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Mensagem por Admin Dom Dez 04, 2016 7:05 pm

A integração regional poderia preparar o terreno para reformas de governação extremamente necessárias e, assim, abrir caminho para sair da armadilha populista.

Com o populismo aparentemente a tornar-se viral nas economias avançadas, os poderes estabelecidos estão em recuo. Os "outsiders" estão a alcançar vitórias políticas significativas fazendo promessas dramáticas de agitar ou derrubar o sistema. Os inimigos dos populistas são membros da "elite global", que traiu os valores nacionais; e a sua revolta contra o que o presidente eleito dos EUA Donald Trump chama de "globalismo" também aspira a tornar-se um fenómeno global que, de facto, depende da sua própria marca de internacionalismo.
 
O contágio é um processo bem compreendido em finanças. Um choque em determinado sítio produz tremores noutros lugares, mesmo quando não há vínculos financeiros directos, porque os participantes do mercado, que procuram padrões, percebem as forças fundamentais que estão a operar. 
 
A revolta populista de hoje exibe uma dinâmica semelhante. Trump prometeu antecipadamente que a sua vitória seria o Brexit em grande escala; e, de facto, quando venceu, as forças políticas de extrema-direita da Holanda e França viram imediatamente a sua eleição como um presságio do que está para vir. O mesmo aconteceu com a campanha do "Não" no próximo referendo constitucional de Itália - no qual o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi apostou o seu futuro político.
 
Um paralelo histórico óbvio para os dias de hoje é o período entre as guerras do século XX, quando Vladimir Lenin apresentou o comunismo soviético como uma marca global, e fundou a Internacional Comunista. O fascismo italiano de Benito Mussolini - uma resposta ao movimento de Lenin - também adoptou uma postura internacionalista: movimentos de camisas coloridas, imitando as camisas negras de Mussolini, surgiram na Europa, América Latina e Ásia para elevar o autoritarismo como modelo alternativo ao liberalismo.
 
Ainda que os movimentos intensamente nacionalistas, como os fascistas de Mussolini e os nazistas de Adolf Hitler, tenham competido entre si sobre quem era mais genuinamente fascista, uniram-se, em última instância, para se oporem à ordem liberal. Da mesma forma, a revolta política de hoje pode estar a seguir uma lógica imparável, segundo a qual todo país deve fechar-se ao comércio, às migrações e aos fluxos de capital, ou correr o risco de perder num jogo de soma zero.
 
Isto levanta uma questão fundamental: poderá ser construída uma firewall para evitar tal contágio político?
 
Geralmente são usadas duas medidas para parar crises financeiras e para travar o contágio financeiro: programas de resgate internacionais e reformas financeiras. Da mesma forma, podemos prever uma contrapartida política para tais intervenções, talvez com reformas às instituições de governança global e às estruturas democráticas existentes. Afinal, muitos problemas que agora afectam países individuais são, de facto, transnacionais e não podem ser resolvidos por um único país. O exemplo mais óbvio são as alterações climáticas, que produzem secas e repetidas quebras da produção agrícola e, portanto, fluxos de migração em massa.
 
Mas os populistas de hoje fizeram questão de se recusarem a pensar colectivamente, ou se envolverem internacionalmente. Tudo o que parece uma questão transnacional é imediatamente considerado irrelevante para as preocupações nacionais, e qualquer acção internacional coordenada é ridicularizada e considerada um fracasso.
 
Talvez o populismo contagioso de hoje acabe por criar as condições para a sua própria destruição. A incerteza substancial que implica pode dissuadir o investimento e bloquear o crescimento em economias já frágeis. Mas o pensamento autocrático e populista também pode prosperar com esse medo, razão pela qual os autodenominados "democratas não-liberais" prometem certeza e continuidade, fazendo muitas vezes um pacto com alguma parte da classe empresarial para as garantir.
 
Neste momento, o Reino Unido dá um exemplo impressionante de economia pós-populista. O resultado do referendo do Brexit não provocou a catástrofe económica que grande parte dos apoiantes do "Remain" havia antecipado. No entanto, o rescaldo do Brexit foi marcado por consideráveis incertezas e propostas incompatíveis para o futuro do país, o que provocou lutas internas no Parlamento e no Governo da primeira-ministra britânica Theresa May.
 
Com a consequente angústia económica e tensão política, o Brexit não é um modelo atraente para outros países europeus. E, na verdade, as sondagens mostraram um maior apoio à União Europeia na maioria dos Estados-membros - mas não em todos - desde a realização do referendo.
 
A futura administração de Trump criará, provavelmente, problemas semelhantes, e a promessa do presidente eleito de permanecer "imprevisível" poderá manchar ainda mais o modelo populista, especialmente se os receios de uma guerra comercial, ou um aumento dramático do dólar devido a uma política orçamental menos rígida e uma política monetária mais apertada, provocarem mais incerteza económica.
 
Mas os Estados Unidos podem ser excepcionalmente resistentes: dado que, historicamente, o país tem sido o refúgio global em tempos de incerteza económica, pode ser menos afectado do que outros pela imprevisibilidade política. Após a crise financeira de 2008 - uma crise que teve origem nos EUA - o efeito de refúgio fez com que o dólar se fortalecesse à medida que as entradas de capital subiam. O mesmo aconteceu nas semanas desde a vitória de Trump.
 
Assim, a economia do populismo norte-americano não falhará necessariamente, pelo menos não no imediato, e isso poderá aumentar o seu apelo aos olhos de líderes autocráticos e nacionalistas que venham a olhar para Trump como um colega e modelo. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, não perdeu tempo em assinar a agenda de Trump.
 
Um país grande como os EUA pode geralmente impor os custos da sua imprevisibilidade a outros países, especialmente mercados emergentes. Mas países menores, como o Reino Unido, tendem a enfrentar custos mais imediatos, além de serem mais vulneráveis às políticas populistas dos grandes países.
 
À medida que os países reflectem sobre essas lições, podem começar a formar blocos regionais defensivos para se protegerem do contágio populista. Por exemplo, a China poderia começar a falar por toda a Ásia; e a UE poderia finalmente encontrar formas de se unir contra aqueles que ameaçam despedaçá-la. Na pior das hipóteses, este novo regionalismo poderia alimentar animosidades geopolíticas e retomar as tensões da década de 1930; na melhor das hipóteses, a integração regional poderia preparar o terreno para reformas de governação extremamente necessárias e, assim, abrir caminho para sair da armadilha populista.
 
Harold James é professor de História e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e membro sénior no Center for International Governance Innovation.
 
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

Harold James
02 de Dezembro de 2016 às 20:00
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