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O dinheiro e os palhaços

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Mensagem por Admin Dom Jun 28, 2015 11:56 am

Ainda há quem se excite com as negociações entre a Grécia e os credores, ou a troika, ou a Europa. A meio da semana, a teoria dividia-se entre os que achavam o acordo alcançado uma humilhação do Syriza e os que o achavam uma vitória esmagadora desse divertido bando. O único problema é que a semana está no fim e o acordo alcançado destaca-se pela inexistência.

Mesmo que venha a existir, promete não servir de nada, na medida em que uma das partes, imaginem qual, nunca cumprirá coisa nenhuma, ou quase nenhuma. A bazófia do Syriza, colectividade pouco vocacionada para a democracia, não esconde o pavor de sair do euro, divisa pouco vocacionada para nações de excêntricos. A impaciência dos credores colide com algum receio das consequências. Dito de maneira diferente, o Syriza procura inutilmente ganhar tempo e dinheiro, os credores perdem ambos e os espectadores de tamanho aborrecimento têm um em excesso e outro nem tanto. Por mim, só rezo aos deuses (não os do Olimpo, nos quais não deposito confiança e pretendo não depositar um cêntimo) que a brincadeira não me saia cara.

Mas isso sou eu, que não padeço de altruísmo. Felizmente, a acreditar no que se ouve e lê, abundam por aí cidadãos generosos em cujos ombros recai a esperança da crise, da UE e da humanidade em geral. Essa abençoada gente, que em Portugal se confunde com a melhor parte do PS (a parte dos "valores") e a ponderada extrema-esquerda, percebe que, pela suja lógica do capitalismo selvagem, os países que emprestam dinheiro têm o desagradável costume de desejar recebê-lo de volta, nem que seja parcial e espaçadamente, antes de emprestarem mais. E mais. E mais.

O raciocínio dos generosos é simples, tão simples que mete medo: aparentemente ao contrário dos demais membros da UE, a Grécia é um país soberano que optou por um determinado nível de vida. Esse nível de vida não se alcança ou mantém sozinho, pelo que exige patrocínio alheio. Os patrocinadores impõem condições. Do alto da sua soberania, a Grécia não aceita as condições. Está no seu direito. E se um alemão tiver de trabalhar até aos 80 para que um grego se reforme aos 50, azar dele. Os alemães, por puro egoísmo, discordam e começam a cansar-se. Os pobres gregos vêem-se em soberanos apuros e já se descobriu um cantoneiro de Salonica com salário inferior a 1500 euros.

É em momentos de desumanidade assim que convém desviar o debate do materialismo para a moral, subordinado ao sempre fascinante tema "Solidariedade". Se não se pode esperar semelhante virtude do neo-supra-ultraliberalismo vigente, urge que os povos se unam a fim de financiar a Grécia. Acredito que as cúpulas do PS e do Bloco já abriram contas em favor daquele oprimido (e soberano) povo, e que os 17 participantes das recentes vigílias de solidariedade no Porto, Coimbra e Viseu contribuíram com verbas significativas. A filantropia autêntica recorre ao próprio bolso e não à extorsão de insensíveis que, como eu, são avessos ao conceito.

Entretanto, enquanto escrevia a crónica constou que o enésimo acordo iminente se transformou no cancelamento das negociações e num referendo do Syriza à vontade popular. Crentes na sensatez dos seus representantes, os gregos correm a exportar divisas e a assaltar os multibancos. Volta a crescer a ansiedade e a certeza de que, no fundo, toda a gente sabe como é que a paródia acabará: mal. E porcamente para a Grécia. Sem dinheiro, não há palhaços? Há sim, senhor. Duvido é que voltem a vencer eleições. O futuro da esquerda envelheceu depressa.

Sexta-feira, 26 de Junho

Adivinha

No Koweit, um sujeito explodiu com 25 (contagem provisória) pessoas que oravam numa mesquita. No mesmo dia, outro sujeito matou 38 pessoas (idem) no atentado a um resort tunisino. Ainda no mesmo dia, um terceiro sujeito decapitou o gerente de uma empresa em França. Quais as duas características comuns aos citados cavalheiros? Adianto metade da resposta: todos tinham orelhas. A metade restante não se diz, em nome do ecumenismo e da harmonia universal.

Sábado, 27 de Junho

A falta de vontade popular

Já é azar. Cheiinho de boas intenções, o camarada X criou um partido, perdão, uma "candidatura cidadã" cujo chefe seria eleito por escolha directa do povo e para o povo. Em teoria, o Sr. Lopes, barbeiro de Moscavide, ou a dona Adélia, assalariada fabril do Ave, poderiam ser líderes. Não foram: decerto por ignorância, o povo escolheu justamente o camarada X para o pastorear.

Depois o partido, desculpem, a "candidatura cidadã" abriu as listas das eleições ao Parlamento Europeu a toda a gente, significando isto que tanto o Sr. Teixeira, desempregado de Gondomar, como a dona Inês, cabeleireira do Cacém, se habilitavam a um lugar elegível. Não aconteceu: decerto por boçalidade, o povo reservou o lugar ao camarada X.

Agora, no momento de preparar as "legislativas", o sujeito X encetou uma última e desesperada tentativa de escancarar as portas do partido, perdão, da "candidatura cidadã" ao povo. Era desta que o Sr. Fábio, vulgo "O Couves", biscateiro de Cortegaça, subiria a deputado? Nada feito: decerto por estupidez congénita, o povo pendurou o camarada X do costume no topo da lista por Lisboa, para cúmulo acima da camarada Z - que as más-línguas garantem ter sido mais votada. Mas isso é uma tentativa patética de emendar o povo. O povo não tem emenda. E quem diz povo diz as duas mil alminhas que, por ócio ou vício, se envolveram no assunto.

por ALBERTO GONÇALVES
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