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A banca e a economia real
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A banca e a economia real
O sistema bancário é irmão siamês da economia real e o balanço dos bancos reflecte as escolhas dos agentes económicos: crédito ao consumo ou à habitação no que toca às famílias e financiamento do fundo de maneio ou do investimento no que toca às empresas. Também mostra através do crédito malparado ou de difícil cobrança a situação económico-financeira desses clientes.
Num país saído há pouco tempo dum difícil Programa de Ajustamento Económico-Financeiro por ter chegado à bancarrota em 2011 e que neste momento enfrenta um negro triângulo entre crescimento económico anémico, dívidas pública e privada elevadíssimas e retrocesso nas tímidas reformas estruturais feitas pelo governo de coligação CDS-PSD, não é de surpreender que a banca operando em Portugal sinta os reflexos da péssima performance macroeconómica do país.
Acresce que, a nível da estrutura empresarial, o país está crescentemente dualizado: por um lado, um conjunto de boas empresas (infelizmente poucas), normalmente exportadoras, e, por outro lado, um número infelizmente muito grande de pequenas e médias empresas, muito endividadas e normalmente concentradas no mercado doméstico, que se contraiu com o Programa de Ajustamento.
Como o modelo de negócios da banca comercial consiste em transformar depósitos (produto de capital garantido) em crédito, o que implica uma cuidada gestão do risco de crédito, é fácil de compreender que todos os nossos bancos queiram financiar as primeiras, o que leva a grande competição entre eles com o consequente esmagamento dos spreads do crédito, e não financiem as segundas.
O problema das empresas altamente endividadas não se resolve dando mais crédito, o que significaria mais endividamento, mas sim, naquelas que sejam economicamente viáveis, reestruturando os seus balanços e injectando novo capital, quer através de fundos de recapitalização (que utilizariam o que eu chamo os CoCos para a economia real) quer estimulando os próprios empresários a injectar capital nas empresas, o que passa por aceitar como custo fiscal o custo de oportunidade dos capitais próprios.
Assim sendo, as dificuldades no financiamento à economia real não estão ligadas à falta de liquidez da banca (a banca tem tido liquidez) mas sim ao problema do risco do crédito. Temos "too much banks and too much liquidity to chase a few good companies"! Há, assim, excesso de capacidade instalada, o que vai levar certamente a novas operações de concentração e de redução de capacidade.
Por outro lado, o ambiente de baixas taxas de juro e agora até de taxas negativas também afecta profundamente a margem financeira dos bancos.
Também a margem complementar está a ser esmagada por via designadamente das limitações postas pela regulação às comissões cobradas nos sistemas de pagamentos.
Do lado dos custos, temos os seguintes itens: (1) os impostos pelos reguladores e supervisores, uma autêntica overdose de reacção ao laxismo regulatório que levou à gravíssima crise de 2007; (2) os exigidos pelo investimento quer na banca digital, com a consequente factura na redução de balcões, quer nos sistemas de pagamentos que enfrentam a ameaça das fintechs e dos grandes players da informação; (3) os derivados do provisionamento do crédito malparado, autêntica legacy que os bancos enfrentam.
É então fácil de perceber que as pressões descendentes sobre o produto bancário e ascendentes sobre os custos levam a rendibilidades para os accionistas (ROE - Return on Equity) muito baixas ou mesmo tendencialmente negativas.
Parece não haver capital português (teremos uma economia capitalista sem capital) ainda que haja quem diga que há (embora não no montante necessário) e até há quem pense ser possível ele aparecer, se houvesse outras condições... Assim sendo e como os bancos europeus e ocidentais não veem interesse em investir em Portugal, mercado pequeno e, como vimos, pouco rentável, restam pois os bancos espanhóis, que veem o mercado português como extensão do espanhol, e os dos países emergentes como a China, que não olham à rendibilidade de curto prazo, antes investem aqui por razões estratégicas de longo prazo, vendo-nos como plataforma de entrada nos mercados europeus.
Sendo a banca essencial à economia real e não havendo capital português, há que ser realista e tentar jogar na diversificação possível, não ficando dependente apenas de uma geografia económica.
