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Ecologia e religião
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Ecologia e religião
1. Era Fernando Pessoa que perguntava: O mistério? E respondia: Olha para o lado e ele está lá. Sim, digo eu, está lá, ao lado, fora, dentro, em toda a parte. Ele mora, antes de mais, nesta pergunta in-finita, inconstruível: porque há algo e não nada?
Há 13 700 milhões de anos foi o Big Bang. A Terra pode ter aparecido há uns 5000 milhões de anos e a vida há uns 3500 milhões. Há uns 7 milhões de anos, deu-se a separação do tronco comum, que se ramificou, de tal modo que temos, de um lado, os chimpanzés, gorilas... e, do outro, num processo que passa pelo Homo habilis e o sapiens, estamos nós, o Homo sapiens sapiens - acrescento sempre: e demens demens (sapiente sapiente e demente demente) -, há uns 150 mil anos.
Eu considero espantoso este processo gigantesco, que dá que pensar. E o mistério mora também aqui: porque é que apareceu, no termo dele, embora ainda a caminho, um ser que é o ser humano, sendo nele que o processo toma consciência de si, pois antes não sabia de si. E bastava a mínima variação nas leis iniciais, para não estarmos aqui a falar disto, deslumbrando-nos e pondo questões, como: há um desígnio?, como é que um processo impessoal produz uma realidade que se vive a si mesma como pessoa e como "eu", na primeira pessoa, e que fala e que é livre, e que distingue entre o bem e o mal e contempla e cria beleza, e pergunta com perguntas incessantes, até à pergunta ao infinito e pelo infinito? E porque é que, neste processo gigantesco, apareci eu, precisamente eu, único e irrepetível?
O facto é que nascemos nele, vimos da natureza, mas de tal maneira que somos natureza, dentro dela, mas ao mesmo tempo transcendendo-a: somos "da" natureza e "fora da" natureza, pois reflectimos sobre ela e é em nós e por nós que ela sabe de si. E vivemos dela e somos responsáveis por nós e por ela.
2. Mostrei aqui, na semana passada, citando cientistas eminentes, que, face à iminência da catástrofe - por exemplo, está aí o aquecimento global -, se impõe uma mudança de paradigma, para ser possível a continuidade da vida, pensando concretamente nos países mais pobres e nas gerações futuras, pois, na lógica actual, a Terra, que já viveu sem nós, pode pura e simplesmente expulsar-nos dela.
Numa obra importante, já aqui citada, Sustentabilidade, Leonardo Boff apela para a urgência de um desenvolvimento sustentável, para que "o capital natural seja mantido e enriquecido na sua capacidade de regeneração, reprodução e co--evolução". Foi com o paradigma moderno, reclamando para a subjectividade e a tecnociência a omnipotência divina de dominação universal, que a natureza deixou de ser mãe acolhedora para tornar-se puro reservatório de energias a explorar sem limites. Tomamos cada vez mais consciência da urgência da mudança. Segundo Boff, há pontos fundamentais a considerar e a salvaguardar.
1. Reconhecer que a Terra é Mãe, como declarou oficialmente a ONU em 2009, e que a Terra é um superorganismo vivo, Gaia.
2. Resgatar "o princípio da re-ligação": todos os seres, particularmente os seres vivos, são interdependentes. A Terra é um sistema - num sistema, o todo é mais do que a soma das partes. Todos os seres são constituídos pelos mesmos elementos físicos e químicos, derivando daqui a consciência de que "temos todos um destino partilhado".
3. Entender que "a sustentabilidade global só estará garantida mediante o respeito dos ciclos naturais", o que implica um consumo racional dos recursos não renováveis e dar tempo à natureza para regenerar os renováveis, pensando na solidariedade intra e intergeracional.
4. Valorizar e preservar a biodiversidade, "que é a que garante a vida como um todo". 5. Exigir que "a ciência se faça com consciência e se submeta a critérios éticos, para que as suas conquistas beneficiem mais a vida e a humanidade do que o lucro e os mercados".
6. A tecnociência não é a via única de acesso válido à realidade. É preciso preservar valores como os direitos dos afectos e da razão sensível e cordial e das utopias e da colaboração e do respeito pela humanidade toda.
7. Colocar no centro o bem comum e a equidade, porque as conquistas humanas devem beneficiar a todos.
8. É urgente uma eco-educação, educação para a ecologia, preservação do meio ambiente, enquadrada por uma consciência planetária: "vida, humanidade, Terra e universo formamos uma única, grande e complexa realidade". Afinal, como advertiu Dostoievski, "o progresso todo não é nada comparado com o choro de uma criança".
