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Há cinco anos foi assim
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Há cinco anos foi assim
1.Onde estava a Europa em 2009? A anos-luz da realidade que hoje vive. Mas, ao mesmo tempo, muito perto. Os líderes europeus ainda diziam, com razoável arrogância, que a crise que rebentou no centro financeiro do mundo era um problema americano.
As bases da economia europeia eram mais sãs, os seus bancos estavam a salvo (já nessa altura não estavam), nem tinham, de uma forma geral, nada a ver com a loucura dos mercados financeiros. Este era o discurso oficial, mesmo que, nos bastidores, já houvesse grande preocupação com o que se estava a passar e de que modo iria atingir a Europa. Dois anos antes (em 2007), os líderes europeus tinham finalizado a negociação de um novo Tratado “para uma década”, fechando um período de introspecção institucional que começara em Nice (2000). O Tratado de Lisboa, depois de um atribulado processo de ratificação, entraria em vigor a 1 de Dezembro. Começavam as dúvidas sobre a verdadeira situação da Grécia, mas a chanceler alemã confiava na cláusula de “no bail-out” do Tratado de Maastricht (os problemas financeiros de um país do euro tinham de ser resolvidos por ele).
Com o novo aparato institucional consagrado no novo Tratado, chegara a altura de preencher os dois novos cargos: um presidente permanente para o Conselho Europeu, entretanto constitucionalizado como o órgão máximo da decisão política europeia, e o Alto representante para a política externa e de segurança europeia. Ninguém previa que a Europa iria mergulhar na maior crise existencial da sua história. O optimismo era ainda suficiente para muita gente acreditar que seriam escolhidas personalidades suficientemente fortes para reforçar a credibilidade e a unidade europeia na cena internacional. Neste caso não era o hábito que faria o monge, seria o monge que talharia o hábito. A decisão sobre as duas novas funções fora polémica. A ideia de um presidente permanente do Conselho Europeu, apadrinhada pelo Reino Unido, pela França e, depois, pela Alemanha, desagradava aos pequenos países, que ficavam sem os seis meses de presidência rotativa em que podiam ter uma influência e uma visibilidade maiores. O presidente da Comissão, Durão Barroso, temia que o presidente do Conselho Europeu lhe roubasse protagonismo e enfraquecesse a Comissão.
2.Os primeiros nomes a virem a público nos meses anteriores ainda traduziam algum optimismo. Tony Blair chegou a ser candidato de Nicolas Sarkozy (e também de Gordon Brown), apesar do Iraque. Era o prémio que merecia por ter tido, sem sombra de dúvida, o mais europeísta dos chefes do Governo britânico. Aceitou a Constituição e o Tratado que a substituiu. O próprio Felipe González, outro político de primeiríssima linha, chegou a ser considerado. David Miliband, então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, resumiu assim o que estava em causa: “É preciso alguém que faça parar o trânsito em Pequim ou em Nova Deli”. Este entusiasmo, porventura pouco atento ao próprio texto do Tratado que evitava descrever os novos cargos com muita precisão para evitar conflitos, evaporou-se no dia em que os líderes europeus fizeram saber qual era a sua escolha. Herman von Rompuy, primeiro-ministro democrata-cristão da Bélgica, seria o presidente do Conselho Europeu. Tinha conseguido o feito de conciliar valões e flamengos num daqueles momentos em que a Bélgica parece que vai dividir-se ao meio. Gordon Brown acabou por desistir de Blair, ficando a seu cargo a escolha do Alto representante. Que não poderia ser mais inesperada: Catherine Ashton, cuja vida política passou por muita coisa menos pela diplomacia. Escrevia o Guardian na altura: “Nenhum será capaz de se impor ao lado dos líderes dos EUA, da Rússia ou da China”. Para Brown, o que interessava era que o Reino Unido “continuava no coração da Europa”. “O homem mais feliz de Bruxelas era provavelmente Barroso”, diz ainda o Guardian. Não teria ninguém para lhe fazer sombra. Ashton, que liderou a Câmara dos Lordes, anunciava uma “diplomacia tranquila”.
