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João Carlos Quaresma Dias: “A Logística É O Lubrificante Que Faz Funcionar Todas As Peças”
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João Carlos Quaresma Dias: “A Logística É O Lubrificante Que Faz Funcionar Todas As Peças”
Reconhecendo que a área dos portos é complexa e difícil de legislar, o professor João Carlos Quaresma Dias considera que os governantes deveriam reunir com os intervenientes no sentido de corrigir o que está obsoleto. Profundo conhecedor do setor, aponta a falta de escala do país. E deixa no ar questões como “autoestradas do mar para quê?” ou “porque é que o Estado há de ter operadores rodoviários?”.
Disse há uns anos que quem quiser melhorar a performance dos portos em Portugal tem de considerar o todo sistémico, numa visão integrada, e que os erros políticos cometidos nos portos pagam-se caro. É uma afirmação que se mantém atual, ou têm vindo a ser introduzidas melhorias neste campo?
Têm de facto sido introduzidas melhorias, fundamentalmente ao nível da iniciativa privada. Os operadores concessionários, que inovaram, continuam a fazer um grande esforço de eficácia e de eficiência, de produtividade, de aproveitamento de recursos, de benchmarking ao que se faz no estrangeiro; por parte das próprias autoridades portuárias, que têm feito uma boa regulação; por parte dos agentes que funcionam no porto. Houve melhorias na interface da própria alfândega. Do ponto de vista dos Governos… vão e vêm… muitas vezes são pessoas que fazem confusão.
O que me remete para a questão seguinte: Lídia Sequeira, que esteve à frente do Porto de Sines entre 2005 e 2013, declarou, antes de sair, que para Sines ficar ao nível dos principais portos da Europa e ser uma referência mundial, era necessária “uma visão política diferente”. Partindo deste exemplo para o todo – o que é que já devia ter sido feito em termos políticos?
Houve concessões feitas ao longo dos anos com filosofias mais liberais, ou mais estatizantes, e não são todas iguais.
Os concessionários dos portos portugueses convivem com regimes de arrendamento totalmente diferentes. Há um caso concreto, da Tertir (do grupo Mota-Engil), que tem concessões em Setúbal, em Lisboa e em Leixões, todas diferentes. O de Lisboa tem renda barata; a visão daquele tempo era: “têm de ser atraídos, de ter muitos lucros e pagar impostos sobre”. Depois veio outra filosofia, para Leixões: “já se percebe que as autoridades portuárias têm muitas despesas, mas os portos não são todos iguais”. Daí que um governante não consiga afirmar políticas gerais para os portos, por cada um ser diferente do outro. E uma política genérica pode beneficiar uns e prejudicar outros.
Por exemplo: em Leixões foi aplicada uma política de rendas razoavelmente altas – que hoje os concessionários aceitam pacificamente – com a justificação de que os recursos sobre os quais se pagava a renda eram muito escassos. E foram aplicar a mesma filosofia no Porto de Setúbal, onde o bem não é escasso: é uma área muito maior, mas com uma renda alta, e está vazio. Em Sines, nos contentores, está o segundo maior armador do mundo: a MSC, que utiliza o operador local, a PSA, – o próprio Estado de Singapura. E porque é que o maior do mundo, a Maersk Line, não vai a Sines, quando os dois coexistem aqui perto, em Tânger? Por algo que detetei num paper na Web of Science: por volta de 1998, o gigante PSA, a autoridade portuária de Singapura, teve uma forte zanga com a Maersk, e esta foi construir um porto de raiz ao lado, em Busan, na Coreia, e que é hoje o quinto maior do mundo.
Sines, ao contratar com a PSA, ficou sem a Maersk. Ou seja, a Maersk aposta em todos os portos portugueses menos em Sines. Por isso a Maersk queria mais 495 metros de cais em Alcântara, para os novos navios, que vão ter 22 mil TEU (twenty foot equivalent unit – 20 pés), que Sines poderia receber…
Se não pode haver uma política geral, como se resolve a questão?
