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Desenvolvimento económico: modo de usar
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Desenvolvimento económico: modo de usar
O desenvolvimento económico não resulta da acção atomizada de micro-empreendedores, mas sim de processos colectivos de aprendizagem e coordenação para os quais é indispensável a acção do Estado. É a história económica que o mostra.
A cidade-estado de Singapura está actualmente a meio de dois anos de celebrações do cinquentenário da sua existência: em 2013 completaram-se cinquenta anos sobre a independência face ao Reino Unido; em 2015 cumprem-se cinquenta anos desde a separação da Federação da Malásia.
Em termos de desenvolvimento económico, foram cinquenta anos notáveis. Em 1965, o produto per capita de Singapura era praticamente idêntico ao de Portugal, Jordânia ou Jamaica; em 2013, Singapura apresentava um dos rendimentos per capita mais elevado do mundo, 2,6 vezes superior ao de Portugal e 11 vezes maior que o da Jordânia ou da Jamaica. No que se refere ao índice de desenvolvimento humano do PNUD, que acrescenta as dimensões da saúde e educação à do rendimento, Singapura ocupava em 2014 a nona posição a nível mundial. De um entreposto comercial escassamente industrializado, Singapura transformou-se em cinco décadas numa das economias mais dinâmicas do mundo, após ter passado sucessivamente por um período de industrialização por substituição de importações, depois por uma gradual aposta nas exportações e finalmente uma viragem em direcção ao sector dos serviços avançados. É isto que justifica que, a par de outros exemplos da chamada "industrialização tardia" da Ásia Oriental, o caso de Singapura seja tão frequentemente estudado como caso de sucesso em termos de desenvolvimento económico.
É certo que para esse sucesso contribuíram factores bastante particulares e nalguns casos impossíveis de replicar, como a localização estratégica em relação às rotas do comércio internacional, o acesso a mercados vizinhos que registaram também eles uma forte expansão, ou a concentração territorial e grau de urbanização da população.
E é também certo que há bons motivos para rejeitarmos alguns dos aspectos do modelo de Singapura, como o autoritarismo paternalista que caracterizou sempre o seu regime politico: será óbvio para a maior parte de nós, mas seguramente menos óbvio em Singapura, que os direitos e liberdades civis e políticos são um fim em si mesmo, independentemente da sua maior ou menor funcionalidade instrumental relativamente ao processo de desenvolvimento económico.
Mas o que me interessa aqui sobretudo assinalar é o facto das análises sobre os factores explicativos do sucesso económico de Singapura apontarem como central o papel estratégico do Estado no processo de desenvolvimento económico, em numerosas áreas e de um vasto conjunto de formas, que vão do muito forte investimento público na educação à política de habitação pública e, principalmente, uma política industrial extremamente activa actuante através da imposição de barreiras alfandegárias face ao exterior, participação pública directa em empresas, política activa de crédito ou condicionamento industrial.
Poderá parecer estranho a muitos estudantes contemporâneos de economia, confrontados que são mais frequentemente com formulações abstractas e profundamente ideológicas do que com a história económica real, mas acontece que esta centralidade do papel do Estado no processo de desenvolvimento económico não tem nada de invulgar. Na verdade, é uma constante: como o economista politico e historiador económico Ha-Joon Chang tem sobejamente demonstrado , nenhuma economia avançada se desenvolveu através da acção atomizada de micro-empreendedores num contexto de laissez-faire. Os processos de desenvolvimento económico realmente existentes assentaram sempre - do caso da Inglaterra ao dos EUA ao dos "tigres asiáticos" - na centralidade da acção do Estado na promoção da coordenação entre agentes económicos, na provisão de infraestruturas e na criação de incentivos e mecanismos susceptíveis de apoiarem a diversificação e aprendizagem tecnológicas.
É um facto bem conhecido de quem tenha estudado a história da inovação e do desenvolvimento económico, mas frequente e convenientemente ocultado por alguns: do transporte ferroviário à nanotecnologia, passando pela indústria química, transístores, laser, radar, computadores ou GPS, todos os grandes desenvolvimentos tecnológicos da era contemporânea beneficiaram crucialmente do apoio estatal nas suas fases iniciais de desenvolvimento, em que o risco associado ou as exigências em termos de coordenação eram demasiado elevados para o investimento privado.
E se vale especialmente a pena recordar aqui estes aspectos elementares da história económica, é porque, no contexto português actual, os instrumentos susceptíveis de permitir a implementação de políticas eficazes de desenvolvimento económico são muito poucos e encontram-se decisivamente manietados: a política cambial e monetária não existe; a política comercial encontra-se condicionada de modo fortíssimo pelas regras de Bruxelas e da OMC; a provisão de infraestruturas e o investimento em ciência e educação estão em acentuado declínio; e a margem de manobra dos restantes instrumentos de política industrial está decisivamente limitada pelos constrangimentos orçamentais e pelas regras de concorrência internacionais.
Num contexto como este, a glorificação dos micro-empreendedores individuais, tão do agrado do Governo e de alguma comunicação social, não passa de uma distracção voluntarista e inconsequente.
O desenvolvimento económico é uma outra coisa, produzida de outra forma. É a história que o mostra.
ALEXANDRE ABREU | 7:00 Quarta feira, 13 de agosto de 2014
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