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ECONOMIA: Estado mínimo, máximo ou realista?
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ECONOMIA: Estado mínimo, máximo ou realista?
O argumentário à direita vai no sentido da redução da carga fiscal para o cenário de “Estado mínimo”. Convinha que explicassem como se reduziria impostos e défice sem cortes de salários e pensões.
1. “A alma que não tem um ponto de mira perde-se, pois, como sói dizer-se, é não estar em parte nenhuma em todo o lado estar.” Esta frase de Montaigne é muito verdadeira e, aplicando-se no caso a indivíduos, também se pode aplicar a países. Neste início de ano, são muitas as incertezas externas, em relação às quais pouco ou nada poderemos fazer, para além de precárias previsões. A Alemanha deverá continuar com a senhora Merkel, a ser um bastião de estabilidade, infelizmente acompanhada pelo poderoso senhor Schauble. Na França, a teoria do votante mediano prevê que seja Fillon, o candidato mediano situado entre o candidato de esquerda e Marine Le Pen, o próximo Presidente. Ainda assim, não podendo afectar os eventos externos, podemos e devemos atuar sobre os internos.
Portugal continua a sofrer de graves desequilíbrios macroeconómicos e sociais e debilidades institucionais. Qualquer solução governativa estável permite avanços importantes nalgumas áreas, e noutras comporta riscos e não permite avanços. Por exemplo, nesta legislatura sabemos que não haverá nenhuma revisão constitucional que possa mitigar algumas das nossas debilidades institucionais: a ausência de moção de censura construtiva, o fechamento do nosso sistema eleitoral, ou a inexistência de referência explícita à dívida pública que, como bem sabemos, pode pôr em causa o bem-estar das gerações futuras e a soberania nacional.
Mas há outras dimensões em que é necessário apostar durante esta legislatura, que considero de transição entre uma austeridade excessiva e sem critério (e.g. privatizando empresas, como os CTT, cujo valor actualizado dos rendimentos futuros será muito superior ao encaixe financeiro imediato para o Estado) e uma dinâmica sustentável de crescimento, bem-estar social e maior justiça social. Transição significa que não é possível fazer a quadratura do círculo, isto é, simultaneamente reduzir o défice e a dívida, sanear o sistema financeiro, reduzir a carga fiscal, melhorar a qualidade dos serviços públicos, reduzir as desigualdades, tudo isto com um crescimento económico modesto. É preciso identificar o que não é possível implementar e definir prioridades em relação ao que é possível.
Sejamos claros. Primeiro, ceteris paribus, não vai ser possível reduzir de forma significativa a carga fiscal nesta legislatura, visto ser necessário reduzir o défice orçamental (e através deste a dívida) e assegurar a qualidade dos serviços públicos. Segundo, há que dar prioridade ao saneamento do sistema financeiro, pelo que enquanto for necessário (como foi em 2014, 2015 e será em 2017 com a CGD) injetar capital na banca, será difícil diminuir significativamente o rácio da dívida no PIB. Um dos problemas das análises sobre a sustentabilidade da dívida é que geralmente olham para três variáveis importantes (crescimento real, taxa de juro e saldo primário), mas “esquecem” as necessidades de financiamento não orçamentais como as de capitalização da banca. A transição na banca significa que há que resolver dois problemas: o da recapitalização e o do crédito mal parado.
Terceiro, o problema do fraco crescimento económico, tem uma explicação. Não é o fraco consumo privado, nem o público, nem é essencialmente a procura externa (exportações e importações). É o investimento (público e privado). Há, assim, que tomar várias medidas que o promovam, sendo que algumas já estão a ser implementadas.
2. Para que as opções de política até 2020 não se percam numa nebulosa de detalhes e medidas específicas, é importante ter um mapa realista dos caminhos que podem ser trilhados. Num artigo (em co-autoria com Luís Teles Morais) debatido largamente em 2014, e apresentado na Conferência Gulbenkian, em Outubro desse ano, apresentei o mapa 2014-2020 que continuo a considerar actual. Nos três cenários base que formulámos (ver artigo ou slide 9), o peso do Estado na economia, em 2020: i) seria respetivamente igual ao de 2014, cerca de 48% do PIB (“Estado máximo”); ii) reduzir-se-ia drasticamente nestes seis anos para 40% (“Estado mínimo”); iii) reduzir-se-ia moderadamente para cerca de 45% (“Estado moderado”). Das hipóteses subjacentes à nossa análise, realço que assumimos um crescimento real conservador (de 1% a 1,5%), abaixo das previsões oficiais de então, que eram de 1,5%. O cenário do “Estado máximo” foi por nós rejeitado na base de que ou obrigaria a um aumento da carga fiscal insustentável, ou exigiria uma renegociação da dívida que reduzisse substancialmente os juros. O cenário do “Estado mínimo” foi também rejeitado, porque só seria possível com cortes substanciais e permanentes em salários e pensões, o que seria, na minha opinião, quer um erro do ponto de vista da política económica, quer algo inaceitável do ponto de vista social, político e institucional.