3. "Dominai a Terra", disse Deus aos primeiros homens, segundo o Génesis. Há quem acuse essa ordem divina da presente situação. Má interpretação, pois o que Deus mandou foi cuidar da Terra como quem cuida de um jardim. E aí está outra razão para o Papa Francisco publicar em breve uma encíclica sobre a preservação do meio ambiente: é preciso cuidar da natureza, porque é criação, dom e presente de Deus.
por ANSELMO BORGES
Diário de Notícias
Há 13 700 milhões de anos foi o Big Bang. A Terra pode ter aparecido há uns 5000 milhões de anos e a vida há uns 3500 milhões. Há uns 7 milhões de anos, deu-se a separação do tronco comum, que se ramificou, de tal modo que temos, de um lado, os chimpanzés, gorilas... e, do outro, num processo que passa pelo Homo habilis e o sapiens, estamos nós, o Homo sapiens sapiens - acrescento sempre: e demens demens (sapiente sapiente e demente demente) -, há uns 150 mil anos.
Eu considero espantoso este processo gigantesco, que dá que pensar. E o mistério mora também aqui: porque é que apareceu, no termo dele, embora ainda a caminho, um ser que é o ser humano, sendo nele que o processo toma consciência de si, pois antes não sabia de si. E bastava a mínima variação nas leis iniciais, para não estarmos aqui a falar disto, deslumbrando-nos e pondo questões, como: há um desígnio?, como é que um processo impessoal produz uma realidade que se vive a si mesma como pessoa e como "eu", na primeira pessoa, e que fala e que é livre, e que distingue entre o bem e o mal e contempla e cria beleza, e pergunta com perguntas incessantes, até à pergunta ao infinito e pelo infinito? E porque é que, neste processo gigantesco, apareci eu, precisamente eu, único e irrepetível?
O facto é que nascemos nele, vimos da natureza, mas de tal maneira que somos natureza, dentro dela, mas ao mesmo tempo transcendendo-a: somos "da" natureza e "fora da" natureza, pois reflectimos sobre ela e é em nós e por nós que ela sabe de si. E vivemos dela e somos responsáveis por nós e por ela.
2. Mostrei aqui, na semana passada, citando cientistas eminentes, que, face à iminência da catástrofe - por exemplo, está aí o aquecimento global -, se impõe uma mudança de paradigma, para ser possível a continuidade da vida, pensando concretamente nos países mais pobres e nas gerações futuras, pois, na lógica actual, a Terra, que já viveu sem nós, pode pura e simplesmente expulsar-nos dela.
Numa obra importante, já aqui citada, Sustentabilidade, Leonardo Boff apela para a urgência de um desenvolvimento sustentável, para que "o capital natural seja mantido e enriquecido na sua capacidade de regeneração, reprodução e co--evolução". Foi com o paradigma moderno, reclamando para a subjectividade e a tecnociência a omnipotência divina de dominação universal, que a natureza deixou de ser mãe acolhedora para tornar-se puro reservatório de energias a explorar sem limites. Tomamos cada vez mais consciência da urgência da mudança. Segundo Boff, há pontos fundamentais a considerar e a salvaguardar.
1. Reconhecer que a Terra é Mãe, como declarou oficialmente a ONU em 2009, e que a Terra é um superorganismo vivo, Gaia.
2. Resgatar "o princípio da re-ligação": todos os seres, particularmente os seres vivos, são interdependentes. A Terra é um sistema - num sistema, o todo é mais do que a soma das partes. Todos os seres são constituídos pelos mesmos elementos físicos e químicos, derivando daqui a consciência de que "temos todos um destino partilhado".
3. Entender que "a sustentabilidade global só estará garantida mediante o respeito dos ciclos naturais", o que implica um consumo racional dos recursos não renováveis e dar tempo à natureza para regenerar os renováveis, pensando na solidariedade intra e intergeracional.
4. Valorizar e preservar a biodiversidade, "que é a que garante a vida como um todo". 5. Exigir que "a ciência se faça com consciência e se submeta a critérios éticos, para que as suas conquistas beneficiem mais a vida e a humanidade do que o lucro e os mercados".
6. A tecnociência não é a via única de acesso válido à realidade. É preciso preservar valores como os direitos dos afectos e da razão sensível e cordial e das utopias e da colaboração e do respeito pela humanidade toda.
7. Colocar no centro o bem comum e a equidade, porque as conquistas humanas devem beneficiar a todos.
8. É urgente uma eco-educação, educação para a ecologia, preservação do meio ambiente, enquadrada por uma consciência planetária: "vida, humanidade, Terra e universo formamos uma única, grande e complexa realidade". Afinal, como advertiu Dostoievski, "o progresso todo não é nada comparado com o choro de uma criança".
3. "Dominai a Terra", disse Deus aos primeiros homens, segundo o Génesis. Há quem acuse essa ordem divina da presente situação. Má interpretação, pois o que Deus mandou foi cuidar da Terra como quem cuida de um jardim. E aí está outra razão para o Papa Francisco publicar em breve uma encíclica sobre a preservação do meio ambiente: é preciso cuidar da natureza, porque é criação, dom e presente de Deus.
por ANSELMO BORGES
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