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As sombras sobre a festa
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As sombras sobre a festa
Passam amanhã 60 anos sobre a data em que um grupo de seis democracias europeias decidiu instituir entre si aquele que é, sem a menor sombra de dúvida, o mais bem-sucedido processo de cooperação internacional que a História regista. Aquilo a que hoje chamamos União Europeia resultou do aprofundamento dessa ideia, nascida para curar as feridas da guerra e para dar solidez a um espaço onde a economia de mercado se contrapunha ao modelo das "democracias populares". Com os Estados Unidos, a Europa viria também a partilhar a vitória na Guerra Fria, simbolizada pela implosão da União Soviética e pela recuperação da soberania plena por parte dos países que, no Centro e Leste do continente, deixaram então de respeitar a tutela de Moscovo.
Esses países, com toda a naturalidade, procuraram integrar o projeto que, ao longo de décadas, lhes tinha sido mostrado, por cima do Muro de Berlim, como um horizonte de esperança radiosa, um novo modelo de felicidade coletiva - depois da desilusão que o "socialismo real" fora para uma grande maioria. Fazer parte da União Europeia, bem como da NATO, foi o instrumento utilizado por esses Estados para exorcizar a memória do tempo anterior.
Muitos deles carrearam para a União toda a sua experiência traumática, consagrando isso numa hostilidade aberta face a Moscovo e numa pulsão muito forte contra modelos de solidariedade social que fizessem lembrar o voluntarismo igualitarista que antes lhes havia sido imposto. A recuperação da soberania conduziu-os, em alguns casos, a tropismos autoritários, com desrespeito pela separação de poderes, pelas minorias e por alguns direitos fundamentais. Afinal, provava-se, o "template" de valores da União podia ceder perante algumas agendas nacionalistas recém-chegadas.
Também a restante União Europeia, nesse mesmo tempo, se foi alterando. Alguma desilusão sobre a capacidade do projeto integrador provocar um contínuo choque de riqueza e bem-estar, somada a tensões culturais e étnicas que alguns modelos nacionais se revelaram incapazes de superar, com consequências de disrupção nos seus sistemas políticos, veio mostrar que o consenso de décadas estava definitivamente abalado e que o anterior "mainstream" partidário, mesmo com alternância, podia estar em vias de esgotar as suas virtualidades. O surgimento em força do populismo e de modelos confrontacionais, conjugado com alguma desintegração europeia, pode estragar a festa da sexagenária Europa comunitária.
Para nós, portugueses, que entrámos há 30 anos, precisamente a meio da viagem percorrida pela Europa comunitária, a experiência provou à saciedade que este é o projeto onde melhor podemos ancorar a nossa democracia e o nosso futuro. Lutar pela Europa é um desígnio nacional imperativo.
*EMBAIXADOR
Francisco Seixas Da Costa*
Hoje às 00:04
Jornal de Notícias
Esses países, com toda a naturalidade, procuraram integrar o projeto que, ao longo de décadas, lhes tinha sido mostrado, por cima do Muro de Berlim, como um horizonte de esperança radiosa, um novo modelo de felicidade coletiva - depois da desilusão que o "socialismo real" fora para uma grande maioria. Fazer parte da União Europeia, bem como da NATO, foi o instrumento utilizado por esses Estados para exorcizar a memória do tempo anterior.
Muitos deles carrearam para a União toda a sua experiência traumática, consagrando isso numa hostilidade aberta face a Moscovo e numa pulsão muito forte contra modelos de solidariedade social que fizessem lembrar o voluntarismo igualitarista que antes lhes havia sido imposto. A recuperação da soberania conduziu-os, em alguns casos, a tropismos autoritários, com desrespeito pela separação de poderes, pelas minorias e por alguns direitos fundamentais. Afinal, provava-se, o "template" de valores da União podia ceder perante algumas agendas nacionalistas recém-chegadas.
Também a restante União Europeia, nesse mesmo tempo, se foi alterando. Alguma desilusão sobre a capacidade do projeto integrador provocar um contínuo choque de riqueza e bem-estar, somada a tensões culturais e étnicas que alguns modelos nacionais se revelaram incapazes de superar, com consequências de disrupção nos seus sistemas políticos, veio mostrar que o consenso de décadas estava definitivamente abalado e que o anterior "mainstream" partidário, mesmo com alternância, podia estar em vias de esgotar as suas virtualidades. O surgimento em força do populismo e de modelos confrontacionais, conjugado com alguma desintegração europeia, pode estragar a festa da sexagenária Europa comunitária.
Para nós, portugueses, que entrámos há 30 anos, precisamente a meio da viagem percorrida pela Europa comunitária, a experiência provou à saciedade que este é o projeto onde melhor podemos ancorar a nossa democracia e o nosso futuro. Lutar pela Europa é um desígnio nacional imperativo.
*EMBAIXADOR
Francisco Seixas Da Costa*
Hoje às 00:04
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