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Mensagem por Admin Dom Fev 26, 2017 12:21 pm

Estou à vontade para falar do tema, sempre fui dos que criticaram os offshores, das Maldivas ao Panamá, passando pela Madeira (e também sei os avisos e recados que se ouvem de cada vez que se faz isso). Estou ainda mais à vontade porque por mais simpatia ideológica que tivesse não me coibi de criticar publicamente o anterior governo quando não concordei com as suas medidas fiscais, como foi o caso de certos aspetos da reforma do IRC. Também sempre critiquei o sigilo bancário em matéria fiscal, aliás, logo num dos primeiros textos que publiquei num jornal - chamava-se "Coito fiscal interrompido", no Negócios, por alturas de uma mudança que deu finalmente a possibilidade ao fisco de poder ver as contas dos contribuintes, acabando com aquilo que até então era como se fosse o coito do jogo da apanhada, em que os evasores fiscais podiam folgar as costas nos bancos - e mais recentemente, no ano passado, e num plano mais sério, senti muito orgulho quando um artigo que escrevi com o professor Saldanha Sanches foi citado na decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que acabou com o sigilo bancário, para mais num país em que a distribuição da riqueza ainda tem tanto caminho para fazer.

Voltando a Portugal, há as estatísticas não terem sido publicadas, comecemos por aí. Depois de um despacho corajoso do então secretário de Estado Sérgio Vasques (coragem que também mostrou quanto à Zona Franca da Madeira), e de uma primeira publicação, as estatísticas das transferências feitas para offshores nunca mais foram publicadas. É preciso perceber porquê, sim, e retirar consequências, também, mas sem excitações estatísticas - o ministro da Saúde não é culpado pelas mortes por tuberculose se não forem publicadas as estatísticas das mortes por tuberculose, e não são de certeza as estatísticas que ressuscitam esses mortos nem impedem outros.

Ficamos com os dez mil milhões que, diz-se, não receberam o "devido tratamento", não "foram tratados" (como uma cómoda com caruncho). Talvez recordar duas ou três coisas óbvias: não é proibido fazer pagamentos para o estrangeiro, nem para offshores nem para inshores, e esses pagamentos não têm de ser autorizados pelo governo nem por ninguém (coisa que ainda nos vai distinguindo da Venezuela, graças a Deus). Depois, estamos a falar de tudo isto precisamente porque estes pagamentos foram declarados - o fisco tem todos os dados, montantes, origem, destino, datas, os números das portas para ir lá bater e fazer as perguntas que quiser. E isto não tem nada que ver com as estatísticas estarem ou não publicadas.

Repito: falamos disto porque foram declarados. Só um bandido fiscal muito amador ia ao balcão da Caixa em Telheiras, tirava a senha, pedia o papelinho das transferências (aquele em papel vegetal com o químico já incorporado e que toda a gente finge que consegue ler na cópia que leva para casa depois do funcionário o separar, uns com mais perícia, outros deixando sempre um cantinho agarrado) e transferia da conta à ordem, a que acaba em 692, que a 690 é em conjunto com a minha esposa para as despesas da casa, dois ou três mil milhões para uma empresa nas Bahamas. Descritivo? Pode colocar DLI, dinheiro livre de impostos.

E há ainda um pequeno pormenor: muitas vezes os prestadores de serviços ou vendedores usam estruturas offshore para faturar. E isso não é estranho? Nuns casos será, noutros não, e por isso mesmo a nossa lei prevê que se o contribuinte que faz a transferência não puder demonstrar que tais pagamentos correspondem a uma operação real e que o montante não é exagerado, não apenas não pode deduzir fiscalmente o custo como está sujeito a uma tributação de 35% sobre esse montante. Arriscaria até que o objetivo das eventuais inspeções não é propriamente detetar se o dinheiro transferido corresponde a rendimento não declarado, mas se as faturas em causa correspondem a vendas ou serviços reais ou fictícias. Não se esqueça de que durante o anterior governo - o tal que fechou os olhos aos dez mil milhões, "mais do que os custos todos do SNS" -, nesse governo, o prazo durante o qual o fisco pode investigar estas situações aumentou para doze anos, e portanto até 2024 muitos desses misteriosos pagamentos podem - e devem - ser inspecionados. E também era bom sabermos duas coisas: uma é se todos os pagamentos reportados no Modelo 38 são sempre inspecionados, e outra é saber dos que são inspecionados qual a percentagem que se considera corresponder a "fuga de dinheiro para offshores".

Daqui a dizer que o governo tapou os olhos a fugas para offshores vai um passo grande de mais em desonestidade intelectual. Ah, mas pelo menos tudo isto teve o curioso efeito de desalinhar o eixo Pacheco Pereira-Ferreira Leite nas críticas ao pafismo, com Pacheco a manter-se fiel à linha dos últimos anos, mas Ferreira Leite a lançar-se feroz à esquerda parlamentar e ao primeiro-ministro.

Por falar em extrema-esquerda: e Louçã no Banco de Portugal? Aqui discordo de muitos dos meus amigos liberais e de direita: é claro que Francisco Louçã tem os pergaminhos intelectuais e académicos necessários para integrar o conselho consultivo de um banco central. A lei orgânica refere "quatro personalidades de reconhecida competência em matérias económico-financeiras e empresariais", o que naturalmente permite uma composição heterogénea do conselho, integrando-se sem esforço Francisco Louçã nessa definição, sendo absurdo perguntar-se que empresas geriu ele. Esta indicação, pelo ministro das Finanças e pelo Conselho de Ministros, e a aceitação pelo próprio, indica com uma probabilidade muito forte, arrisco acima dos 90%, que a reestruturação da dívida portuguesa está a ser levada a sério. E esta é a estatística que interessa.

26 DE FEVEREIRO DE 2017
00:29
João Taborda da Gama
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