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A caminho do ‘impeachment’?
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A caminho do ‘impeachment’?
Trump beneficiará direta ou indiretamente, através das suas empresas, das decisões tomadas diariamente pelos governos de outros Estados e seus agentes. O interesse nacional vacilará, a História tem-nos dito, perante o lucro privado.
Amanhã, quando Donald Trump jurar cumprir e fazer cumprir a Constituição dos EUA, cometerá uma violação – e de particular gravidade – dessa mesma Constituição. Quem o afirma é o Professor Laurence H. Tribe, provavelmente o mais famoso e qualificado constitucionalista norte-americano. O artigo I, secção 9 da Constituição norte-americana consagra a chamada “Emoluments Clause”, ou seja, a regra segundo a qual nenhum político ou funcionário público poderá aceitar presentes, emolumentos, títulos ou valores de qualquer Rei, Príncipe ou Estado estrangeiro. “Emoluments” significa compensação por serviços ou trabalho.
Como todas as normas previstas na lei fundamental americana, velha de 230 anos, também esta tem uma história. O caso é que Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos EUA, após regressar de França, onde foi Embaixador da Confederação, trazia uma singular prenda do Rei Luís XVI: o retrato deste último acompanhado de uma caixa de rapé cravejada de diamantes. Quando chegou perguntou ao Congresso se poderia ficar com o presente. A partir deste episódio (e de outros similares) o tema ficou e os constituintes entenderam melhor consagrar uma norma que resolvesse o assunto, mas com alcance mais amplo.
Não há qualquer precedente judicial na matéria. Ou seja, até hoje nenhum Presidente se aproximou sequer da “Emoluments Clause”, tal a natureza tóxica da questão. Recorde-se que o Presidente Obama tratou de saber se a compensação económica que recebeu por ter sido Nobel da Paz ofendia alguma norma constitucional. Embora a resposta tenha sido negativa acabou por doar o prémio pecuniário a uma organização de solidariedade.
Ainda que Trump tenha aparentemente tentado resolver a questão financeira relativamente às múltiplas empresas de que é dono ou sócio maioritário, os comentadores são unânimes em dizer que nada disso resolve o problema das incompatibilidades e a permanente tentação do interesse privado se sobrepor ao interesse público. Trump beneficiará directa ou indirectamente, através das suas empresas, das decisões tomadas diariamente pelos governos de outros Estados e seus agentes. E, nesses casos, o interesse nacional vacilará, a História tem-nos dito, perante o lucro privado.
A imprensa dá-se conta de algumas situações que ocorreram e ainda Trump não tomou posse. A semana passada, antes do muito polémico telefonema ao presidente de Taiwan, soube-se que um representante da Trump Organizations chegou a Taiwan com vista a tratar de investimentos em hotéis de luxo. É público que os negócios de Trump são devedores de milhões ao Deutsche Bank, o mesmo banco que negoceia com o Departamento de Justiça norte-americano investimentos em imobiliário na ordem de outros tantos milhões. Outro exemplo ainda, mais prosaico: após a eleição de Trump, a Embaixada do Bahrain mudou a celebração do dia nacional do país para o Trump Hotel em Washington.
Estou convencido que casos destes se multiplicarão simplesmente porque não há forma de evitar que tal aconteça. Laurence Tribe defendia, com estes mesmos fundamentos, que os grandes eleitores deveriam ter recusado a eleição de Trump. Tal não aconteceu. Será que mais ano menos anos teremos processo de impeachment?
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Ricardo Leite Pinto, Professor Universitário e Advogado
00:06
Jornal Económico
Amanhã, quando Donald Trump jurar cumprir e fazer cumprir a Constituição dos EUA, cometerá uma violação – e de particular gravidade – dessa mesma Constituição. Quem o afirma é o Professor Laurence H. Tribe, provavelmente o mais famoso e qualificado constitucionalista norte-americano. O artigo I, secção 9 da Constituição norte-americana consagra a chamada “Emoluments Clause”, ou seja, a regra segundo a qual nenhum político ou funcionário público poderá aceitar presentes, emolumentos, títulos ou valores de qualquer Rei, Príncipe ou Estado estrangeiro. “Emoluments” significa compensação por serviços ou trabalho.
Como todas as normas previstas na lei fundamental americana, velha de 230 anos, também esta tem uma história. O caso é que Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos EUA, após regressar de França, onde foi Embaixador da Confederação, trazia uma singular prenda do Rei Luís XVI: o retrato deste último acompanhado de uma caixa de rapé cravejada de diamantes. Quando chegou perguntou ao Congresso se poderia ficar com o presente. A partir deste episódio (e de outros similares) o tema ficou e os constituintes entenderam melhor consagrar uma norma que resolvesse o assunto, mas com alcance mais amplo.
Não há qualquer precedente judicial na matéria. Ou seja, até hoje nenhum Presidente se aproximou sequer da “Emoluments Clause”, tal a natureza tóxica da questão. Recorde-se que o Presidente Obama tratou de saber se a compensação económica que recebeu por ter sido Nobel da Paz ofendia alguma norma constitucional. Embora a resposta tenha sido negativa acabou por doar o prémio pecuniário a uma organização de solidariedade.
Ainda que Trump tenha aparentemente tentado resolver a questão financeira relativamente às múltiplas empresas de que é dono ou sócio maioritário, os comentadores são unânimes em dizer que nada disso resolve o problema das incompatibilidades e a permanente tentação do interesse privado se sobrepor ao interesse público. Trump beneficiará directa ou indirectamente, através das suas empresas, das decisões tomadas diariamente pelos governos de outros Estados e seus agentes. E, nesses casos, o interesse nacional vacilará, a História tem-nos dito, perante o lucro privado.
A imprensa dá-se conta de algumas situações que ocorreram e ainda Trump não tomou posse. A semana passada, antes do muito polémico telefonema ao presidente de Taiwan, soube-se que um representante da Trump Organizations chegou a Taiwan com vista a tratar de investimentos em hotéis de luxo. É público que os negócios de Trump são devedores de milhões ao Deutsche Bank, o mesmo banco que negoceia com o Departamento de Justiça norte-americano investimentos em imobiliário na ordem de outros tantos milhões. Outro exemplo ainda, mais prosaico: após a eleição de Trump, a Embaixada do Bahrain mudou a celebração do dia nacional do país para o Trump Hotel em Washington.
Estou convencido que casos destes se multiplicarão simplesmente porque não há forma de evitar que tal aconteça. Laurence Tribe defendia, com estes mesmos fundamentos, que os grandes eleitores deveriam ter recusado a eleição de Trump. Tal não aconteceu. Será que mais ano menos anos teremos processo de impeachment?
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Ricardo Leite Pinto, Professor Universitário e Advogado
00:06
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