Uma santa aliança

Há mais de 30 anos, numa conversa com um seu aluno, António José Saraiva definiu a essência da identidade portuguesa. O rapaz, que haveria de ser secretário de Estado da Cultura, não haveria de esquecer uma das perguntas do mestre: o que distingue os provérbios portugueses?

Soletrou na cabeça os mais óbvios. “O seu a seu dono”; “muito riso, pouco siso”; “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”; “quem tudo quer, tudo perde”; “filho de peixe sabe nadar”; “quem não deve não teme”; “quem a alto sobe de alto cai”; “vale mais prevenir do que remediar”; “homem prevenido vale por dois”; “quem casa quer casa”; “entre marido e mulher não se mete a colher”, e outros que tais. Elísio Summavielle (o aluno) pensou e não lhe saiu o que para o professor saltava à vista: os provérbios distinguem-se pelo seu profundo reacionarismo. Uma prova de que Portugal, na sua alma mais profunda, é conservador, cauteloso (“caldos de galinha”) e jamais troca o seguro pelo inseguro.

A estratégia de Passos Coelho e Paulo Portas baseia-se nessa premissa essencial. Eles são o porto seguro, os que “encheram os cofres” e oferecem segurança ao povo, os que nos dizem muitas vezes o que devemos ouvir porque quem nos “avisa, amigo é”. Por isso, o seu programa político, tanto como as propostas que apresentam, é uma viagem ao ser português, ao medo de existir de que falava José Gil no seu manual de sobrevivência filosófico. O primeiro-ministro não é um conservador, é um liberal. Na economia e nos costumes. Portas é camaleónico na ideologia, mas liberal no seu modo de ver o mundo. Os dois, de maneiras diferentes, são sensíveis ao progresso e acreditam na transformação das sociedades. Porém, não são optimistas acerca da condição humana, jogam as suas hipóteses de vitória no que nos últimos 200 anos nos caracterizou enquanto povo.

A segunda palavra vai ao encontro da primeira. Nem por acaso, no coração da elite da Igreja portuguesa, alguns bispos ameaçam sobressaltar-se contra o Papa Francisco. A hierarquia sempre preferiu Cerejeira a António Ferreira Gomes, como prefere o Padre Seabra a Frei Bento Domingues. Nos dias em que o mundo venera Francisco, bispos portugueses mostram ser leitores devotos e dedicados dos nossos provérbios fundadores.

Veremos o que as eleições nos dizem. Terão uma importância política, mas também sociológica. E António Costa terá um duro papel a travar – Passos Coelho joga (e bem) com tudo, até com os fantasmas. Joga com este mundo e com o outro. É um político que tem provado saber o que faz e como o faz. Um adversário temível e gélido numa estratégia de que não se desvia. Poderá mesmo ganhar.

Mas atenção. Um outro político apelou às nossas profundezas de alma e deu péssimos resultados. Cavaco Silva, nas eleições presidenciais contra Jorge Sampaio, recuperou a trilogia salazarista. Acusou Sampaio de não acreditar na transcendência (Deus), de não ter feito serviço militar (Pátria), e de ser casado em segundas núpcias (Família). Perdeu em toda a linha. É essa a esperança de António Costa.

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Luís Osório | 03/08/2015 20:35
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