Posso dizer que as nossas leis portuárias são boas, mas precisavam de ser ajustadas. Se fosse governante, chamaria os intervenientes para ver as leis existentes e corrigir o que está obsoleto. Cada porto é um porto. E o que é bom para um não é para o outro. Pegando no exemplo de Sines, os restantes portos são de hinterland (de interior) e Sines é de transhipment (transbordo), que faz algum hinterland. Os outros portos formam sistemas diferentes. O de Lisboa faz parte do mesmo sistema de Sines, este fará sistema com o de Valência, porque a MSC está neste último.
O de Lisboa faz sistema com o de Roterdão. Assim, os portos de Lisboa e de Sines acabam por ser concorrenciais. Se aplico leis iguais, sobre o território, rendas… é um sistema cego. Esta é uma das grandes dificuldades do setor.
E porque não se junta o setor para agir junto dos Governos, fazer o chamado lobbying?
Em Espanha foi criada uma associação de concessionários de portos, para falarem com o Governo, as Regiões Autónomas e colocar as suas questões sobre a mesa. Em Portugal, muito recentemente, foi criada uma associação parecida, com os concessionários dos portos e os terminais portugueses. A PSA Sines ainda não faz parte. E penso que, no futuro, querem agir em conformidade. Estamos num momento de mudança. Convinha também criar uma boa equipa, e enviá-la à Dinamarca, EUA, Reino Unido, China… fazerem um périplo, com uma lista dos problemas em Portugal e ver como são resolvidos lá fora, e verem o que de melhor se faz, para depois se aplicar em Portugal.
Há também as leis anticorrupção, que criaram uma teia de tal ordem que um porto, para fazer uma renovação simples, como modernizar umas condutas de água, não demora menos de um ano; só nove meses são para a parte do projeto – quando na China se faz num mês. E os custos acabam por ser brutais.
É a questão da burocracia. No final de março a APOL – Associação Portuguesa de Operadores Logísticos dizia que “a burocracia fiscal mantém-se uma preocupação face aos constrangimentos que produz na atividade dos operadores logísticos”. Está é outra das questões a que o poder político não está sensível?
É verdade. Estamos constantemente a colocar entraves. Quando solucionamos um problema surge outro. Estão sempre a inventar, a alterar taxas… é um problema português. A Alfândega de Roterdão tem independência a ponto de poder dizer que certas leis não se aplicam no porto, tem essa capacidade. Cá temos ainda outra questão: o Porto de Setúbal, por exemplo, na margem norte pertence à Grande Lisboa, na margem sul é do Alentejo… tem de se governar com as Câmaras de Grândola, de Alcácer do Sal, de Palmela, de Sesimbra, de Setúbal. O de Lisboa a mesma coisa, com as autarquias do Barreiro, de Alcochete, do Montijo, de Vila Franca, de Cascais, de Oeiras, de Loures, de Lisboa… As questões dos portos são de uma complexidade…
E depois há pequena dimensão/escala do país.
Os grandes portos mundiais movimentam já entre 20 e 30 milhões de TEU. Portugal inteiro movimenta 2,5 milhões.
Os nossos grandes clientes são, à cabeça, Espanha, em que não se recorre aos portos, não são precisos navios, recorre-se aos camiões. A nossa agricultura, indústria, a nossa economia não se faz por grosso. A nossa exportação hoje não é feita em contentores, vai no bolso: são programas, ideias, criadores, inovação. Por outro lado, movimentamos menos carga geral e mais contentores, com produtos trabalhados em vez de em bruto. Mas a nossa economia não dá mais. Os governantes veem o porto, mas não veem a rede logística. A partir do momento em que não deixaram aumentar o Porto de Lisboa, carregámos a rodovia com contentores de Lisboa para portos espanhóis.
