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COMENTADORES - Um loquaz mar de Sargaços
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COMENTADORES - Um loquaz mar de Sargaços
Os cronistas devem ser isentos ou, pelo contrário, é natural que expressem as suas opiniões de uma perspectiva ideologicamente situada ou até partidariamente comprometida?
Há a política e os políticos e depois há os comentadores. Eu e gente como eu. Tratamos a política e os políticos com o maior à-vontade, opinando sobre tudo: da estratégia à imagem, dos penteados à má criação, dos programas aos sms, da irrevogabilidade das demissões à sua revogação.
Os comentadores, ou cronistas da coisa pública, podem ser generalistas ou especializados. Em Portugal, a maioria são generalistas, mesmo os especializados. Confusos? Um comentador (demasiado) especializado pode ser excelente – dominar a matéria com competência -, mas rapidamente vê esgotado o tema e, sobretudo, perde muitas oportunidades de “cavalgar a onda” do momento. Ora um comentador para ser popular e conquistar seguidores deve estar na moda, falar do que todos falam, de preferência antes deles. Ser original ou pioneiro é talento de poucos, pois é preciso sensibilidade em matéria de comunicação, disponibilidade e rapidez no teclado (de preferência a acompanhar o pensamento).
E por isso tanta gente – incluindo este vosso cronista – escreve sobre tanta coisa diferente. Mesmo as crónicas de índole económica, sobre gastronomia, motores ou desporto, acabam por “meter a colherada” nos outros assuntos do reino. E em tempos de austeridade chovem os recados sobre tudo e o seu oposto, as opiniões mais díspares de “famosos” ou simples mortais ocasionalmente dotados do cartão dourado das fontes. Pergunta que os leitores terão formulado no recesso das respectivas mentes: mas porque há-de um comentador querer ser popular e ter seguidores? A resposta é simples: se o não for terá carreira curta. É que a concorrência é grande e já está na fila o próximo Nick Robinson português. Segue-se a pergunta: e porque há-de alguém querer ser comentador? Vejamos as respostas possíveis:
Por poder. Por vaidade. Por dinheiro. Pelas 3 razões ao mesmo tempo. Só por dinheiro raramente é, sobretudo porque poucos são pagos (decentemente). Poder real – influência, ressonância junto do público – só têm alguns, os únicos pagos com generosidade. Aqueles que vemos diariamente nas televisões ou ouvimos nas rádios, em geral recebem apenas um “obrigado”. A vaidade tem um papel importante; ouvir dizer “vi-te na televisão” nunca cansa. Porque é que alguém aceita escrever ou comentar regularmente numa televisão ou rádio sem ser pago? Será por vaidade?
Nesta fase já alguns leitores me estarão a insultar com simpatia, por ignorar uma possível motivação bem mais simpática: a de quem escreve por vocação e gosto de influenciar a opinião alheia, dessa forma contribuindo com o seu grãozinho de areia para um Mundo melhor. Não nego que possa acontecer mas permitam-me ser céptico, trata-se de raras excepções: só os poderosos, com voz própria e capacidade de a projectar e ser ouvidos, podem influenciar quem quer que seja, o que nunca farão os cronistas benévolos e ocasionais.
Paradoxalmente, um aspecto comum a quase todos é a absoluta convicção sobre a importância das coisas que escrevem ou dizem. Ora só são verdadeiramente importantes as opiniões relevantes, oportunas e credíveis (roc): “será a minha opinião roc?” deve perguntar-se de cada vez que abre a boca ou acaricia um teclado o ilustre publicista. A esmagadora maioria das opiniões, se relevante não é oportuna e credível, se relevante e oportuna tem falta de credibilidade (ou é invisível), se credível não é relevante nem oportuna, e sendo oportuna e credível não é relevante. Dá trabalho investir tempo a reflectir e investigar os assuntos, a seleccionar temas com valor ou interesse e a propósito, mas tudo é preferível a falar mais depressa do que o pensamento ou a teclar à velocidade da irrelevância.
