas como a uma reviravolta económica. O que está a acontecer verdadeiramente no quente mercado imobiliário chinês?
O Instituto Nacional de Estatística da China (NBS, na sigla inglesa) revelou há poucas semanas que 10 das 70 grandes e médias cidades chinesas analisadas registaram aumentos anuais dos preços superiores a 20% nas habitações recentemente construídas para fins comerciais. Em cidades da linha da frente como Xangai e Shenzhen, esses aumentos foram ainda maiores: acima de 37%. Na segunda linha, cidades como Xiamen e Hefei tiveram aumentos que excederam os 40%.
Chris Watling da Longview Economics compara os preços actuais no mercado imobiliário chinês à mania das tulipas cujo pico foi atingido em 1637. Ele nota que os preços das propriedades em Shenzhen, em particular, aumentaram 76% desde o início de 2015, elevando o preço de uma casa padrão para 800 mil dólares, acima do preço médio de uma casa em Silicon Valley. Isto, sugere Wating, pode ser o último grito antes de um colapso no mercado.
Liu Shijin, antigo vice-ministro do Centro para o Desenvolvimento e Reforma do Conselho Económico e Social da China, discorda. Em vez disso ele postula que depois de seis anos de baixo investimento em infra-estruturas e construção, o crescimento do mercado imobiliário chinês pode estar a permitir sair do ponto mínimo, e que a liquidez e confiança dos consumidores podem estar a redireccionar-se para as habitações.
Para determinar quem tem razão é importante, em primeiro lugar, reconhecer que nem todos os mercados imobiliários das cidades chinesas estão em ascensão. Em 42 das cidades estudadas pelo NBS – aquelas com sobrecapacidade industrial e excessivos inventários de propriedades – o aumento de preços equivaleu a menos de 5%, com oito cidades a registarem quedas ou estagnação dos preços imobiliários. Este padrão de divergência cria um dilema para os legisladores e investidores chineses, que precisam agora de ponderar cautelosamente as percepções de dois gigantes da economia: John Maynard Keynes e Friedrich Hayek.
Numa altura de abrandamento do crescimento económico, alguns advogam mais medidas keynesianas de estabilização macro, de certa forma como aquelas a que a China recorreu para sustentar o crescimento depois da crise económica global de 2008. Mas em muitas regiões, particularmente em partes do nordeste, ocidente e centro do país, o abrandamento não pode ser resolvido através de estímulos adicionais.
Na verdade, os estímulos nessas regiões iria escoar largamente para outras, junto com o trabalho e capital que estão já a ser impelidos para áreas litorais que beneficiam de tecnologia mais avançada, taxas mais altas de inovação, melhores infra-estruturas e um ambiente empresarial mais amigo do mercado. Portanto, o que as regiões com crescimento mais lento precisam é de tempo para levar a cabo reformas estruturais do lado da oferta, incluindo cortar inventários, reduzir sobrecapacidade e cancelar créditos malparados dos governos locais e empresas detidas pelo Estado.
Entretanto, as regiões com os preços do imobiliário em crescendo tendem a ser aquelas que estão a propiciar ao trabalho e capital maiores crescimentos e melhores oportunidades de trabalho. Um estudo da China Securities International mostrou que, entre 2000 e 2010, as cidades do Leste da China receberam 82,4% do total de influxo migratório. Por volta de 2010, a população migrante em Pequim, Xangai e Tianjin mais do que duplicou, para 34,5%, 37,9% e 21%, respectivamente.
Numa tentativa de controlar o crescimento destas cidades, que enfrentaram uma enorme escassez de terrenos, de inventários de habitações e de infra-estruturas urbanas públicas, o Governo chinês impôs restrições tanto sobre a oferta como sobre a procura de habitações. Mas, como mostra o aumento dos preços das casas nestas cidades, os seus esforços não resultaram.
Os legisladores chineses esqueceram-se de Hayek. De outra forma, teriam esperado que os mercados de trabalho e capital continuassem a desviar-se em direcção ao crescimento e inovação nos centros urbanos. Teriam também reconhecido que os preços de mercado transmitiriam naturalmente os complexos, específicos e variáveis conhecimentos locais, que se distribuem entre indivíduos e empresas e que não são controlados por urbanistas. E teriam percebido que se o objectivo passa por a oferta ser igualada pela procura no curso do tempo, os investimentos imobiliários e em infra-estruturas têm de reflectir esse conhecimento.
Em vez disso, os legisladores chineses criaram inadvertidamente estrangulamentos na oferta local de terras. Transacções de terrenos residenciais em cidades chinesas de primeira e segunda linha continuam a ser muito reduzidas e altamente influenciadas por políticas de planeamento urbano, isto apesar da profundidade e sofisticação dos mercados de propriedades residenciais.
Afortunadamente existe margem para os urbanistas chineses flexibilizarem as restrições à oferta de terrenos e aos rácios de terrenos edificáveis (o rácio de área bruta face à dimensão do lote em que o edifício assenta). De acordo com um estudo da China International Capital Corp, a área urbana construída em Xangai é de apenas 16%, valor que compara com os 44% em Tóquio e os 60% em Nova Iorque. Em Xangai apenas 36% dessa área é destinada a funções residenciais, comparando com 60% em Tóquio e 44% em Nova Iorque.
Por outras palavras, a terra residencial disponível para venda em Xangai é consideravelmente mais pequena do que em Nova Iorque ou mesmo em Tóquio, o que representa um factor determinante para o aumento dos preços das propriedades nestas cidades. E, na verdade, se a oferta de terra e área útil de construção não aumentou, uma maior despesa em infra-estruturas locais públicas vai levar os preços dos espaços já existentes a subir ainda mais.
A observação de Liu de que as famílias estão a ficar cada vez mais confiantes no mercado imobiliário também parece correcta. O recente aumento da procura de casas pode reflectir o desejo dos agregados familiares em salvaguardar as suas poupanças da inflação ou, mais fundamentalmente, o sentimento de que necessitam assegurar casas urgentemente tendo em conta a oferta limitada. De qualquer forma, eles parecem agora convencidos de que o investimento em imobiliário é uma aposta relativamente segura.
Se é esse o caso, o risco de uma bolha imobiliária na China está provavelmente a ser sobrestimado. Mas isso não significa que o sector imobiliário chinês está bem. Se o Governo ignora os sinais dos preços de mercado, podem surgir discrepâncias entre a oferta e a procura, enfraquecendo as dinâmicas de crescimento das regiões enquanto se sobrecarrega com excesso de capacidade e maus activos as regiões com menores crescimentos.
A boa notícia é que existe ainda uma margem de manobra considerável para implementar políticas. A questão agora é se as autoridades chinesas vão realmente reconhecer e responder efectivamente os sinais do mercado.
Andrew Sheng é membro do Fung Global Institute e do Conselho Consultivo de Finanças Sustentáveis da UNEP. Xiao Geng é Director de Investigação no Fung Global Institute.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: David Santiago
Andrew Sheng e Xiao Geng
24 de Novembro de 2016 às 20:00
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