Se temos clientes na Alemanha, em França, não vamos de navio, mas de camião. Por uma razão muito simples: o camião é um modo flexível e faz transporte porta a porta, se há engarrafamentos, escolhe outro percurso; na volta, traz outro produto… Na ferrovia, importamos, mas não se não temos nada para exportar, transporta-se apenas a si próprio na volta. Não temos massa crítica. Nos navios, além do transporte em vazio (em que à vinda o contentor vem completo e à ida vai sem nada), hoje as grandes fábricas trabalham just in time, não podem ter o stock parado, e os navios demoram mais tempo por comparação com os camiões.
Apesar de tudo, os portos portugueses têm vindo a bater recordes em termos de carga movimentada.
Porque os concessionários se modernizaram e fornecem a qualidade pretendida pelos armadores. As autoridades portuárias também têm vindo a amortecer junto dos Governos medidas que seriam prejudiciais para os concessionários, por exemplo, ao não subir as taxas. E o crescimento dos portos tem sido ligeiramente superior ao da economia.
Se bem que o Porto de Lisboa terminou 2014 com uma quebra de 8,7% face a 2013: a que se deve esta queda?
As greves são um fator tremendo. Não sei se o Porto de Lisboa é o que tem mais greves na Europa, o que afeta a qualidade da infraestrutura. Em Leixões não há greves, porque os trabalhadores têm outras condições e trabalham como se fossem acionistas. Voltamos à questão de os governantes terem de ter em conta quem está no terreno a trabalhar. Havendo qualquer legislação que faça perder o equilíbrio, os concessionários só podem desinvestir, o que afetará a qualidade do serviço prestado, e acaba por ter custos.
Assim sendo, quais os desafios atuais para o país no transporte marítimo e nas autoestradas do mar?
Costumo rir-me imenso com as “autoestradas” do mar, visto que o mar está cheio de autoestradas! Eu apelido-as de autoestradas inteligentes, o que por agora é apenas um conceito. Portugal está na periferia da Europa, e há custos tremendos para chegar a essa ponta. E faz-se maioritariamente via camião. Autoestradas do mar para quê?
O conceito tem origem em modelos de transporte praticados em mares interiores europeus circulares, como o Báltico e o Mediterrâneo. No Báltico, fazem-se 900 quilómetros (km) em 24 horas por via marítima ligando um ponto ao outro, enquanto a alternativa rodoviária obriga a percorrer 4 mil km em terreno muito acidentado em três dias ou mais.
Temos o exemplo, em reduzida escala, de Setúbal: quem mora na zona ribeirinha e trabalha na zona turística de Tróia, pode fazer 3 km em embarcação através do estuário do Sado, num trajeto que demora 20 minutos, ou, pela rodovia, e demora 1h30 a transpor mais de 100 km. Ou seja, as autoestradas do mar funcionam em casos específicos. Nós só poderíamos ter uma autoestrada marítima com os EUA; o problema é que a parte produtiva e exportadora americana se encontra do outro lado dos EUA. Não temos território para economia de escala. Tudo o que tivermos de exportar para a Europa, ou é muito bom e paga-se caro, ou é muito inovador, ou é tão bom como os outros e é mais barato. Além de que temos de ter energia mais barata, impostos mais baratos… o que não temos.
É possível é ter uma autoestrada inteligente: os navios deverão ser mais pequenos que os atuais, de grande manobrabilidade, com uma velocidade não inferior aos 80 km/hora; a movimentação destes navios não deve ser diferente da dos camiões, para que os detentores das cargas usem as embarcações mais como infraestruturas – autoestradas – do que como modo de transporte. Isto é, o camião entra no navio, com o motorista, sai do outro lado e segue, como se fosse um ferryboat, sem tramitações administrativas, sem alfândegas… com a transmissão dos dados via RFID. Esta é uma antevisão tipificada da autoestrada marítima, uma verdadeira continuação da autoestrada terrestre (rodoviária ou ferroviária), no sentido físico do termo. Isto sim, faz sentido: as autoestradas inteligentes, com tudo integrado, aeroportos incluídos. Neste âmbito, Portugal não será tão beneficiado como seria de imaginar.
