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Receber dinheiro por existir é imoral

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Mensagem por Admin Sex Fev 03, 2017 12:01 pm

Quando uma corrente de pensamento perdeu o seu espaço político, como acontece com a social-democracia, cujo modelo filosófico foi assumido descaradamente pela direita, só resta surpreender. Acordas de manhã e perguntas: que hei de fazer para parecer melhor do que os demais, para oferecer mais do que os outros, para continuar a preservar a ideia de que sou o benfeitor dos deserdados da terra, alguém que não confia no demónio da competitividade e sobretudo para que estes imbecis dos cidadãos continuem a votar em mim? Pois isto foi o que aconteceu a muitos socialistas deslocados do tabuleiro político, sem qualquer presença no debate intelectual e com poucas possibilidade de se reencontrarem com o poder. Mas, claro, numas circunstâncias tão perentórias, a possibilidade de dar com a chave certa é mínima. É isto que se passa com o novo mantra da esquerda mundial, pelo menos da esquerda do meu país, cuja grande ideia é estabelecer um rendimento mínimo vital ou um rendimento básico universal, uma espécie de salário para todos justificado apenas pelo mero facto de existirem.

O que lhes estou a contar não é uma piada. O Partido Socialista do meu país chegou a um acordo com os principais sindicatos, que há muito tempo perderam o norte e contam realmente pouco no cenário social, para promover uma iniciativa parlamentar a favor de um rendimento mínimo de 426 euros para toda a gente que não recebe qualquer espécie de subsídio. Segundo os cálculos dos ilustres promotores da iniciativa, a medida podia ter um custo de 11 mil milhões num ano em que o governo, para cumprir os compromissos de redução do défice público assinados com Bruxelas, tal como Portugal, tem de cortar 15 mil milhões nas despesas públicas convencionais. Mas quando é que um socialista se importou com os gastos do Estado - se custa votos nas urnas -, ou com o equilíbrio fiscal se Bruxelas nos irá dar sempre uma última oportunidade pelo facto de sermos um país demasiado grande para nos deixar cair? A mim também não me tira o sono no que se refere ao rendimento mínimo ou básico, o custo económico, para ser transcendente. Interessa-me a sua origem, as razões por que nunca foi implementado e as consequências que poderia trazer. Este veneno inoculado nos partidos populistas da moda chegou já ao poder em alguns países que o imaginário público considera muito avançados. A Finlândia, por exemplo, vai fazer uma experiência com o rendimento básico. Uma experiência real para provocar situações e estudar os seus resultados.

O governo vai distribuir incondicionalmente 560 euros por mês a duas mil pessoas durante dois anos para estudar a sua reação. Cidadãos escolhidos ao acaso entre os desempregados. A experiência finlandesa recebeu grande atenção em Espanha. Não tanto pelo interesse científico que possa suscitar, mas porque alguns partidos como o socialista ou o populista Podemos fizeram do rendimento mínimo o ponto central dos seus manifestos eleitorais e iniciativas parlamentares. Segundo o economista espanhol Fernando Fernández, que sabe bastante deste fenómeno, do que dizem que se trata no país nórdico, imerso numa crise económica e vital considerável após a falência da Nokia, é de responder à automatização, de reconhecer que na nova economia digital nem todos podemos ter trabalho, e comprovar os efeitos que teria um rendimento garantido na procura de emprego e no comportamento laboral.

Mas o meu amigo é muito cético. A ideia de que as máquinas vão substituir o trabalho do homem é tão velha quanto a própria humanidade. Revolução tecnológica após revolução tecnológica acabamos sempre por concluir que as máquinas e os homens são complementares. Que por cada emprego que a máquina retira aos homens aparecem milhares de novas possibilidades de emprego e de geração de rendimentos. E sempre para o bem. É verdade que muitos trabalhos desapareceram, mas também que foram substituídos por novas ocupações que antes nem podíamos imaginar. Quantas pessoas conhece que se dedicam a atividades que há dez anos não existiam?

Mas esta poderosa prova empírica não foi impedimento para que, desde sempre, o homem se queira livrar da maldição bíblica. E para que, a cada nova mudança, apareçam correntes de pensamento que rejeitam as novidades tecnológicas ou apóstolos do futuro que, como vendedores de banha da cobra, nos anunciam a superação definitiva da escravidão do trabalho. Estes são hoje muito mais numerosos e perigosos. E alguns deles estão por detrás da experiência finlandesa, que ao fim e ao cabo consiste pura e simplesmente em receber dinheiro por existir, o que é pura frivolidade.

A ideia do rendimento mínimo garantido tem na política económica uma aceitação interessante. E raízes profundamente liberais. Muitos se surpreenderão ao saber que surgiu em força com a proposta de um imposto negativo sobre o rendimento num livro de Milton Friedman, Capitalismo e Liberdade, em 1962. Nasceu curiosamente da sua rejeição a todo o tipo de impostos e do zelo liberal de igualar a dotação inicial de recursos para assegurar uma concorrência justa entre todos os indivíduos. Conta Fernández que foi tão popular nos anos 1960 que nos tempos da Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson, o Instituto para a Investigação da Pobreza da Universidade de Wisconsin começou a realizar experiências em algumas pequenas cidades de Nova Jérsia. Mas estas experiências acabaram num grande fracasso. A razão foi porque tornou-se impossível desenhar um sistema que resolvesse em simultâneo várias dificuldades: (i) que oferecesse uma garantia de rendimentos pelo menos tão generosa quanto a existente, com os diferentes programas de transferências monetárias diretas e de pagamentos em espécie (saúde, educação, etc.), que ia substituir; (ii) que respeitasse os incentivos para trabalhar e não gerasse efeitos perversos sobre a oferta de trabalho, em número de pessoas e horas de emprego, nem sobre a mobilidade e a flexibilidade do mercado laboral, convertendo-se numa armadilha de pobreza e subsídios; (iii) que limitasse a cobertura a uma percentagem manejável e socialmente aceitável da população, de forma a ser financiado sem necessidade de grandes aumentos impositivos que pusessem em perigo o crescimento futuro; (iv) e que não representasse um custo administrativo e de gestão excessivo.

Se este foi o juízo político e académico dos felizes anos 1060 norte-americanos, é difícil imaginar que este louvável projeto vai ser hoje mais viável. Por várias razões: temos uma economia aberta e global, pelo que um rendimento básico universal produziria um efeito letal para a sustentabilidade financeira do Estado. Hoje, a concorrência internacional é feroz e implica uma restrição inevitável para qualquer governo que deseje o progresso e a prosperidade dos seus cidadãos. Além disso, os benefícios de que goza a população são hoje mais generosos e estão mais interligados do que antes para ser possível evitar os abusos e a corrupção que podia gerar o pagamento universal generalizado.

O rendimento básico é um velho sonho progressista com origens profundamente liberais que já foi rejeitado nos anos 1960 pelas suas imensas dificuldades práticas, políticas e económicas. É ingénuo ou injusto propô-lo como a resposta pós-moderna a um mundo sem emprego onde as máquinas inteligentes trabalham para nós. E sobretudo parece-me que receber dinheiro pelo simples facto de existir é profundamente imoral. Uma rebelião injustificada contra a natureza, contra os dons que Deus nos deu para explorarmos completamente com o objetivo de prosperar. Um rendimento básico torná-los-ia estéreis.

03 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Miguel Angel Belloso
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