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O que é bonito agora?
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O que é bonito agora?
E era bonito ter 20 anos e ouvir Jorge Palma no walkman numa cassete gravada. Ou viver a ansiedade sem saber se o telefone tocava ou não, sem saber quem era quando tocava.
O tempo passa, eu sei. Agora uso óculos de ver ao perto, oiço música com anos e não sei o que pensam os adolescentes, os miúdos de 20 anos ou de 25 para quem sou uma mulher de meia idade como a mãe, as tias ou as amigas da mãe. Sou aquela senhora que gosta de puxar à conversa coisas esquisitas, antigas e distantes como namorar pelo telefone fixo de casa ou falar de viagens de comboio a ouvir cassetes no walkman. E de como era difícil desligar a chamada, dizer até amanhã.
Doía, aquilo doía quando era amor e era sempre. Nunca era outra coisa, uma versão assim mais branda, menos séria, menos arrebatadora. Hoje não sei como é, mas eu sou uma senhora de meia idade, tinha 20 anos em 1991 e as miúdas românticas desse tempo sabiam de certeza que, nesta vida, havia um amor, apenas um, para cada pessoa. Os livros, a poesia, os filmes e até as novelas da televisão diziam isso e era assim, estava decidido.
O coração batia descompassado, falava-se baixinho ao telefone, dizia-se até amanhã a custo depois da mãe gritar três vezes que a conta estava cada vez maior. E depois era preciso agarrar as palavras, mantê-las vivas, sonhar com elas, gravar a memória. O amor era a memória das conversas ao telefone, das mãos dadas no escuro do cinema, da cerveja na esplanada e do sol a bater no cabelo no passeio por Lisboa, depois das aulas. E era a dedicatória num livro, uma rosa seca dentro da gaveta, fracções de vida que não se podiam puxar para trás.
Estava ali, na nossa cabeça, ia connosco para qualquer lado, às vezes, nem uma fotografia, que eram caras e nós também não queríamos. O bonito era ser assim, arrebatador, apaixonado, tão presente, tão invisível, metade segredo, metade contado. A mãe sabia por alto, o pai sabia o que a mãe contava e os amigos o essencial. O que acontecia ficava fechado, privado como as conversas quase sussurradas do telefone preto do quarto de jantar, como a dor de dizer até amanhã ou até depois das férias com o mar pelo meio.
E era bonito ter 20 anos e ouvir Jorge Palma no walkman numa cassete gravada. Ou viver a ansiedade sem saber se o telefone tocava ou não, sem saber quem era quando tocava. Se era importante, engano ou um recado das minhas tias, coisas corriqueiras sobre o pão e as encomendas de ovos. Os recados faziam parte daquela vida e daqueles namoros, os tais que iam durar para sempre, até à velhice, como nos filmes e na poesia. As pessoas morriam, o amor não. Eu tinha decorado o verso, citava-o como se fosse uma máxima.
Não sei como é agora. O tempo passa e eu uso óculos de ver ao perto. Não sou mais uma miúda de cabelo pelas costas que cita versos e tem ideias muito precisas; não sei sequer o que é romântico por estes dias. Uma sms, uma foto no Instagram ou declaração no Facebook? O que dizem os rapazes de agora às raparigas de agora? Isso eu não sei, está tudo mudado, mas espero que digam o mesmo, que as pessoas morrem, mas o amor não. E que o digam com um brilho nos olhos.
MARTA CAIRES / 12 FEV 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
O tempo passa, eu sei. Agora uso óculos de ver ao perto, oiço música com anos e não sei o que pensam os adolescentes, os miúdos de 20 anos ou de 25 para quem sou uma mulher de meia idade como a mãe, as tias ou as amigas da mãe. Sou aquela senhora que gosta de puxar à conversa coisas esquisitas, antigas e distantes como namorar pelo telefone fixo de casa ou falar de viagens de comboio a ouvir cassetes no walkman. E de como era difícil desligar a chamada, dizer até amanhã.
Doía, aquilo doía quando era amor e era sempre. Nunca era outra coisa, uma versão assim mais branda, menos séria, menos arrebatadora. Hoje não sei como é, mas eu sou uma senhora de meia idade, tinha 20 anos em 1991 e as miúdas românticas desse tempo sabiam de certeza que, nesta vida, havia um amor, apenas um, para cada pessoa. Os livros, a poesia, os filmes e até as novelas da televisão diziam isso e era assim, estava decidido.
O coração batia descompassado, falava-se baixinho ao telefone, dizia-se até amanhã a custo depois da mãe gritar três vezes que a conta estava cada vez maior. E depois era preciso agarrar as palavras, mantê-las vivas, sonhar com elas, gravar a memória. O amor era a memória das conversas ao telefone, das mãos dadas no escuro do cinema, da cerveja na esplanada e do sol a bater no cabelo no passeio por Lisboa, depois das aulas. E era a dedicatória num livro, uma rosa seca dentro da gaveta, fracções de vida que não se podiam puxar para trás.
Estava ali, na nossa cabeça, ia connosco para qualquer lado, às vezes, nem uma fotografia, que eram caras e nós também não queríamos. O bonito era ser assim, arrebatador, apaixonado, tão presente, tão invisível, metade segredo, metade contado. A mãe sabia por alto, o pai sabia o que a mãe contava e os amigos o essencial. O que acontecia ficava fechado, privado como as conversas quase sussurradas do telefone preto do quarto de jantar, como a dor de dizer até amanhã ou até depois das férias com o mar pelo meio.
E era bonito ter 20 anos e ouvir Jorge Palma no walkman numa cassete gravada. Ou viver a ansiedade sem saber se o telefone tocava ou não, sem saber quem era quando tocava. Se era importante, engano ou um recado das minhas tias, coisas corriqueiras sobre o pão e as encomendas de ovos. Os recados faziam parte daquela vida e daqueles namoros, os tais que iam durar para sempre, até à velhice, como nos filmes e na poesia. As pessoas morriam, o amor não. Eu tinha decorado o verso, citava-o como se fosse uma máxima.
Não sei como é agora. O tempo passa e eu uso óculos de ver ao perto. Não sou mais uma miúda de cabelo pelas costas que cita versos e tem ideias muito precisas; não sei sequer o que é romântico por estes dias. Uma sms, uma foto no Instagram ou declaração no Facebook? O que dizem os rapazes de agora às raparigas de agora? Isso eu não sei, está tudo mudado, mas espero que digam o mesmo, que as pessoas morrem, mas o amor não. E que o digam com um brilho nos olhos.
MARTA CAIRES / 12 FEV 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
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