O que compramos e produzimos é maioritariamente localizado de e para a Europa, em que o modo marítimo não será o mais indicado. Portugal não tem massa crítica em termos de mercadorias, nem armadores preparados com navios, nem estaleiros navais preparados para a construção de embarcações mais rápidas e com tecnologia mais avançada. Tem de haver maior modernização, não só em Portugal, mas no todo. Mas temos lados positivos: Portugal é o país com a maior zona económica exclusiva, por exemplo.
Como vê a legislação comunitária?
A tendência é para desregularizar. Há muito poucas diretivas comunitárias, é tudo muito genérico, porque cada país tem o seu sistema, e dentro desse sistema há subsistemas.
Qual é o papel da Janela Única Logística no desenvolvimento do setor?
Evoluiu muito, melhorou e funciona bem. Se calhar hoje há já exigências que não estão cobertas, mas é natural. É um caminho que tem sido feito, uma vez mais, devido aos atores no terreno, com o beneplácito dos governantes.
Qual o peso da logística e transportes nas exportações nacionais? São um custo de contexto?
Para mim, “peso” tem uma má conotação. A logística é o lubrificante que faz funcionar todas as peças. Quanto melhor funcionar o sistema logístico, mais se minimizam os desperdícios, se maximiza as vantagens, e dá-se grande importância ao valor do tempo. A logística permite-nos colocar os produtos certos nos locais certos e no tempo certo, ao menor custo possível. Evita que as cadeias “gripem”. E quanto menos se der por ela, melhor. Em Portugal os sistemas logísticos têm melhorado muito, graças aos intervenientes. No caso dos portos, temos de pensar que sem a existência destes, muitas cidades não existiam.
O que pensa de privatizações como a da CP Carga ou a EMEF?
Há as infraestruturas, que faz sentido estarem nas mãos do Estado. Enquanto os operadores devem ser detidos pelos privados. É um bom princípio os Governos terem na posse do setor público as infraestruturas. A Refer é uma coisa, a CP Carga é outra. Porque é que o Estado há de ter operadores rodoviários?
João Carlos Quaresma Dias
É professor coordenador com agregação do ISEL – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa; professor associado
com agregação convidado do IST – Instituto Superior Técnico; investigador do CENTEC – Centro de Engenharia e Tecnologia Naval (IST). Membro arguente e/ou orientador em diversos júris de mestrado e doutoramento, é também membro conselheiro e especialista da Ordem dos Engenheiros e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. Autor de vários livros sobre logística e gestão portuária, bem como artigos científicos em conferências nacionais e internacionais, viu publicados, até hoje, cerca de 500 artigos de opinião, repartidos por periódicos e revistas portugueses, acerca de assuntos relacionados com as políticas e estratégias logísticas, de transportes, portos, mar e economia. Inicia o percurso profissional em 1974, como engenheiro na Societá Italiana Per Condotte Dácqua, empreiteiro responsável pela construção do Porto de Sines. Dois anos depois entra na Companhia Carris de Ferro de Lisboa, onde permanece até 2005, passando por vários cargos de chefia.
Entre 1993 a 1996 é nomeado vogal do conselho de administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra.
De 2002 a 2005 é eleito vogal do conselho de administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra. Nestas funções distribuídas por dois mandatos não consecutivos menciona os pelouros da exploração portuária, de onde destaca a supervisão e conclusão de mais de uma dezena de contratos de concessão de terminais portuários, tanto de serviço público e de uso privativo. Desde 2005 que é professor do ensino superior “em regime de tempo integral e dedicação exclusiva”.
Armanda Alexandre/OJE
Foto: Armindo Cardoso
17 Abril, 2015 00:10
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