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Larápios de palavras e a economia da batota

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 Larápios de palavras e a economia da batota   Empty Larápios de palavras e a economia da batota

Mensagem por Admin Sex Out 24, 2014 10:19 am

 Larápios de palavras e a economia da batota   Aurorateixeira-1701

"O país, que tem visto mil vezes a repetição desta dolorosa comédia, está cansado..." (O Que Verdadeiramente Mata Portugal, Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora')


Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, ' plagiar ' significa "copiar ou imitar, sem engenho, as obras ou os pensamentos dos outros e apresentá-los como originais". Por outras palavras, plagiar significa surripiar, roubar, furtar palavras, ideias e pensamentos de outros. Trata-se, portanto, de um ato de fraude (académica) ou, mais coloquialmente, batota.

Na economia ortodoxa (em inglês, mainstream economics), a fraude/batota traduz um exercício simples de análise custo-benefício. O indivíduo pondera o benefício derivado da prática com a probabilidade de ser apanhado a cometer fraude e a punição associada, cometendo fraude sempre que seja 'racional' o fazer (isto é, sempre que o 'beneficio' exceda o 'custo').

Não obstante a economia ortodoxa ser bastante criticada pelos seus pressupostos classificados de irrealistas (designadamente, o da racionalidade dos indivíduos e do seu único objetivo de maximizar seu próprio benefício pessoal - maximização da utilidade), analisando os episódios que têm vindo a público sobre os plágios praticados por indivíduos que exercem/exerciam cargos políticos, poderíamos ser levados a concluir que a análise custo benefício tem um elevado poder explicativo.

Apesar de cada vez mais frequentes, são ainda muito raros os casos de políticos/governantes objecto de acusação e prova de plágio. Portanto, a probabilidade de ser apanhado neste ilícito é, historicamente, muito baixa.

E os custos ou sanções incorridos pelos (alegados) prevaricadores?

A evidência existente parece confirmar que o 'crime compensa'... as sanções são negligenciáveis ou mesmo inexistentes (em alguns casos os prevaricadores são, inclusivamente, premiados!). Vejamos alguns dos exemplos mais mediáticos.

Karl-Theodor Freiherr zu Guttenberg: à altura da acusação de plágio (fevereiro 2011), ministro da defesa Alemão, uma  "estrela política em ascensão, delfim de Angela Merkel" , tendo ficado mundialmente conhecido como o 'Barão do copy-paste'. Apesar de sucessivas negações por parte de Guttenberg, a Universidade de Bayreuth retirou-lhe o título de doutor (a 23 de fevereiro de 2011) e, devido a intensa pressão pública e política, foi obrigado a demitir-se a 1 de março do mesmo ano. Como 'castigo' adicional, Guttenberg recebeu, em dezembro de 2011, um convite da então Vice Presidente da Comissão Europeia, Neelie Kroes, para liderar uma iniciativa de cooperação internacional, ao mesmo tempo que era admitido no Center for Strategic and International Studies (CSIS), na qualidade de  Distinguished Statesman  (?!). Apesar dos norte-americanos lhe terem concedido tão requintado título, para os seus compatriotas alemães Guttenberg 'já era' - continua e continuará a ser ostracizado. Perdão, só mesmo na terra do Tio Sam...

Annette Schavan: por ocasião da acusação de plágio (2012), ministra da educação da Alemanha. A Universidade de Düsseldorf retirou-lhe o grau de doutor (que lhe havia sido atribuído 30 anos antes) em Fevereiro de 2013. Mais uma vez, debaixo de um fogo intenso de críticas, quer no quadrante político, quer na sociedade alemã, em geral, Angela Merkel com " o coração muito pesado " foi obrigada a aceitar a demissão da sua amiga de longa data. Apesar de 'pária' no seu país de origem, Schavan é, actualmente, embaixadora da Alemanha na Santa Sé Apostólica, jurisdição eclesiástica da Igreja Católica em Roma, sede episcopal do Papa. Talvez seja uma forma de 'expiação'...

Victor Ponta: atual Primeiro-ministro da Roménia. Em junho de 2012 a reputada revista  Nature  publicava um artigo onde apresentava evidência de que a tese de doutoramento de Ponta, defendida em 2003, continha inúmeras partes plagiadas. O processo de averiguações que se seguiu faria jus a uma típica novela venezuelana!