Aqui chegado, já os leitores gritarão ao óbvio: então o cronista do Observador tem a lata de criticar a generalidade dos seus pares por irrelevantes, inoportunos ou não credíveis, colocando-se implicitamente do lado das excepções – dos relevantes, oportunos e credíveis -, revelando assim a vaidade que lhe guia a pena? Percebo-os, mas permitam-me contrariar os estimados leitores: todas as semanas, algumas vezes mais do que uma vez, vivo a angústia de não saber sobre que escrever. Certos temas de actualidade já foram objecto de cem opiniões, outros desimportam (perdoem-me o neologismo); se escrevo sobre política internacional fico afastado das competições de popularidade (gostos, partilhas etc.), ainda mais se o assunto é a Europa; tocar em religião, futebol e alguns “temas fracturantes” é arriscar vilipêndio e agressão verbal, nada de assustador mas frustrante por desviar o foco do essencial. E escrevo com frequência textos irrelevantes e inoportunos; no plano da credibilidade, não estou longe da invisibilidade. É pena, tenho pena, mas é assim. De positivo apenas a obrigação de me esforçar, semana após semana, em busca das pepitas de ouro da comunicação bem sucedida.
E é por isso que estou convicto da importância desta crónica. Num tempo pré-eleitoral, episódios como o do sms, a especulação político-partidária, a cacofonia reinante num mundo com cada vez mais comentadores por número de leitores, o papel dos cronistas e dos publicistas é decisivo. Num país de comentadores-políticos, coisa rara nas democracias ocidentais, o critério roc é muitas vezes substituído pela simples agenda partidária ou do indivíduo em questão. Parece-me por isso ser este o momento certo para escrever sobre o assunto, isto é, sobre nós, os comentadores. E referir um ponto que directamente respeita a este jornal, o Observador, e se tornou uma espécie de cavalo de batalha:
Os cronistas devem ser isentos ou, pelo contrário, é natural que expressem as suas opiniões de uma perspectiva ideologicamente situada ou até partidariamente comprometida?
A questão tem sido suscitada várias vezes nestas páginas e não pode nem deve ser escamoteada. Tem o Observador sido acusado de ser de direita e veicular opiniões de direita. Muitos comentários a artigos e crónicas reflectem essa ideia. So what? (desculpem, é a tendência inglesa). Quem quer lê, quem não quer lê outra coisa. Eu também não costumo ler o Avante! e não critico quem o faz ou lá escreve. Como os adeptos do futebol, metáfora cada vez mais evidente da política entre nós, que lêem a Bola se são do Benfica, o Record se do Sporting e o Jogo se do Porto; eu leio todos (sou sócio de um deles) e sei o que vou encontrar. E então?
Claro que o oposto também é verdadeiro. Nalgumas crónicas fui criticado – e agradeço-o como forma de reflectir sobre o que posso melhorar – por me colocar invariavelmente numa perspectiva tanto quanto possível imparcial em relação aos factos. Faço-o por deformação de carácter e, até certo ponto, profissional. Uma análise desprovida da perspectiva ideológica e política pessoal do analista sempre me pareceu a melhor forma de contribuir para a compreensão dos factos políticos (e sociais, já agora). Nunca abdicarei dela e é louvável que um jornal como o Observador conviva democraticamente com ambas as formas de análise. Como deve ser, aliás.
A terminar: isentos ou não, conhecidos ou desconhecidos, originais ou plagiadores, profundos ou superficiais, os comentadores de tudo e alguma coisa são em Portugal legião. Além dos jornais, também os canais de informação, da RTPI à Sic Notícias e à TVI24 passando pela ETV, Porto Canal e outras, têm de preencher diariamente horas de emissão com comentários.
Os comentadores em Portugal, como pombos sobre a bela calçada portuguesa, são uma praga. Mas toda a gente adora dar-lhes de comer, nem que sejam migalhas.
* Professor do Instituto de Estudos Políticos da UCP
- Paulo de Almeida Sande
- 12/5/2015, 8:27
- Observador
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