Sol, paisagens bonitas, sem cavalos

Não vendam este país a retalho a quem dá mais. Não somos uma coutada para ricos de qualquer espécie porque nos querem pôr no prego e entregar-lhes a cautela

Afinal, o senhor Presidente da República, assessorado pelo senhor vice- -primeiro-ministro, quando andou a vender Portugal pelos salões das arábias - ao que nós chegámos! - ter-se-á referido a paisagens e não a mulheres bonitas, como foi noticiado. Estranho lapsus linguae , convenhamos... o resto, miseravelmente, não surpreende.

Ora, sol e paisagens bonitas, mesmo sem cavalos, é o que não falta a este rincão europeu tão desastradamente (des)governado faz tempo. E não é de agora; porém, tem ido de mal a pior. O povo é sereno e resiliente, mas convém não abusar, não vá o diabo tecê-las!

Num fim de tarde outonal, sol tépido a declinar para o ocaso no céu ainda azul com farrapinhos de nuvens, de formas caprichosas entre o rosa e o laranja, a contrastar com o antracite no meio dos flocos brancos, encaracolados e a fazer efeitos espelhados na enorme superfície levemente fremente do mar da Apúlia. E que mar! A vila ainda hoje tem gente dedicada à actividade piscatória, não tendo a apanha do sargaço morrido de todo entre os agricultores-sargaceiros, pode dizer- -se. Na Apúlia, o casario é desinteressante, fora os moinhos de vento e os campos de masseiras, tão característicos, e novos condomínios fechados, fora do alcance dos autóctones. Os barracos ilegais de comes-e-bebes, no Verão a abarrotar de ruído e falta de modos, deram lugar a restaurantezitos, mais ou menos ajaezados, enfileirados à borda da praia de vasto areal. Que continuam ameaçados de demolição, mas vão ficando... Logo adiante, o passadiço que protege o cordão dunar avança praia adentro e destapa-se o magnífico areal, limpo, polvilhado de pegadas de aves e gentes solitárias, reluzente, anilado. O mar azul-forte esmaltado a violeta enrola e desenrola na areia requebros de folhos, debruados a roxo, que tingem a areia dourada de tons violáceos, num arrastar lento, quase lascivo. Que lindo entardecer! Fantástico. Beleza e emoção mesmo em terrinha tão sem graça.

É assim Portugal, temos de tudo um pouco: bonitas cidades cosmopolitas, aldeias genuínas, vilas afidalgadas, paisagens deslumbrantes. Sem grandezas, à nossa medida, dignas de inebriante encanto e pura fascinação. Merecemos que nos visitem, nos admirem, nos respeitem turisticamente, e não só. Que o cavalo lusitano, o puro-sangue lusitano, o cavalo de sela mais antigo do mundo, seja motivo de orgulho, e um activo não despiciendo. Que o imenso mar que nos rodeia - somos o país com maior vastidão de águas jurisdicionais no espaço europeu -, outrora pátria de mareantes e descobrimentos, nos convoque para novas descobertas. Que a nossa provecta idade de nação mais antiga da Europa nos deva carrear respeito, não indiferença e abandono. Que o sol que nos aquece e alumia brilhe para todos, os que somos de cá e os que vêm de fora. Que a bonomia do povo português não seja desbaratada sob o mando de quem não nos merece. Que seja assim, se não no presente incerto, no futuro próximo.

Não vendam este país a retalho a quem dá mais. Não somos uma coutada para ricos de qualquer espécie porque nos querem pôr no prego e entregar-lhes a cautela.

Portugal tem sol, paisagens, cavalos e empresas para privatizar? Também tem portugueses e amor-próprio. Cuidem-se os néscios!

Escreve quinzenalmente à sexta-feira

Por Maria Helena Magalhães
publicado em 5 Dez 2014 - 08:00