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O naming da coisa
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O naming da coisa
Dizem que só se domina bem um argumento quando se é capaz de o explicar às criancinhas. Não será fácil, então, encontrar um italiano capaz de explicar a fratura no Partido Democrata, em Itália, a uma criança nem a um estrangeiro adulto. Os próprios italianos não entendem, e a última assembleia geral do partido, onde já se sabia que se ia travar batalha, decorreu com um grupo de militantes à porta a gritar: não façam isso!
Os entusiastas do fim das ideologias nunca imaginariam que - numa fase histórica tão delicada (levante o dedo quem se lembra de fases não delicadas, mas agora um bater de asas dum mosquito em Roma pode mexer com os salários em Lisboa) - um partido que somara 40% dos votos nas europeias de 2014 pudesse dividir-se sobre um problema de agendamento: a data do congresso. Mas a vitória em batalha depende do tempo de manobra das tropas; se Marx está morto, Von Clausewitz goza de ótima saúde. Toda a liderança de Matteo Renzi - pelo menos desde as eleições primárias ganhas em 2013 e a rasteira ao então primeiro-ministro Letta - baseou-se na rapidez do ataque. Numa sociedade em que, cada vez mais, da atividade política é avaliada a performance e a demonstração de resultados, como no desporto e no empreendedorismo, a supremacia tática é tudo o que a política ainda tem para dar?
Ao extinguir-se o Partido Comunista Italiano, após a queda do Muro de Berlim, parecia ainda haver líderes, à esquerda, que olhavam para o mundo e tentavam pelo menos interpretá-lo, mesmo que não conseguissem mudá-lo (atitude já pouco marxista). Um documentário de Nanni Moretti (o título vingou na gíria política: A Coisa) fixou na película aquela dramática travessia do deserto. Depois, as mudanças foram-se tornando cada vez mais prêt-a-porter. Em 1994, Berlusconi mostrou que um partido se podia vender como um sabonete, e a Itália entrou numa época em que o catálogo das forças políticas muda com a ciclicidade inelutável das coleções primavera-verão. Desde então, foi tudo um contínuo alterar de cores e cheiros aos sabonetes, na tentativa de conquistar nichos de mercado. Durante a chamada "II República", não houve quase nenhum confronto eleitoral em que os eleitores - entre coligações e partidos recém-nascidos ou "refundados" - não deparassem com novos nomes e símbolos no boletim de voto, frutos de um trabalho meticuloso de brand naming e product placement que talvez um especialista em marketing possa explicar às criancinhas muito melhor do que um professor de História Contemporânea à moda antiga.
A cisão do PD e o batismo, no sábado passado, do novo DP (Democratas e Progressistas) terá com certeza outras causas que é injusto banalizar, mas é difícil não olhar para ela na perspetiva das fibrilhações pré-eleitorais num país em que os partidos envelhecem mais depressa do que noutros países. Talvez seja uma peculiar estratégia darwiniana de sobrevivência entre flora e fauna local, como no tempo dos governos democratas-cristãos, que morriam e ressurgiam com uma frequência inédita em outros ambientes. O próximo passo, vistas as polémicas que envolvem a Presidente da Câmara de Roma, será assistir ao desgaste do Movimento 5 Estrelas (eis um nome que não esconde o controlo de qualidade imposto por quem o comercializa).
Agora que os DP já têm nome e assentos parlamentares (mais um grupo, mas não mais força, a apoiar o governo Gentiloni), falta o símbolo. "Os copywriters ainda estão a trabalhar", escrevia há dias o Corriere della Sera. E enquanto nas sedes partidárias se procuram logótipos e nomes para a nova "coisa", os ideólogos de rua descobrem simbologias profundas até nos canteiros dos jardins. Em Milão, às mesmas horas, militantes da extrema-direita vandalizavam as palmeiras que a câmara plantou em frente à catedral. Opõem-se ao que chamam "africanização" da cidade. Fica a dica para os spin doctors dos democratas refundidos e refundados: depois do carvalho e da oliveira, usados ao longo das últimas décadas, sobram ainda muitas plantas, mas a palmeira promete.
