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Os jornalistas devem fazer uma declaração de interesses pública?
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Os jornalistas devem fazer uma declaração de interesses pública?
Devem os jornalistas portugueses apresentar regularmente uma declaração de interesses, acessível a todos os leitores, na qual listem as relações que possam influenciar a independência do seu trabalho?
O congresso dos jornalistas portugueses, que se realiza para a semana, promete discutir os problemas éticos da profissão, assolada por uma crise de credibilidade para a qual contribuem muitos fatores externos ao próprio jornalismo.
A verdade, porém, é que o jornalismo independente também contribuiu para essa perda de credibilidade: crónicos problemas, acumulados ao longo de décadas, de carreirismo, servilismo, amiguismo e elitismo transformaram o jornalismo, aos olhos de muitos leitores, num meio de os poderes já estabelecidos se perpetuarem, se propagandearem e rejuvenescerem.
É certamente uma apreciação injusta para a esmagadora, muito esmagadora, maioria dos jornalistas portugueses mas os sinais de que essa perceção em largos setores do público (a tese de que o jornalismo está ao serviço de fações do poder que abusam das benesses da democracia para recolherem benefícios próprios) são evidentes e justificam, em boa medida, o êxito das falsidades espalhadas pelas redes sociais, máquinas de boatos apresentadas como "informação alternativa" e que ganham adesão na legião de céticos sobre a verdade difundida pelo jornalismo de grande difusão que, ainda por cima, legitima essas mentiras ao dar-lhes dignidade de notícia ou comentário - mesmo quando tenta desmascará-las.
Aumentar a lista de incompatibilidades do exercício da profissão do jornalista, como parece ser a tendência dos organizadores do congresso, parece-me inútil - suspender a carteira profissional para trabalhar noutras atividades e voltar, cumprida essa fase, ao jornalismo, é uma prática relativamente frequente, não se deve evitar (já cá faltava haver proscritos para sempre numa profissão de liberdade) e a eventual suspeita de promiscuidade que esse ziguezaguear levanta não diminui por se aumentar a lista de motivos para tal exercício.
Um jornalista pode ter uma carreira construída a servir sociedades secretas em vez de servir leitores. Um jornalista pode esconder a sua preferência partidária e enganar quem o lê. Um jornalista pode omitir qual o clube do seu coração e simular isenção. Pode servir secretamente um candidato a primeiro-ministro e ir parar ao governo. Pode, sem razão válida, escrever um milhão de notícias com base em fontes anónimas, não verificadas. Pode recusar corrigir publicamente os erros que comete. Pode deturpar o respeito pelo exercício do direito de resposta dos alvos das suas notícias. Isto corrói o prestígio do jornalismo.
A recuperação da credibilidade do jornalista e do jornalismo (que, de uma forma ou de outra, acontecerá, até por ser essencial para convencer as pessoas de que vale a pena pagar para ter informação) vai ser um processo longo, demorado e que passará por várias etapas.
Uma ideia que julgo poder acelerar esse processo é a de os jornalistas portugueses preencherem regularmente uma declaração de interesses, voluntária, que abranja as influências ou ligações profissionais, contratuais, patronais, políticas, familiares, económicas, desportivas, culturais ou outras que podem, de alguma forma, direta ou indiretamente, influenciar o exercício da sua profissão.
Talvez o congresso dos jornalistas esteja de acordo com esta proposta, em nome da mesma transparência que tantas vezes nós, jornalistas, exigimos aos políticos. Parece-me básico.
03 DE JANEIRO DE 2017
00:01
Pedro Tadeu
Diário de Notícias
O congresso dos jornalistas portugueses, que se realiza para a semana, promete discutir os problemas éticos da profissão, assolada por uma crise de credibilidade para a qual contribuem muitos fatores externos ao próprio jornalismo.
A verdade, porém, é que o jornalismo independente também contribuiu para essa perda de credibilidade: crónicos problemas, acumulados ao longo de décadas, de carreirismo, servilismo, amiguismo e elitismo transformaram o jornalismo, aos olhos de muitos leitores, num meio de os poderes já estabelecidos se perpetuarem, se propagandearem e rejuvenescerem.
É certamente uma apreciação injusta para a esmagadora, muito esmagadora, maioria dos jornalistas portugueses mas os sinais de que essa perceção em largos setores do público (a tese de que o jornalismo está ao serviço de fações do poder que abusam das benesses da democracia para recolherem benefícios próprios) são evidentes e justificam, em boa medida, o êxito das falsidades espalhadas pelas redes sociais, máquinas de boatos apresentadas como "informação alternativa" e que ganham adesão na legião de céticos sobre a verdade difundida pelo jornalismo de grande difusão que, ainda por cima, legitima essas mentiras ao dar-lhes dignidade de notícia ou comentário - mesmo quando tenta desmascará-las.
Aumentar a lista de incompatibilidades do exercício da profissão do jornalista, como parece ser a tendência dos organizadores do congresso, parece-me inútil - suspender a carteira profissional para trabalhar noutras atividades e voltar, cumprida essa fase, ao jornalismo, é uma prática relativamente frequente, não se deve evitar (já cá faltava haver proscritos para sempre numa profissão de liberdade) e a eventual suspeita de promiscuidade que esse ziguezaguear levanta não diminui por se aumentar a lista de motivos para tal exercício.
Um jornalista pode ter uma carreira construída a servir sociedades secretas em vez de servir leitores. Um jornalista pode esconder a sua preferência partidária e enganar quem o lê. Um jornalista pode omitir qual o clube do seu coração e simular isenção. Pode servir secretamente um candidato a primeiro-ministro e ir parar ao governo. Pode, sem razão válida, escrever um milhão de notícias com base em fontes anónimas, não verificadas. Pode recusar corrigir publicamente os erros que comete. Pode deturpar o respeito pelo exercício do direito de resposta dos alvos das suas notícias. Isto corrói o prestígio do jornalismo.
A recuperação da credibilidade do jornalista e do jornalismo (que, de uma forma ou de outra, acontecerá, até por ser essencial para convencer as pessoas de que vale a pena pagar para ter informação) vai ser um processo longo, demorado e que passará por várias etapas.
Uma ideia que julgo poder acelerar esse processo é a de os jornalistas portugueses preencherem regularmente uma declaração de interesses, voluntária, que abranja as influências ou ligações profissionais, contratuais, patronais, políticas, familiares, económicas, desportivas, culturais ou outras que podem, de alguma forma, direta ou indiretamente, influenciar o exercício da sua profissão.
Talvez o congresso dos jornalistas esteja de acordo com esta proposta, em nome da mesma transparência que tantas vezes nós, jornalistas, exigimos aos políticos. Parece-me básico.
03 DE JANEIRO DE 2017
00:01
Pedro Tadeu
Diário de Notícias
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