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Histórias de trazer por casa
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Histórias de trazer por casa
Qualquer bom pagador deve assumir as suas dívidas, dizem, e por aí fora. Não sou eu que vou contra essa ideia. Mas nem tudo é tão simples assim, há dívidas e dívidas, e formas de as contrair.
Anda muita gente indignada por os gregos não quererem pagar as dívidas. Qualquer bom pagador deve assumir as suas dívidas, dizem, e por aí fora. Não sou eu que vou contra essa ideia. Mas nem tudo é tão simples assim, há dívidas e dívidas, e formas de as contrair, mas não vou entrar por aí. Há quem diga que os Estados se devem governar como as casas de cada um de nós.
Vejamos então dois casos de governação pessoal que aconteceram ao longo da minha vida. Há muitos anos atrás, um amigo meu esteve aflito. Verdadeiramente em aflição. Faltavam-lhe 800 contos para pagar uma dívida a um credor que o ameaçava já fisicamente. Eu na altura podia, emprestei-lhe a verba, ele foi pagando como podia, sem juros, e a dívida ficou saldada. Simples. Afinal éramos amigos, nem sequer coloquei a hipótese de juros. Nem sequer havia tratados de solidariedade a unir-nos, ou o que quer que seja semelhante.
Muitos anos depois, precisei eu de um empréstimo (para pagar impostos) e pedi emprestado a um banco. Pois, como até aí sempre fora pessoa de boas contas, concederam-me o empréstimo de 15.000 euros, a pagar em prestações de cerca 400 euros mensais. Com uma boa fatia de juros, a cobrar à cabeça. Na altura, suportava essa verba. Depois as coisas precipitaram-se, a crise, uma penhora (impostos, história estranha, dava um filme!), cortes na reforma, aumentos brutais na renda da casa, e escrevi ao banco a solicitar uma reestruturação da dívida: não podia pagar 400 euros mensais.
Não me responderam. Voltei a escrever e a telefonar. Não responderam ou eram evasivos. Deixei de pagar. O banco começou a escrever. Eu a responder. E o banco a escrever, a ameaçar. E eu a repetir que não podia pagar nessa altura aquela verba. Até que um dia resolveram reestruturar a minha dívida: passei a pagar durante muito mais anos 40 euros mensais. Nunca mais falhei, e a dívida está quase paga. Eu, imaginem!, continuei a pagar a renda da casa e a comer. Sem me queixar muito. Só um bocadinho. Há quem tenha toda a justificação para se queixar mais.
Será que alguém pode contar estas duas histórias de bons pagadores de dívidas às entidades europeias, ao FMI e aos gregos? Eu sei que só grandes mentes conseguem congeminar soluções desta grandeza, mas, que diabo, tentar não custa.
Escreve à sexta-feira
Lauro António
10/07/2015 08:00
Jornal i
Anda muita gente indignada por os gregos não quererem pagar as dívidas. Qualquer bom pagador deve assumir as suas dívidas, dizem, e por aí fora. Não sou eu que vou contra essa ideia. Mas nem tudo é tão simples assim, há dívidas e dívidas, e formas de as contrair, mas não vou entrar por aí. Há quem diga que os Estados se devem governar como as casas de cada um de nós.
Vejamos então dois casos de governação pessoal que aconteceram ao longo da minha vida. Há muitos anos atrás, um amigo meu esteve aflito. Verdadeiramente em aflição. Faltavam-lhe 800 contos para pagar uma dívida a um credor que o ameaçava já fisicamente. Eu na altura podia, emprestei-lhe a verba, ele foi pagando como podia, sem juros, e a dívida ficou saldada. Simples. Afinal éramos amigos, nem sequer coloquei a hipótese de juros. Nem sequer havia tratados de solidariedade a unir-nos, ou o que quer que seja semelhante.
Muitos anos depois, precisei eu de um empréstimo (para pagar impostos) e pedi emprestado a um banco. Pois, como até aí sempre fora pessoa de boas contas, concederam-me o empréstimo de 15.000 euros, a pagar em prestações de cerca 400 euros mensais. Com uma boa fatia de juros, a cobrar à cabeça. Na altura, suportava essa verba. Depois as coisas precipitaram-se, a crise, uma penhora (impostos, história estranha, dava um filme!), cortes na reforma, aumentos brutais na renda da casa, e escrevi ao banco a solicitar uma reestruturação da dívida: não podia pagar 400 euros mensais.
Não me responderam. Voltei a escrever e a telefonar. Não responderam ou eram evasivos. Deixei de pagar. O banco começou a escrever. Eu a responder. E o banco a escrever, a ameaçar. E eu a repetir que não podia pagar nessa altura aquela verba. Até que um dia resolveram reestruturar a minha dívida: passei a pagar durante muito mais anos 40 euros mensais. Nunca mais falhei, e a dívida está quase paga. Eu, imaginem!, continuei a pagar a renda da casa e a comer. Sem me queixar muito. Só um bocadinho. Há quem tenha toda a justificação para se queixar mais.
Será que alguém pode contar estas duas histórias de bons pagadores de dívidas às entidades europeias, ao FMI e aos gregos? Eu sei que só grandes mentes conseguem congeminar soluções desta grandeza, mas, que diabo, tentar não custa.
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10/07/2015 08:00
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