27 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Marcello Sacco
Diário de Notícias
Os entusiastas do fim das ideologias nunca imaginariam que - numa fase histórica tão delicada (levante o dedo quem se lembra de fases não delicadas, mas agora um bater de asas dum mosquito em Roma pode mexer com os salários em Lisboa) - um partido que somara 40% dos votos nas europeias de 2014 pudesse dividir-se sobre um problema de agendamento: a data do congresso. Mas a vitória em batalha depende do tempo de manobra das tropas; se Marx está morto, Von Clausewitz goza de ótima saúde. Toda a liderança de Matteo Renzi - pelo menos desde as eleições primárias ganhas em 2013 e a rasteira ao então primeiro-ministro Letta - baseou-se na rapidez do ataque. Numa sociedade em que, cada vez mais, da atividade política é avaliada a performance e a demonstração de resultados, como no desporto e no empreendedorismo, a supremacia tática é tudo o que a política ainda tem para dar?
Ao extinguir-se o Partido Comunista Italiano, após a queda do Muro de Berlim, parecia ainda haver líderes, à esquerda, que olhavam para o mundo e tentavam pelo menos interpretá-lo, mesmo que não conseguissem mudá-lo (atitude já pouco marxista). Um documentário de Nanni Moretti (o título vingou na gíria política: A Coisa) fixou na película aquela dramática travessia do deserto. Depois, as mudanças foram-se tornando cada vez mais prêt-a-porter. Em 1994, Berlusconi mostrou que um partido se podia vender como um sabonete, e a Itália entrou numa época em que o catálogo das forças políticas muda com a ciclicidade inelutável das coleções primavera-verão. Desde então, foi tudo um contínuo alterar de cores e cheiros aos sabonetes, na tentativa de conquistar nichos de mercado. Durante a chamada "II República", não houve quase nenhum confronto eleitoral em que os eleitores - entre coligações e partidos recém-nascidos ou "refundados" - não deparassem com novos nomes e símbolos no boletim de voto, frutos de um trabalho meticuloso de brand naming e product placement que talvez um especialista em marketing possa explicar às criancinhas muito melhor do que um professor de História Contemporânea à moda antiga.
A cisão do PD e o batismo, no sábado passado, do novo DP (Democratas e Progressistas) terá com certeza outras causas que é injusto banalizar, mas é difícil não olhar para ela na perspetiva das fibrilhações pré-eleitorais num país em que os partidos envelhecem mais depressa do que noutros países. Talvez seja uma peculiar estratégia darwiniana de sobrevivência entre flora e fauna local, como no tempo dos governos democratas-cristãos, que morriam e ressurgiam com uma frequência inédita em outros ambientes. O próximo passo, vistas as polémicas que envolvem a Presidente da Câmara de Roma, será assistir ao desgaste do Movimento 5 Estrelas (eis um nome que não esconde o controlo de qualidade imposto por quem o comercializa).
Agora que os DP já têm nome e assentos parlamentares (mais um grupo, mas não mais força, a apoiar o governo Gentiloni), falta o símbolo. "Os copywriters ainda estão a trabalhar", escrevia há dias o Corriere della Sera. E enquanto nas sedes partidárias se procuram logótipos e nomes para a nova "coisa", os ideólogos de rua descobrem simbologias profundas até nos canteiros dos jardins. Em Milão, às mesmas horas, militantes da extrema-direita vandalizavam as palmeiras que a câmara plantou em frente à catedral. Opõem-se ao que chamam "africanização" da cidade. Fica a dica para os spin doctors dos democratas refundidos e refundados: depois do carvalho e da oliveira, usados ao longo das últimas décadas, sobram ainda muitas plantas, mas a palmeira promete.
27 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Marcello Sacco
Diário de Notícias
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