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ACTIVIDADES SOBREVALORIZADAS - Os limites da discussão
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ACTIVIDADES SOBREVALORIZADAS - Os limites da discussão
Querer refutar as vantagens do genocídio é imoral. De facto, tudo o que fica daqueles que decidem mostrar aos genocidas que estão enganados é a memória da sua interacção com criminosos.
O debate é considerado uma coisa boa, ou mesmo muito boa. Como a dieta, será bom para toda a gente; como a água, bom em qualquer altura. Os adeptos do debate, como os adeptos da água e da dieta, acham que o debate é sempre útil; e que do debate, como lhes mostraram na aula de ciências, nasce a luz. Para os adeptos do debate tudo é em princípio discutível. A teoria é um exagero; as vantagens do debate são muito sobrevalorizadas.
Não é a palavra ‘luz’ que primeiro nos ocorre para caracterizar a experiência de um debate. A maior parte das nossas tentativas de discussão são inconclusivas; a maior parte das pessoas a quem tentamos explicar que temos razão não nos percebe; a nossa oferta generosa de argumentos produz quase sempre acrimónia; e tudo demora muito tempo.
Estas desvantagens não são razões suficientes para simplesmente deixar de discutir e defender os nossos pontos de vista. Dedicamo-nos a muitas outras actividades sobrevalorizadas (o acordeon, o aeromodelismo); participamos em muitas outras experiências inconclusivas (o amor, as férias); não nos importamos muitas vezes de não ser percebidos (por estrangeiros, por crianças); a produção de acrimónia deixa-nos indiferentes, e pode em certas alturas alegrar-nos; perder o nosso tempo não nos parece na maior parte das vezes uma perda de tempo.
Há no entanto situações em que podemos e devemos dizer que não se deve discutir um ponto de vista. Trata-se daquelas situações em que falar com outra pessoa, mesmo exprimindo a nossa profunda discordância, já é conceder demais. Uma discussão sobre as vantagens e inconvenientes do genocídio, por exemplo, não é um caso triunfante de exercício da liberdade; é uma actividade que consiste em insinuar que quem acha que o genocídio tem vantagens é no fundo igual a quem acha que não tem: e que tudo é uma questão de argumentos.
A ideia de que tudo é uma questão de argumentos é uma má ideia. A fotossíntese, a verdade, e o genocídio não são uma questão de argumentos. Mas a ideia tem também consequências imorais. Querer refutar as vantagens do genocídio é imoral. De facto, tudo o que fica daqueles que decidem mostrar aos genocidas que estão enganados é a memória da sua interacção com criminosos; e tudo o que fica aos genocidas desses colóquios é o conforto de que ser criminoso é apenas um acidente pitoresco de opinião.
Discutir com uma pessoa ignorante ou estúpida é como discutir com uma pessoa alta ou rica: não ficamos necessariamente parecidos com quem discutimos. Há porém casos em que discutir com uma pessoa com certas ideias nos torna sempre iguais à pessoa com quem tentamos discutir. Ninguém se quererá decerto transformar em quem não tenciona ser. Em casos desses, por isso, não vale a pena sequer falar: a discussão é fútil, e o debate é ocioso. São estes os limites da discussão.
Miguel Tamen
29/5/2015 8, 0:10
OBSERVADOR
O debate é considerado uma coisa boa, ou mesmo muito boa. Como a dieta, será bom para toda a gente; como a água, bom em qualquer altura. Os adeptos do debate, como os adeptos da água e da dieta, acham que o debate é sempre útil; e que do debate, como lhes mostraram na aula de ciências, nasce a luz. Para os adeptos do debate tudo é em princípio discutível. A teoria é um exagero; as vantagens do debate são muito sobrevalorizadas.
Não é a palavra ‘luz’ que primeiro nos ocorre para caracterizar a experiência de um debate. A maior parte das nossas tentativas de discussão são inconclusivas; a maior parte das pessoas a quem tentamos explicar que temos razão não nos percebe; a nossa oferta generosa de argumentos produz quase sempre acrimónia; e tudo demora muito tempo.
Estas desvantagens não são razões suficientes para simplesmente deixar de discutir e defender os nossos pontos de vista. Dedicamo-nos a muitas outras actividades sobrevalorizadas (o acordeon, o aeromodelismo); participamos em muitas outras experiências inconclusivas (o amor, as férias); não nos importamos muitas vezes de não ser percebidos (por estrangeiros, por crianças); a produção de acrimónia deixa-nos indiferentes, e pode em certas alturas alegrar-nos; perder o nosso tempo não nos parece na maior parte das vezes uma perda de tempo.
Há no entanto situações em que podemos e devemos dizer que não se deve discutir um ponto de vista. Trata-se daquelas situações em que falar com outra pessoa, mesmo exprimindo a nossa profunda discordância, já é conceder demais. Uma discussão sobre as vantagens e inconvenientes do genocídio, por exemplo, não é um caso triunfante de exercício da liberdade; é uma actividade que consiste em insinuar que quem acha que o genocídio tem vantagens é no fundo igual a quem acha que não tem: e que tudo é uma questão de argumentos.
A ideia de que tudo é uma questão de argumentos é uma má ideia. A fotossíntese, a verdade, e o genocídio não são uma questão de argumentos. Mas a ideia tem também consequências imorais. Querer refutar as vantagens do genocídio é imoral. De facto, tudo o que fica daqueles que decidem mostrar aos genocidas que estão enganados é a memória da sua interacção com criminosos; e tudo o que fica aos genocidas desses colóquios é o conforto de que ser criminoso é apenas um acidente pitoresco de opinião.
Discutir com uma pessoa ignorante ou estúpida é como discutir com uma pessoa alta ou rica: não ficamos necessariamente parecidos com quem discutimos. Há porém casos em que discutir com uma pessoa com certas ideias nos torna sempre iguais à pessoa com quem tentamos discutir. Ninguém se quererá decerto transformar em quem não tenciona ser. Em casos desses, por isso, não vale a pena sequer falar: a discussão é fútil, e o debate é ocioso. São estes os limites da discussão.
Miguel Tamen
29/5/2015 8, 0:10
OBSERVADOR
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