O cenário moderado que advogámos é compaginável com um aumento da despesa pública, desde que esta se faça a um ritmo inferior ao crescimento do PIB nominal. Dado o peso dos salários e prestações sociais na despesa pública, só um crescimento agregado destas duas componentes, abaixo do crescimento do PIB nominal, permite seguir esta trajetória, que faria convergir o peso do Estado na economia para um valor razoável de acordo com o nível do nosso produto (per capita).
Dois anos volvidos deste escrito é possível não só ler as propostas do governo PS, como as dos seus parceiros à esquerda e da sua oposição de direita. O Programa de Estabilidade (PE 2016-2019) elaborado pelas Finanças é mais optimista no crescimento económico e na inflação e isso explica que haja uma diminuição do peso do Estado mais acelerada até 2020, do que no nosso cenário central, para 42,4% e do nível de fiscalidade para 42,7%. Esperamos que o próximo PE 2017-20, seja mais realista. As pressões à esquerda já foram e continuarão a ser no sentido do aumento da despesa acima do crescimento do PIB nominal. É importante monitorar a despesa em 2017 para verificar que tal não acontece. O argumentário à direita vai no sentido da redução da carga fiscal para o cenário de “Estado mínimo”. Mesmo ao nível da retórica política, convinha que explicassem como seria possível reduzir impostos e o défice sem cortes de salários e pensões.
3. Por fim, os riscos e os desafios. Para além da sustentabilidade do sistema financeiro e do aumento do investimento, há três grandes desafios para 2017, numa perspetiva de futuro, que são comuns aos partidos que apoiam a atual solução governativa. O primeiro é a preparação da abertura gradual de carreiras e remunerações na função pública em 2018, essencial para garantir a qualidade dos serviços públicos. O segundo, a melhoria do modelo de governação do sector empresarial do Estado.
O terceiro é o estudo de soluções técnicas para aliviar os encargos com a dívida pública. Se é certo que só depois das eleições alemãs se poderá falar politicamente, no contexto europeu e de forma multilateral, da renegociação ou reestruturação de dívidas soberanas, não há razões para que os portugueses (na academia, think tanks, etc.) não participem no debate técnico que já começou à escala europeia sobre este tema.
Paulo Trigo Pereira
3/1/2017, 7:41
Observador
1. “A alma que não tem um ponto de mira perde-se, pois, como sói dizer-se, é não estar em parte nenhuma em todo o lado estar.” Esta frase de Montaigne é muito verdadeira e, aplicando-se no caso a indivíduos, também se pode aplicar a países. Neste início de ano, são muitas as incertezas externas, em relação às quais pouco ou nada poderemos fazer, para além de precárias previsões. A Alemanha deverá continuar com a senhora Merkel, a ser um bastião de estabilidade, infelizmente acompanhada pelo poderoso senhor Schauble. Na França, a teoria do votante mediano prevê que seja Fillon, o candidato mediano situado entre o candidato de esquerda e Marine Le Pen, o próximo Presidente. Ainda assim, não podendo afectar os eventos externos, podemos e devemos atuar sobre os internos.
Portugal continua a sofrer de graves desequilíbrios macroeconómicos e sociais e debilidades institucionais. Qualquer solução governativa estável permite avanços importantes nalgumas áreas, e noutras comporta riscos e não permite avanços. Por exemplo, nesta legislatura sabemos que não haverá nenhuma revisão constitucional que possa mitigar algumas das nossas debilidades institucionais: a ausência de moção de censura construtiva, o fechamento do nosso sistema eleitoral, ou a inexistência de referência explícita à dívida pública que, como bem sabemos, pode pôr em causa o bem-estar das gerações futuras e a soberania nacional.
Mas há outras dimensões em que é necessário apostar durante esta legislatura, que considero de transição entre uma austeridade excessiva e sem critério (e.g. privatizando empresas, como os CTT, cujo valor actualizado dos rendimentos futuros será muito superior ao encaixe financeiro imediato para o Estado) e uma dinâmica sustentável de crescimento, bem-estar social e maior justiça social. Transição significa que não é possível fazer a quadratura do círculo, isto é, simultaneamente reduzir o défice e a dívida, sanear o sistema financeiro, reduzir a carga fiscal, melhorar a qualidade dos serviços públicos, reduzir as desigualdades, tudo isto com um crescimento económico modesto. É preciso identificar o que não é possível implementar e definir prioridades em relação ao que é possível.
