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O Nacionalismo é a Guerra
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O Nacionalismo é a Guerra
Foi com este grito que, há 20 anos, François Mitterrand se despediu dos deputados europeus reunidos em Estrasburgo.
O nacionalismo é a guerra. Por nacionalismo entende-se um grupo de indivíduos que partilham a mesma lealdade a um grupo étnico ou nacional, sendo ele tanto mais poderoso quanto menos espaço houver para outras lealdades, como a política, a social, a religiosa, já para não falar da lealdade à família ou aos amigos.
Um nacionalista põe o amor à (sua) nação acima de todos os outros. Está disposto a morrer – e, sobretudo, a matar por ela. Um nacionalista é um assassino em potência.
Mas o nacionalismo é mais: é um equívoco. Porque se deixou apropriar pelo Estado, está ao serviço do Estado-nação, os nossos modernos países. O nacionalismo é um equívoco porque a lealdade à nação não é a mesma coisa que a lealdade ao Estado. Quando pomos a lealdade aos nossos Estados-nação à frente das restantes – à família, ideologias, Igreja, ao que seja -, estamos a trair a nação. Porque os Estados-nação modernos (com algumas notáveis excepções, como Portugal) são amálgamas de nações apanhadas no abraço de urso do poder soberano organizado constituído pelo Estado, que detém o monopólio dos meios de violência (ou segurança), em determinado território, subordinando a sua população.
O nacional-estatismo é o cancro das sociedades: o Estado moderno inventou-se à custa da autonomia das nações. Exemplos não faltam, de Espanha à Alemanha, passando por Itália, Bélgica, o Reino Unido, e tantos, tantos mais. Às lealdades nacionais que o nacionalismo expressa, já de si malsãs, impõe-se a fidelidade a entidades políticas que assimilam distintos povos e nações – graças à utilização de instrumentos poderosos, como o sistema educativo, a conscrição, o Estado social (que é como quem diz a língua, a defesa e a segurança social). Aos alemães que se uniram em 1870, uma amálgama de 40 diferentes estados, foi dito serem há séculos o mesmo povo, a mesma nação, e que se tratava de juntar todos numa grande Alemanha. Nacionalismo: é conhecido o resultado do sucesso do convencimento germânico de que Deutschland über alles…
O nacionalismo é uma prisão. Porque os nacionalistas são (sempre) contrários à liberdade de circulação dos produtos e das pessoas e dos serviços e dos capitais entre países diferentes. Melhor dizendo, gostariam que essa liberdade servisse as suas exportações sem terem em troca de conceder acesso livre aos seus mercados. Como isso é impossível, impõem o poder das fronteiras, ainda hoje tão disseminado por todo o Mundo. Mas há uma excepção que, como a aldeia gaulesa tão nossa conhecida, resiste, ainda e sempre: a Europa, com a sua zona de livre circulação dos factores da economia – bens, serviços, trabalhadores e capitais – e das pessoas. Uma zona de liberdade, como deviam ser todas.
O nacionalismo é, por extensão, xenofobia e racismo. A ideia da prevalência da minha (nação) sobre a tua (nação) implica necessariamente uma exclusão.
O nacionalismo é um disparate. E não se confunde com patriotismo: este é (numa formulação simplista) o amor de pertencer a uma nação, o orgulho de fazer parte dela, com ênfase nos seus valores e princípios. Não exclui, não condena, não exige exclusividade, não é contra ninguém. O nacionalismo, ao invés, baseia-se na ideia da superioridade dos meus sobre os outros, sendo por isso, “o pior inimigo da paz” (Orwell dixit).
Ora o nacionalismo é também o maior inimigo da União Europeia. Porque é o que é, considera-a – e ao projecto de liberdade que a Europa e os seus povos tão generosa e inteligentemente gizaram – uma perigosa fantasia. A Europa põe em causa a prevalência dos Estados-nação. Ao preconizar partilhas crescentes de soberanias dantes (mas também isso é uma ilusão) do exclusivo domínio da esfera do Estados, enfraquece a capacidade (outra vez – ilusória) deles serem auto-suficientes e autónomos. Como se a autonomia fosse um bem em si mesmo, ou o oposto da partilha da soberania.
É o nacionalismo que leva tanta gente inteligente a considerar que, se calhar, não seria coisa má a saída da Grécia do euro (não estavam os meus estimados leitores desconfiados de que este artigo iria acabar aqui – na Grécia -, como tantos nos últimos meses?). Mais: alguns até defendem que, a prazo, o “grexit” seria bom para a Grécia, para a Europa, para o euro! Sinceramente, permitam-me o desabafo, é conhecer muito mal o projecto europeu.