Rompuy seria, como foi, um “negociador de compromissos”. Ou, como dizem os mais críticos um pouco injustamente, um mestre-de-cerimónias do Conselho Europeu. Assumiu sem discussão esse estatuto. Aprendeu que nada se fazia sem o beneplácito de Berlim, com quem tinha de negociar previamente qualquer iniciativa. Fez o que pode. No dia em que foi eleito ainda ninguém suspeitava que a crise do euro daria origem ao “momento unipolar” da Alemanha. Embora o seu gabinete diste 50 metros do presidente da Comissão, Barroso nunca lhe fez a vida fácil. A entourage de John Kerry jamais esquecerá os bastidores de um jantar que o secretário de Estado americano pediu para ser com Rompuy e Barroso ao mesmo tempo, por dificuldades da sua agenda. Não imaginaria as horas que poderiam ser gastas em negociações protocolares com o gabinete de Barroso, muito preocupado em sublinhar quem era o mais importante. Os visitantes estrangeiros desesperavam com esta Europa de vaidades e de rivalidades. Até o Presidente Obama cancelou uma cimeira transatlântica em Madrid porque não via qualquer utilidade na agenda nem a necessidade de cumprimentar uma “multidão” de líderes. Como muitos outros líderes mundiais, Obama habituou-se a lidar com Berlim e com Paris (às vezes, com Londres), se se trata de questões verdadeiramente importantes. Rompuy revelou-se mais hábil do que inicialmente se previa, mas apenas nos bastidores.
3.A escolha de Ashton ainda foi mais polémica. Chegara há meia dúzia de meses a Bruxelas para substituir Peter Mandelson, o comissário (brilhante) do Comércio Externo. Era a experiência que tinha, para além de poder contar com a ajuda de uma das diplomacias mais eficientes do mundo. A adaptação não foi fácil. Primeiro, o seu modo de vida fugia às regras (masculinas) de Bruxelas. Ia a casa todos os fins-de-semana, avisou que não tencionava fazer 300 mil quilómetros a percorrer o mundo. Chegou tarde ao Haiti, quando aconteceu a tragédia do terramoto. Lembrou aos críticos que não era nem médica nem bombeira. Percebeu que a sua tarefa seria pôr de pé o novo Serviço Europeu de Acção Externa, com os seus perto de 5000 funcionários, um generoso orçamento e representações em quase todo o mundo. Foi o que fez. Aprendeu à sua custa que qualquer tomada de posição europeia tinha de ser suficientemente vaga para ser aceite por 28 países. Deu prioridade às relações da Europa com os seus grandes parceiros estratégicos. Teve um papel relevante nas negociações com Teerão sobre o programa nuclear e conseguiu uma coisa extraordinária, sem qualquer estardalhaço: levar a Sérvia e o Kosovo a sentarem-se à mesma mesa para iniciar o processo de reconhecimento mútuo. Com paciência, com descrição e com o forte argumento de que essa era a condição para Bruxelas dar inícios às negociações de adesão. Mas nunca foi o “número de telefone" que Kissinger queria. Um dos grandes objectivos do Tratado era dar maior coerência à política externa e de segurança comum. A Europa percebia que o mundo começava a mudar em grande velocidade, nem sempre a favor do Ocidente. A crise da dívida que se transformou numa crise do euro ajudou a não prestar a atenção devida a essa mudança. À falta de melhor, a França e o Reino Unido foram cumprindo a sua responsabilidade de antigas potências militares. A Alemanha só mais recentemente aceitou que nem tudo se resume à economia e que terá de ocupar, mais tarde ou mãos cedo, o seu lugar na condução da política externa e de segurança europeia. A Ucrânia fê-la abrir os olhos.
TERESA DE SOUSA 31/08/2014 - 08:48
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