Sejamos claros. Primeiro, ceteris paribus, não vai ser possível reduzir de forma significativa a carga fiscal nesta legislatura, visto ser necessário reduzir o défice orçamental (e através deste a dívida) e assegurar a qualidade dos serviços públicos. Segundo, há que dar prioridade ao saneamento do sistema financeiro, pelo que enquanto for necessário (como foi em 2014, 2015 e será em 2017 com a CGD) injetar capital na banca, será difícil diminuir significativamente o rácio da dívida no PIB. Um dos problemas das análises sobre a sustentabilidade da dívida é que geralmente olham para três variáveis importantes (crescimento real, taxa de juro e saldo primário), mas “esquecem” as necessidades de financiamento não orçamentais como as de capitalização da banca. A transição na banca significa que há que resolver dois problemas: o da recapitalização e o do crédito mal parado.
Terceiro, o problema do fraco crescimento económico, tem uma explicação. Não é o fraco consumo privado, nem o público, nem é essencialmente a procura externa (exportações e importações). É o investimento (público e privado). Há, assim, que tomar várias medidas que o promovam, sendo que algumas já estão a ser implementadas.
2. Para que as opções de política até 2020 não se percam numa nebulosa de detalhes e medidas específicas, é importante ter um mapa realista dos caminhos que podem ser trilhados. Num artigo (em co-autoria com Luís Teles Morais) debatido largamente em 2014, e apresentado na Conferência Gulbenkian, em Outubro desse ano, apresentei o mapa 2014-2020 que continuo a considerar actual. Nos três cenários base que formulámos (ver artigo ou slide 9), o peso do Estado na economia, em 2020: i) seria respetivamente igual ao de 2014, cerca de 48% do PIB (“Estado máximo”); ii) reduzir-se-ia drasticamente nestes seis anos para 40% (“Estado mínimo”); iii) reduzir-se-ia moderadamente para cerca de 45% (“Estado moderado”). Das hipóteses subjacentes à nossa análise, realço que assumimos um crescimento real conservador (de 1% a 1,5%), abaixo das previsões oficiais de então, que eram de 1,5%. O cenário do “Estado máximo” foi por nós rejeitado na base de que ou obrigaria a um aumento da carga fiscal insustentável, ou exigiria uma renegociação da dívida que reduzisse substancialmente os juros. O cenário do “Estado mínimo” foi também rejeitado, porque só seria possível com cortes substanciais e permanentes em salários e pensões, o que seria, na minha opinião, quer um erro do ponto de vista da política económica, quer algo inaceitável do ponto de vista social, político e institucional.
O cenário moderado que advogámos é compaginável com um aumento da despesa pública, desde que esta se faça a um ritmo inferior ao crescimento do PIB nominal. Dado o peso dos salários e prestações sociais na despesa pública, só um crescimento agregado destas duas componentes, abaixo do crescimento do PIB nominal, permite seguir esta trajetória, que faria convergir o peso do Estado na economia para um valor razoável de acordo com o nível do nosso produto (per capita).
Dois anos volvidos deste escrito é possível não só ler as propostas do governo PS, como as dos seus parceiros à esquerda e da sua oposição de direita. O Programa de Estabilidade (PE 2016-2019) elaborado pelas Finanças é mais optimista no crescimento económico e na inflação e isso explica que haja uma diminuição do peso do Estado mais acelerada até 2020, do que no nosso cenário central, para 42,4% e do nível de fiscalidade para 42,7%. Esperamos que o próximo PE 2017-20, seja mais realista. As pressões à esquerda já foram e continuarão a ser no sentido do aumento da despesa acima do crescimento do PIB nominal. É importante monitorar a despesa em 2017 para verificar que tal não acontece. O argumentário à direita vai no sentido da redução da carga fiscal para o cenário de “Estado mínimo”. Mesmo ao nível da retórica política, convinha que explicassem como seria possível reduzir impostos e o défice sem cortes de salários e pensões.
3. Por fim, os riscos e os desafios. Para além da sustentabilidade do sistema financeiro e do aumento do investimento, há três grandes desafios para 2017, numa perspetiva de futuro, que são comuns aos partidos que apoiam a atual solução governativa. O primeiro é a preparação da abertura gradual de carreiras e remunerações na função pública em 2018, essencial para garantir a qualidade dos serviços públicos. O segundo, a melhoria do modelo de governação do sector empresarial do Estado.
O terceiro é o estudo de soluções técnicas para aliviar os encargos com a dívida pública. Se é certo que só depois das eleições alemãs se poderá falar politicamente, no contexto europeu e de forma multilateral, da renegociação ou reestruturação de dívidas soberanas, não há razões para que os portugueses (na academia, think tanks, etc.) não participem no debate técnico que já começou à escala europeia sobre este tema.
Paulo Trigo Pereira
3/1/2017, 7:41
Observador
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