Sim, concordo que se pode defender o fim do euro, como coisa ruim que nos coage e coíbe. Muito bem. Mas não se iludam nem iludam quem os ouve, lê e comenta: a saída da Grécia irá levar quase inevitavelmente a uma irresistível pressão dos mercados sobre os restantes países com dívidas soberanas elevadas. Não sou eu que o digo, são os exemplos históricos: da crise que, em 1992/3, levou à implosão do sistema monetário europeu aos acontecimentos recentes de 2011/12, com a escalada das taxas de juro em quase todos os países do sul. É certo que a trajectória virtuosa de alguns, como Portugal (e Irlanda e Espanha), permite confiança; mas querer travar a especulação nos mercados é como parar uma enxurrada com as mãos. Já o devíamos saber.
Uma saída da Grécia quase inevitavelmente resultará numa enorme desconfiança na zona euro. Há a possibilidade disso não acontecer, claro, mas apostar nela é como jogar a roleta russa só com uma câmara vazia: e por isso, na minha opinião, não é defensável. A quase certa vaga de euroceticismo resultante teria como consequência uma provável implosão da União Económica e Monetária. Ora o colapso da zona euro, ao contrário do que acreditam os simpáticos defensores do fim da moeda única, acarreta a prazo o fim do mercado interno: escrevi-o há algum tempo na crónica “deixem o euro em paz”, neste mesmo jornal, controversa mas em relação à qual não vejo razão para retirar uma palavra. E o fim do mercado interno é o fim da União Europeia, carecida do seu principal objecto.
Não faço ideia, como é óbvio, se a Grécia sai ou não do euro (e nem sei como), como não sei se o Reino Unido o fará. Mas estou certo que em ambos os casos as consequências seriam graves. O problema de todos quantos especulam sobre a saída da Grécia (e não só) é não serem capazes de integrar, nessa sua posição, o enorme risco de uma implosão do projecto europeu. Ou se calhar de secretamente o desejarem.
E no caso disso suceder, uma vez mais como em tantos trágicos momentos de um passado não muito distante, sorrirá impante o feio e trágico rosto do nacionalismo.
PROFESSOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
Paulo de Almeida Sande
1/6/2015 8, 21:39
OBSERVADOR
O nacionalismo é a guerra. Por nacionalismo entende-se um grupo de indivíduos que partilham a mesma lealdade a um grupo étnico ou nacional, sendo ele tanto mais poderoso quanto menos espaço houver para outras lealdades, como a política, a social, a religiosa, já para não falar da lealdade à família ou aos amigos.
Um nacionalista põe o amor à (sua) nação acima de todos os outros. Está disposto a morrer – e, sobretudo, a matar por ela. Um nacionalista é um assassino em potência.
Mas o nacionalismo é mais: é um equívoco. Porque se deixou apropriar pelo Estado, está ao serviço do Estado-nação, os nossos modernos países. O nacionalismo é um equívoco porque a lealdade à nação não é a mesma coisa que a lealdade ao Estado. Quando pomos a lealdade aos nossos Estados-nação à frente das restantes – à família, ideologias, Igreja, ao que seja -, estamos a trair a nação. Porque os Estados-nação modernos (com algumas notáveis excepções, como Portugal) são amálgamas de nações apanhadas no abraço de urso do poder soberano organizado constituído pelo Estado, que detém o monopólio dos meios de violência (ou segurança), em determinado território, subordinando a sua população.
O nacional-estatismo é o cancro das sociedades: o Estado moderno inventou-se à custa da autonomia das nações. Exemplos não faltam, de Espanha à Alemanha, passando por Itália, Bélgica, o Reino Unido, e tantos, tantos mais. Às lealdades nacionais que o nacionalismo expressa, já de si malsãs, impõe-se a fidelidade a entidades políticas que assimilam distintos povos e nações – graças à utilização de instrumentos poderosos, como o sistema educativo, a conscrição, o Estado social (que é como quem diz a língua, a defesa e a segurança social). Aos alemães que se uniram em 1870, uma amálgama de 40 diferentes estados, foi dito serem há séculos o mesmo povo, a mesma nação, e que se tratava de juntar todos numa grande Alemanha. Nacionalismo: é conhecido o resultado do sucesso do convencimento germânico de que Deutschland über alles…
O nacionalismo é uma prisão. Porque os nacionalistas são (sempre) contrários à liberdade de circulação dos produtos e das pessoas e dos serviços e dos capitais entre países diferentes. Melhor dizendo, gostariam que essa liberdade servisse as suas exportações sem terem em troca de conceder acesso livre aos seus mercados. Como isso é impossível, impõem o poder das fronteiras, ainda hoje tão disseminado por todo o Mundo. Mas há uma excepção que, como a aldeia gaulesa tão nossa conhecida, resiste, ainda e sempre: a Europa, com a sua zona de livre circulação dos factores da economia – bens, serviços, trabalhadores e capitais – e das pessoas. Uma zona de liberdade, como deviam ser todas.