* Engenheiro e economista
13 DE DEZEMBRO DE 2016
00:00
Luís Mira Amaral *
Diário de Notícias
Num país saído há pouco tempo dum difícil Programa de Ajustamento Económico-Financeiro por ter chegado à bancarrota em 2011 e que neste momento enfrenta um negro triângulo entre crescimento económico anémico, dívidas pública e privada elevadíssimas e retrocesso nas tímidas reformas estruturais feitas pelo governo de coligação CDS-PSD, não é de surpreender que a banca operando em Portugal sinta os reflexos da péssima performance macroeconómica do país.
Acresce que, a nível da estrutura empresarial, o país está crescentemente dualizado: por um lado, um conjunto de boas empresas (infelizmente poucas), normalmente exportadoras, e, por outro lado, um número infelizmente muito grande de pequenas e médias empresas, muito endividadas e normalmente concentradas no mercado doméstico, que se contraiu com o Programa de Ajustamento.
Como o modelo de negócios da banca comercial consiste em transformar depósitos (produto de capital garantido) em crédito, o que implica uma cuidada gestão do risco de crédito, é fácil de compreender que todos os nossos bancos queiram financiar as primeiras, o que leva a grande competição entre eles com o consequente esmagamento dos spreads do crédito, e não financiem as segundas.
O problema das empresas altamente endividadas não se resolve dando mais crédito, o que significaria mais endividamento, mas sim, naquelas que sejam economicamente viáveis, reestruturando os seus balanços e injectando novo capital, quer através de fundos de recapitalização (que utilizariam o que eu chamo os CoCos para a economia real) quer estimulando os próprios empresários a injectar capital nas empresas, o que passa por aceitar como custo fiscal o custo de oportunidade dos capitais próprios.
Assim sendo, as dificuldades no financiamento à economia real não estão ligadas à falta de liquidez da banca (a banca tem tido liquidez) mas sim ao problema do risco do crédito. Temos "too much banks and too much liquidity to chase a few good companies"! Há, assim, excesso de capacidade instalada, o que vai levar certamente a novas operações de concentração e de redução de capacidade.
Por outro lado, o ambiente de baixas taxas de juro e agora até de taxas negativas também afecta profundamente a margem financeira dos bancos.
Também a margem complementar está a ser esmagada por via designadamente das limitações postas pela regulação às comissões cobradas nos sistemas de pagamentos.
Do lado dos custos, temos os seguintes itens: (1) os impostos pelos reguladores e supervisores, uma autêntica overdose de reacção ao laxismo regulatório que levou à gravíssima crise de 2007; (2) os exigidos pelo investimento quer na banca digital, com a consequente factura na redução de balcões, quer nos sistemas de pagamentos que enfrentam a ameaça das fintechs e dos grandes players da informação; (3) os derivados do provisionamento do crédito malparado, autêntica legacy que os bancos enfrentam.
É então fácil de perceber que as pressões descendentes sobre o produto bancário e ascendentes sobre os custos levam a rendibilidades para os accionistas (ROE - Return on Equity) muito baixas ou mesmo tendencialmente negativas.
Parece não haver capital português (teremos uma economia capitalista sem capital) ainda que haja quem diga que há (embora não no montante necessário) e até há quem pense ser possível ele aparecer, se houvesse outras condições... Assim sendo e como os bancos europeus e ocidentais não veem interesse em investir em Portugal, mercado pequeno e, como vimos, pouco rentável, restam pois os bancos espanhóis, que veem o mercado português como extensão do espanhol, e os dos países emergentes como a China, que não olham à rendibilidade de curto prazo, antes investem aqui por razões estratégicas de longo prazo, vendo-nos como plataforma de entrada nos mercados europeus.
Sendo a banca essencial à economia real e não havendo capital português, há que ser realista e tentar jogar na diversificação possível, não ficando dependente apenas de uma geografia económica.
* Engenheiro e economista
13 DE DEZEMBRO DE 2016
00:00
Luís Mira Amaral *
Diário de Notícias
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