Uma primeira comissão encarregue de validar títulos académicos analisaram a tese e decidiu, por unanimidade dos membros presentes, que Ponta tinha cometido plágio, sendo deliberado retirar o título de doutor ao primeiro-ministro. Em resposta, o ministro da Educação interino, Liviu Pop, contesta a decisão da comissão rejeitando as conclusões na base da falta de quórum. Outra comissão, subordinada ao Ministério da Educação, vem, posteriormente, deliberar que Ponta não havia cometido plágio. Uma terceira comissão, convocada pela Universidade de Bucareste e composta por dez membros, cada um de um departamento diferente, concluiu, por unanimidade, que Ponta tinha de facto deliberadamente plagiado pelo menos um terço de sua tese. Ponta respondeu que a comissão era 'ad-hoc', tendo sido especialmente formada para o prejudicar, sendo a respectiva decisão 'política'.

Ao contrário dos dois casos anteriores (na Alemanha), Victor Ponta continua a governar os destinos da Roménia, sem que o plágio tenha originado contestação política e/ou cívica significativa!

João Grancho: numa investigação realizada por jornalistas do  Público , datada de 17 de outubro de 2014, era reportado que o então secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário tinha, 7 anos antes, na qualidade de presidente da Associação Nacional de Professores, apresentado uma comunicação subordinada ao tema "A dimensão moral da profissão docente" (?!!) que reproduzia, quase na íntegra, algumas partes de documentos da autoria de outros académicos, sem fazer qualquer referência aos autores originais. Ou seja, em bom português, plagiou, larapiou as palavras de outros.

Apesar de Grancho (na  resposta  enviada ao jornal Público) ter refutado as acusações de plágio, tentando 'tapar o sol com a peneira' ao referir tratar-se de "um mero documento de trabalho, não académico", a sua demissão por "motivos de ordem pessoal" é suficientemente reveladora.

O mais estranho (ou talvez não!) neste episódio foi a completa ausência de 'manifestações' e/ou comentários por parte dos responsáveis dos diversos partidos políticos sobre o assunto do plágio. Da parte do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) o silêncio é confrangedor. A Associação Nacional de Professores perdeu uma excelente ocasião para se remeter igualmente ao silêncio optando pelo estilo do primeiro-ministro romeno, Victor Ponta, associando a acusação de plágio ao seu ex-Presidente a " um vil ataque pessoal ".

Não tenho infelizmente qualquer esperança que, como na Alemanha, se faça uma investigação séria e célere destes comportamentos. Em Portugal, plagiar, copiar, fugir aos impostos é tão normal e inócuo que precisamos de 'faturas da sorte' para os cidadãos cumprirem as suas elementares obrigações cívicas. Vivemos num país arruinado não apenas monetariamente (isso, como referiu a nossa ministra das Finanças, pode-se resolver em 10 anos) mas, sobretudo arruinado moralmente (ruína essa secular - leia-se Eça de Queirós - e profundamente enraizada), podre no seu âmago, caracterizado por instituições fracas e " elites ignorantes ": um país onde o copianço generalizado (em 2011) dos 137 candidatos a futuros magistrados, inscritos no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), não teve qualquer repercussão legal; em que a  'inspiração divina'  de uma funcionária do Governo Civil de Santarém e Presidente da uma Concelhia do PS apenas resultou numa mera chacota; em que processos pendentes de acusações de plágio se eternizam nos procedimentos e burocracias das instituições de ensino responsáveis, sem que daí saia qualquer veredicto - como o caso, noticiado em 26 de fevereiro de 2013 pela TSF, do autarca do PSD Guilherme Almeida (atual vereador da Câmara Municipal de Viseu) cuja dissertação de mestrado, defendida no ISCTE apresentava, segundo a notícia, "demasiadas semelhanças" à dissertação da sua esposa, entregue 3 anos antes na mesma instituição de ensino para obtenção do grau de mestre.

Este tipo de comportamentos que se vivencia em Portugal foge, inclusive, à ortodoxia económica. Já não se trata apenas de uma relação custo-benefício. É, sobretudo, algo que vai para além da 'racionalidade' económica: é o designado  'fudge factor ' que se reflecte no facto de os indivíduos batoteiros, os que enganam intencionalmente, se sentirem confortáveis, sem qualquer 'peso na consciência', pois 'racionalizam' que 'toda a gente faz o mesmo'!

Aurora Teixeira |
4:28 Sexta feira, 24 de outubro de 2014
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