O nacionalismo é, por extensão, xenofobia e racismo. A ideia da prevalência da minha (nação) sobre a tua (nação) implica necessariamente uma exclusão.
O nacionalismo é um disparate. E não se confunde com patriotismo: este é (numa formulação simplista) o amor de pertencer a uma nação, o orgulho de fazer parte dela, com ênfase nos seus valores e princípios. Não exclui, não condena, não exige exclusividade, não é contra ninguém. O nacionalismo, ao invés, baseia-se na ideia da superioridade dos meus sobre os outros, sendo por isso, “o pior inimigo da paz” (Orwell dixit).
Ora o nacionalismo é também o maior inimigo da União Europeia. Porque é o que é, considera-a – e ao projecto de liberdade que a Europa e os seus povos tão generosa e inteligentemente gizaram – uma perigosa fantasia. A Europa põe em causa a prevalência dos Estados-nação. Ao preconizar partilhas crescentes de soberanias dantes (mas também isso é uma ilusão) do exclusivo domínio da esfera do Estados, enfraquece a capacidade (outra vez – ilusória) deles serem auto-suficientes e autónomos. Como se a autonomia fosse um bem em si mesmo, ou o oposto da partilha da soberania.
É o nacionalismo que leva tanta gente inteligente a considerar que, se calhar, não seria coisa má a saída da Grécia do euro (não estavam os meus estimados leitores desconfiados de que este artigo iria acabar aqui – na Grécia -, como tantos nos últimos meses?). Mais: alguns até defendem que, a prazo, o “grexit” seria bom para a Grécia, para a Europa, para o euro! Sinceramente, permitam-me o desabafo, é conhecer muito mal o projecto europeu.
Sim, concordo que se pode defender o fim do euro, como coisa ruim que nos coage e coíbe. Muito bem. Mas não se iludam nem iludam quem os ouve, lê e comenta: a saída da Grécia irá levar quase inevitavelmente a uma irresistível pressão dos mercados sobre os restantes países com dívidas soberanas elevadas. Não sou eu que o digo, são os exemplos históricos: da crise que, em 1992/3, levou à implosão do sistema monetário europeu aos acontecimentos recentes de 2011/12, com a escalada das taxas de juro em quase todos os países do sul. É certo que a trajectória virtuosa de alguns, como Portugal (e Irlanda e Espanha), permite confiança; mas querer travar a especulação nos mercados é como parar uma enxurrada com as mãos. Já o devíamos saber.
Uma saída da Grécia quase inevitavelmente resultará numa enorme desconfiança na zona euro. Há a possibilidade disso não acontecer, claro, mas apostar nela é como jogar a roleta russa só com uma câmara vazia: e por isso, na minha opinião, não é defensável. A quase certa vaga de euroceticismo resultante teria como consequência uma provável implosão da União Económica e Monetária. Ora o colapso da zona euro, ao contrário do que acreditam os simpáticos defensores do fim da moeda única, acarreta a prazo o fim do mercado interno: escrevi-o há algum tempo na crónica “deixem o euro em paz”, neste mesmo jornal, controversa mas em relação à qual não vejo razão para retirar uma palavra. E o fim do mercado interno é o fim da União Europeia, carecida do seu principal objecto.
Não faço ideia, como é óbvio, se a Grécia sai ou não do euro (e nem sei como), como não sei se o Reino Unido o fará. Mas estou certo que em ambos os casos as consequências seriam graves. O problema de todos quantos especulam sobre a saída da Grécia (e não só) é não serem capazes de integrar, nessa sua posição, o enorme risco de uma implosão do projecto europeu. Ou se calhar de secretamente o desejarem.
E no caso disso suceder, uma vez mais como em tantos trágicos momentos de um passado não muito distante, sorrirá impante o feio e trágico rosto do nacionalismo.
PROFESSOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
Paulo de Almeida Sande
1/6/2015 8, 21:39
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