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Como num filme
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Como num filme
Em sociedades ditas democráticas, o mundo do espetáculo não tem de assumir o papel de único ou principal indutor da oposição ao autoritarismo e ao uso discricionário do poder.
A cerimónia dos Óscares e o Carnaval ocuparam parte da agenda mediática da semana. Foram as notícias mais faladas na área internacional dos media portugueses. Isto poderia levar-nos a várias reflexões. Na realidade quer dizer que o mundo do espetáculo e da catarse tendem a sobrepor-se cada vez mais às vivências quotidianas dos indivíduos. O expectável é que os corsos carnavalescos critiquem os factos políticos e os comportamentos sociais, e que a indústria do cinema faça o papel de opositor político.
Esta situação seria entendível numa sociedade condicionada na sua democracia e na participação cidadã. Em sociedades ditas democráticas, e apesar da necessidade de momentos de catarse, o mundo do espetáculo não tem de assumir o papel de único ou principal indutor da oposição ao autoritarismo e ao uso discricionário do poder.
Nos dias de hoje, e condicionadas também por lógicas de mercado, as indústrias cinematográfica e carnavalesca obedecem a princípios de sobrevivência que as afastam da pureza do debate ideológico ou da simples reivindicação por mais e melhores direitos humanos e sociais. Acresce a isto a natureza da própria arte e performance que, estando ligada à realidade – e, inúmeras vezes, superando-a e antecipando-a –, tem por base a fruição estética e não o permanente combate social.
Como criticar então poderes políticos que se aproveitam desta sociedade do espetáculo? Verdadeiro e falso, ficção e realidade esbatem-se. Veja-se os casos de Donald Trump ou Marine Le Pen, que assumem publicamente que apenas o seu discurso é o verdadeiro, tornando o discurso legal, mediático ou dos adversários políticos em ficção. Veja-se no nosso país a facilidade com que alguns procedimentos administrativos são tratados apenas como expressão de mal-entendidos ou ordens incompletas, quando as ordens dadas no seio administrativo são voluntárias e pensadas. Veja-se como em Angola a oposição interna é silenciada sob o pretexto de se tratar de um movimento de traição ao país, argumento articulado nos meios de comunicação oficiosos do poder. Veja-se, pois, como rapidamente a realidade é tornada discurso e manipulada, como se de uma mera efabulação se tratasse, sem necessidade de contraditório, como num filme.
Se é verdade que a palavra pode ser tão ou mais forte que um facto, isso quer dizer que precisamos de ser cuidadosos na procura da verdade e exigentes nos escrutínios que fazemos. Todos nós. Não podemos ficar à espera que sejam os momentos mediáticos e performativos a fazer o papel que todos os cidadãos têm de desempenhar. Caso contrário, estaremos apenas a alimentar uma sociedade do espetáculo, ociosa, pouco combativa e ainda menos resiliente.
Cátia Miriam Costa, Investigadora do Centro de Estudos Internacionais (ISCTE-IUL)
00:09
Jornal Económico
A cerimónia dos Óscares e o Carnaval ocuparam parte da agenda mediática da semana. Foram as notícias mais faladas na área internacional dos media portugueses. Isto poderia levar-nos a várias reflexões. Na realidade quer dizer que o mundo do espetáculo e da catarse tendem a sobrepor-se cada vez mais às vivências quotidianas dos indivíduos. O expectável é que os corsos carnavalescos critiquem os factos políticos e os comportamentos sociais, e que a indústria do cinema faça o papel de opositor político.
Esta situação seria entendível numa sociedade condicionada na sua democracia e na participação cidadã. Em sociedades ditas democráticas, e apesar da necessidade de momentos de catarse, o mundo do espetáculo não tem de assumir o papel de único ou principal indutor da oposição ao autoritarismo e ao uso discricionário do poder.
Nos dias de hoje, e condicionadas também por lógicas de mercado, as indústrias cinematográfica e carnavalesca obedecem a princípios de sobrevivência que as afastam da pureza do debate ideológico ou da simples reivindicação por mais e melhores direitos humanos e sociais. Acresce a isto a natureza da própria arte e performance que, estando ligada à realidade – e, inúmeras vezes, superando-a e antecipando-a –, tem por base a fruição estética e não o permanente combate social.
Como criticar então poderes políticos que se aproveitam desta sociedade do espetáculo? Verdadeiro e falso, ficção e realidade esbatem-se. Veja-se os casos de Donald Trump ou Marine Le Pen, que assumem publicamente que apenas o seu discurso é o verdadeiro, tornando o discurso legal, mediático ou dos adversários políticos em ficção. Veja-se no nosso país a facilidade com que alguns procedimentos administrativos são tratados apenas como expressão de mal-entendidos ou ordens incompletas, quando as ordens dadas no seio administrativo são voluntárias e pensadas. Veja-se como em Angola a oposição interna é silenciada sob o pretexto de se tratar de um movimento de traição ao país, argumento articulado nos meios de comunicação oficiosos do poder. Veja-se, pois, como rapidamente a realidade é tornada discurso e manipulada, como se de uma mera efabulação se tratasse, sem necessidade de contraditório, como num filme.
Se é verdade que a palavra pode ser tão ou mais forte que um facto, isso quer dizer que precisamos de ser cuidadosos na procura da verdade e exigentes nos escrutínios que fazemos. Todos nós. Não podemos ficar à espera que sejam os momentos mediáticos e performativos a fazer o papel que todos os cidadãos têm de desempenhar. Caso contrário, estaremos apenas a alimentar uma sociedade do espetáculo, ociosa, pouco combativa e ainda menos resiliente.
Cátia Miriam Costa, Investigadora do Centro de Estudos Internacionais (ISCTE-IUL)
00:09
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